quarta-feira, 15 de junho de 2011

VALE A PENA LER DE NOVO: "MINHA LUTA SEM FIM CONTRA A FOLHA DE S. PAULO"

(artigo publicado em abril/2009, mas que permanece bem atual, pois a Folha de S. Paulo continua incidindo nas mesmas heresias jornalísticas que eu criticava então  -- e eu continuo convocando-a para responder por suas infâmias no tribunal das consciências) 

Há alguns dias, dois companheiros que eu respeito criticaram a minha insistência em esmiuçar o episódio Folha de S. Paulo x Dilma Rousseff, alegando que já estava superado e havia novos assuntos a serem abordados.

Respondi que, desde que confronto o maior jornal brasileiro, nunca ele se colocou em posição tão indefensável, daí minha determinação em aproveitar ao máximo a fraude desmascarada para expor as entranhas da Folha.

No meu caso, a briga vem de longe.

Em 1994, Marcelo Rubens Paiva utilizou a capa da Ilustrada para abordar um filmeco de propaganda anticomunista realizado, se bem me lembro, pela Polícia Militar. Havia referências ao cerco que Carlos Lamarca e um pequeno grupo de resistentes romperam no Vale do Ribeira, em abril/1970, naquela que foi uma das maiores proezas militares da História brasileira (mas, claro, jamais será reconhecida como tal pelas Forças Armadas...).

Então, sem quê nem pra quê, Paiva me citou como responsável pela delação do campo de treinamento guerrilheiro ali instalado pela VPR, que deu origem à operação mobilizando cinco mil militares contra uma mísera dezena de combatentes revolucionários.

Reivindiquei direito de resposta, que foi imediatamente concedido. Esclareci o meu lado da questão, principalmente o fato de que, no dia da minha prisão (16/04/1970), após ser torturado várias horas, indiquei, como despiste, a área da VPR em que eu estivera como integrante da equipe precursora.

Tendo essa área inicial (vamos chamá-la de área 1) sido desativada por inadequação aos nossos propósitos, eu avaliei que nenhum mal resultaria de tal revelação, que me daria tempo para respirar. Havia informações verdadeiramente importantes a preservar, custasse o que custasse.

Para minha surpresa, Paiva retrucou, citando um torturador que não estivera envolvido no meu caso, mas  ouvira falarem (!) que eu delatara a área. E levantou a hipótese de que, mesmo não tendo entregue a área ativa (vamos chamá-la de área 2), a repressão a teria descoberto a partir da prisão de aliados da região que mediaram a aquisição de ambas. A minha responsabilidade passaria, então, a ser indireta, por ter propiciado um caminho para investigações.

Preparei a resposta final a que tinha direito segundo o próprio Manual de Redação da Folha. Tanto a editora da Ilustrada quanto a ombudsman tentaram negar-me tal direito, alegando falta de espaço e outras desculpas esfarrapadas.

Mandei carta ao próprio diretor de Redação Otavio Frias Filho exigindo que o jornal respeitasse suas normas. Ele ordenou que a polêmica fosse encerrada exatamente como estabelecia o Manual, com a publicação, lado a lado, do último texto de cada um de nós.

No entanto, isto me valeu a antipatia eterna do tal Otavinho. Nunca mais recebi tratamento equânime por parte da Folha.

No final de 2004, encontrei na web um relatório secreto do II Exército que esclarecia definitivamente a questão: a repressão soubera por meu intermédio da existência da área 1, enviara duas equipes lá e elas voltaram de mãos abanando, pois constataram que estava abandonada há meses; mas, a prisão de outra pessoa no Rio de Janeiro, em 18/04/1970, colocara a repressão na pista certa da área 2.

Ou seja, ficava claro que eu não tinha nada a ver com a descoberta da área 2: não indicara sua localização (mesmo porque a desconhecia); e ela também não havia sido revelada por aliados da região, os quais, na verdade, só foram presos quando a Operação Registro já havia sido desencadeada pelos militares.

Embora tivesse me saído razoavelmente bem na polêmica de 1994, ela não havia terminado de forma conclusiva. Acabara sendo minha palavra contra a de Paiva, sem que ninguém provasse categoricamente suas afirmações.

Em 2004 eu tinha a prova e a submeti à Folha que, evasiva, designou o responsável pela sucursal do RJ para colher meu depoimento e redigir uma matéria esclarecedora. O tempo foi passando e eu, depois de enviar farta documentação ao jornalista designado, comecei a cobrar o cumprimento da promessa.

Foi quando o grande historiador Jacob Gorender encaminhou à Folha carta fazendo uma espécie de autocrítica por haver-me atribuído a delação da área guerrilheira no seu clássico Combate nas Trevas. Ele relatou honestamente que, face aos documentos que eu lhe encaminhara e a outros que ele pesquisara, concluíra pela minha inocência no episódio.

A Folha publicou a carta do Gorender, na íntegra, no Painel do Leitor. E me comunicou que, com isto, considerava ter-me concedido satisfação suficiente, dando, portanto, a questão por encerrada.

É claro que não o fizera! A acusação injusta havia sido lançada por um jornalista da Folha. A carta do Gorender representava tão-somente a retratação do Gorender; sua publicação na seção de leitores nem sequer implicava concordância com seus termos por parte do jornal.

A Folha ficou devendo desculpas por me haver estigmatizado levianamente. Até hoje.

E, desse ano de 2004 em diante, houve um sem-número de episódios nos quais, defendendo a memória da luta armada e dos resistentes que a travaram, tive de contestar as versões capciosas da Folha.

Para não entediar os leitores, citarei só os principais.

Quando a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça atendeu a reivindicação dos herdeiros de Carlos Lamarca, o jornal fez coro, inclusive num editorial, à grita histérica da direita contra essa decisão.

Embora tenha sido companheiro de armas do Lamarca, a Folha não me concedeu o direito de responder às suas adjetivações levianas, salvo em breve carta no Painel do Leitor. Os erros que o jornal cometera e eu pus a nu só ficaram mesmo conhecidos dos internautas (e a difusão dos meus artigos era bem menor então).

Depois houve o episódio algoz x vítima: Élio Gaspari trombeteou que o autor de um atentado da VPR estava recebendo reparação bem maior do que o arquiteto atingido pelo petardo, o qual tivera de colocar uma protese na perna.

Desde o primeiro momento eu adverti que Gaspari estava se baseando nas versões dos antigos verdugos, inconfiáveis como informação histórica e nulas em termos legais, já que contaminadas pela prática generalizada da tortura.

A Folha novamente me negou o direito de contrapor minha versão à do seu colaborador. E a evolução dos acontecimentos novamente provou que era eu quem estava certo: o único sobrevivente, dentre os que realmente colocaram a bomba no consulado dos EUA, revelou que Diógenes de Carvalho, o dito algoz, não participara dessa ação -- a qual, aliás, nem sequer havia sido de autoria da VPR, mas sim da ALN.

E, mais recentemente, minha condição de porta-voz do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti não foi suficiente para que a Folha me permitisse repor a verdade dos fatos, quando flagrei várias afirmações distorcidas sobre o escritor e perseguido político italiano.

Nem mesmo no Painel do Leitor a Folha me fornece espaço atualmente. E as críticas submetidas ao ombudsman, um homem decente (1), esbarram na sua falta de autoridade para modificar as decisões da Redação.

Foi uma inovação que a Folha alardeou ao implantar e com a qual, por ser intrinsecamente autoritária, não consegue mais conviver, só esquivando-se de sepultá-la de vez para evitar que todos percebam o óbvio: o rabo do jornal hoje está preso com todo tipo de interesse, menos o do leitor.

Para quem acompanhava há muito o processo de direitização da Folha, não foram nem um pouco surpreendentes os episódios da  ditabranda e da fraude contra Dilma. Afinal, que mais se poderia esperar de um jornal que vinha abrindo sua página de opinião para  figurinhas carimbadas como Reinaldo Azevedo, Jarbas Passarinho, Ali Kamel e Walter Fanganniello Maierovitch?

Mas, ao distorcer grosseiramente a verdade histórica para implicar Dilma Roussef com um sequestro que não era de sua esfera de competência e nem sequer foi tentado, bem como ao utilizar como elemento ilustrativo uma ficha suspeitíssima que circulava na internet, a Folha passou como um rolo compressor sobre as boas práticas e a ética jornalísticas. Até leigos percebem isto.

Então, temos mais é de dar o máximo de quilometragem a tais fraturas expostas -- seja como tentativa de reverter o processo de direitização da Folha (2), seja para imunizar os leitores contra sua tendenciosidade (caso mantenha o rumo atual).

A Veja começou assim, perdendo credibilidade junto aos formadores de opinião. Hoje está despencando ladeira abaixo e poderá arrastar consigo a Folha, se esta insistir em copiar-lhe os erros e em importar seus profissionais com viés direitista.
1 Carlos Eduardo Lins da Silva é mesmo um homem decente... mas não tem espinha suficientemente flexível para ser ombudsman na Folha. Seu mandato não foi renovado.
2 A tentativa fracassou, como logo ficaria evidenciado: no final do mesmo ano a Folha chegou ao fundo do poço, com o benjamingate...

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