Durante as trevas ditatoriais no Brasil, um oficial de alto escalão certa vez se queixou de que um jornal carioca estaria movendo guerra psicológica adversa contra o regime.
Motivo? É que o matutino montara uma página só com tragédias e catástrofes ocorridas no mundo inteiro, tendo no centro a notícia e foto de uma entrega de espadins aos calouros de uma academia militar.
O gorila avaliou que a imagem de fardados sorridentes, cercada de sofrimento por todos os lados, seria uma maneira subliminar de colocar os leitores contra os milicos, burlando a censura.
Nas minhas (posteriores) décadas de atuação jornalística, perceberia que, si non è vero, è bene trovato: o mero maquiavelismo é muito mais frequente na imprensa do que a mera coincidência.
Um exemplo conspícuo é a capa da Folha de S. Paulo deste domingo (21), tendo como manchete "Dilma faz defesa do estado forte e prega estabilidade" e destacando, na chamada de uma retranca secundária, que "Ministra diz ter feito no exterior treinos militares".
Gato escaldado, o jornal evita sugerir outra vez que um eventual governo de Dilma Rousseff criaria uma infinidade de novas estatais. Sua credibilidade cairá ainda mais se continuar recebendo cala-bocas irrefutáveis.
Mas, não desistiu de insinuar que Dilma é uma estatizante compulsiva, ao colocar em primeiríssimo lugar um tema que, na própria notícia a que a manchete remete, só aparece na metade final:
Mas, a insistência da Folha em afixar-lhe tal etiqueta já beira o ridículo. Onde cabem pelo menos duas interpretações, trombeteia sempre aquela que maior prejuízo causará à campanha presidencial de Dilma.
Idem, a obsessão em apresentá-la como uma sanguinária ex-guerrilheira, o que verdadeiramente não foi.
Militou na resistência à ditadura de 1964/85, mas como organizadora e dirigente, não como integrante das unidades de ação armada. Por mais que tente, a direita ainda não conseguiu prova nenhuma de que Dilma haja participado pessoalmente de sequestros, expropriações, etc.
Ademais, em nações submetidas a governos despóticos, todo cidadão tem o direito de resistir à tirania, pelos meios possíveis. A partir do AI-5, o único meio possível no Brasil ficou sendo a luta armada.
Assim como nos países europeus submetidos ao jugo nazista. O que poderia fazer a Resistência Francesa, além do que fez? Entregar flores aos carrascos de Hitler?
Canso de afirmar que a ninguém ocorre, na França, apresentar os heróis e mártires da Resistência como autores de crimes comuns, embora suas ações tenham sido indiscutivelmente mais violentas do que as praticadas pelo Colina, VPR e VAR-Palmares (as organizações nas quais Dilma militou).
O jornal, entretanto, faz questão de sintonizar-se com a pregação totalitária das viúvas da ditadura.
Como se fosse um Ternuma qualquer, falseia a História para, panfletariamente, associar a Dilma uma imagem de violência. Chegou ao cúmulo de tentar envolvê-la, forçando a barra ao extremo, com um plano de sequestro que nunca saiu do papel nem era atribuição dela.
E, da mesma forma que os sites fascistas, a Folha apresenta esses episódios sem contextualização. P. ex., para quem conhece o festival de horrores desencadeado pela assinatura do AI-5, que deu sinal verde para a repressão política barbarizar e assassinar à vontade, não causa surpresa nenhuma que os movimentos de resistência pretendessem sequestrar o ministro Delfim Netto.
Como signatário do nefando ato, Delfim escolheu ser alvo das ações dos resistentes. Que, no caso, estavam longe de ser drásticas. Pretendia-se apenas trocá-lo por presos políticos que sofriam torturas terríveis nos porões da ditadura, podendo ser executados a qualquer momento.
Dilma, dignamente, jamais negou sua responsabilidade política pelo que fizeram ou planejaram as organizações em que militava.
Mas, isto é pouco para a propaganda enganosa da extrema-direita. Esta quer porque quer plantar a imagem de que Dilma apertava gatilhos e acendia pavios. Daí inundar a internet com fichas policiais falsas, como a que a Folha entusiasticamente reproduziu, num dos maiores vexames jornalísticos de seus 89 anos de história.
Agora, do enorme perfil que o jornal apresenta de Dilma, repleto de trechos mais interessantes, o que destaca na primeira página é o fato de ela ter feito um treinamento militar básico no Uruguai.
Novamente, cabe a pergunta: o que deveríamos fazer, nós que enfrentávamos os efetivos altamente treinados da repressão política e seu poder de fogo infinitamente superior? Nem aprendermos a nos defender com um mínimo de competência nós podíamos? É como sacos de pancada que o Grupo Folha nos queria?
Na verdade, sim. Tanto que, no momento dos acontecimentos, disponibilizava veículos para o DOI-Codi, enquanto lhe dava sustentação política em seus jornais.
O gorila avaliou que a imagem de fardados sorridentes, cercada de sofrimento por todos os lados, seria uma maneira subliminar de colocar os leitores contra os milicos, burlando a censura.
Nas minhas (posteriores) décadas de atuação jornalística, perceberia que, si non è vero, è bene trovato: o mero maquiavelismo é muito mais frequente na imprensa do que a mera coincidência.
Um exemplo conspícuo é a capa da Folha de S. Paulo deste domingo (21), tendo como manchete "Dilma faz defesa do estado forte e prega estabilidade" e destacando, na chamada de uma retranca secundária, que "Ministra diz ter feito no exterior treinos militares".
Gato escaldado, o jornal evita sugerir outra vez que um eventual governo de Dilma Rousseff criaria uma infinidade de novas estatais. Sua credibilidade cairá ainda mais se continuar recebendo cala-bocas irrefutáveis.
Mas, não desistiu de insinuar que Dilma é uma estatizante compulsiva, ao colocar em primeiríssimo lugar um tema que, na própria notícia a que a manchete remete, só aparece na metade final:
"Dilma, porém, reafirmou a proposta de fortalecimento do Estado, citada por Lula em sua fala, quando disse à ministra: 'Isso é bom Dilma, não é ruim', ao lembrar que a oposição a acusa de ser estatizante. 'Continuaremos a valorizar o servidor e o serviço público, reconstituindo o Estado, recompondo sua capacidade de planejar, gerir e induzir o desenvolvimento do país', afirmou ela.Percebe-se, claro, que Dilma escolhe cuidadosamente as palavras, para não indispor-se nem com os estatizantes encontrados em suas fileiras, nem com os devotos do deus-mercado existentes fora delas. Políticos são assim mesmo, navegam nas águas da ambiguidade.
"Ao defender o Estado, Dilma disse que o desastre da crise econômica mundial não foi maior no Brasil porque os 'brasileiros resistiram a esse desmonte e conseguiram impedir a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica ou de Furnas', momento em que foi aplaudida".
Mas, a insistência da Folha em afixar-lhe tal etiqueta já beira o ridículo. Onde cabem pelo menos duas interpretações, trombeteia sempre aquela que maior prejuízo causará à campanha presidencial de Dilma.
Idem, a obsessão em apresentá-la como uma sanguinária ex-guerrilheira, o que verdadeiramente não foi.
Militou na resistência à ditadura de 1964/85, mas como organizadora e dirigente, não como integrante das unidades de ação armada. Por mais que tente, a direita ainda não conseguiu prova nenhuma de que Dilma haja participado pessoalmente de sequestros, expropriações, etc.
Ademais, em nações submetidas a governos despóticos, todo cidadão tem o direito de resistir à tirania, pelos meios possíveis. A partir do AI-5, o único meio possível no Brasil ficou sendo a luta armada.
Assim como nos países europeus submetidos ao jugo nazista. O que poderia fazer a Resistência Francesa, além do que fez? Entregar flores aos carrascos de Hitler?
Canso de afirmar que a ninguém ocorre, na França, apresentar os heróis e mártires da Resistência como autores de crimes comuns, embora suas ações tenham sido indiscutivelmente mais violentas do que as praticadas pelo Colina, VPR e VAR-Palmares (as organizações nas quais Dilma militou).
O jornal, entretanto, faz questão de sintonizar-se com a pregação totalitária das viúvas da ditadura.
Como se fosse um Ternuma qualquer, falseia a História para, panfletariamente, associar a Dilma uma imagem de violência. Chegou ao cúmulo de tentar envolvê-la, forçando a barra ao extremo, com um plano de sequestro que nunca saiu do papel nem era atribuição dela.
E, da mesma forma que os sites fascistas, a Folha apresenta esses episódios sem contextualização. P. ex., para quem conhece o festival de horrores desencadeado pela assinatura do AI-5, que deu sinal verde para a repressão política barbarizar e assassinar à vontade, não causa surpresa nenhuma que os movimentos de resistência pretendessem sequestrar o ministro Delfim Netto.
Como signatário do nefando ato, Delfim escolheu ser alvo das ações dos resistentes. Que, no caso, estavam longe de ser drásticas. Pretendia-se apenas trocá-lo por presos políticos que sofriam torturas terríveis nos porões da ditadura, podendo ser executados a qualquer momento.
Dilma, dignamente, jamais negou sua responsabilidade política pelo que fizeram ou planejaram as organizações em que militava.
Mas, isto é pouco para a propaganda enganosa da extrema-direita. Esta quer porque quer plantar a imagem de que Dilma apertava gatilhos e acendia pavios. Daí inundar a internet com fichas policiais falsas, como a que a Folha entusiasticamente reproduziu, num dos maiores vexames jornalísticos de seus 89 anos de história.
Agora, do enorme perfil que o jornal apresenta de Dilma, repleto de trechos mais interessantes, o que destaca na primeira página é o fato de ela ter feito um treinamento militar básico no Uruguai.
Novamente, cabe a pergunta: o que deveríamos fazer, nós que enfrentávamos os efetivos altamente treinados da repressão política e seu poder de fogo infinitamente superior? Nem aprendermos a nos defender com um mínimo de competência nós podíamos? É como sacos de pancada que o Grupo Folha nos queria?
Na verdade, sim. Tanto que, no momento dos acontecimentos, disponibilizava veículos para o DOI-Codi, enquanto lhe dava sustentação política em seus jornais.
6 comentários:
Parabéns pelo texto, Celso. Muito elucidativo. A mídia gorda é igual em qualquer lugar, mas a brasileira consegue ser especialmente fétida.
Fantástico texto, Celso.
Gostei tanto que o reproduzi no meu blog. Aliás, também reproduzi o seu texto anterior sobre a 'Folha', o ""FOLHA". NÃO DÁ PRA NÃO DESCONFIAR".
Abraço
Links:
http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2010/02/celso-lungaretti-desmascara-nova.html
http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2010/02/celso-lungaretti-folha-nao-da-pra-nao.html
Caros Celso e amigos.
Recomendo o filme: LET´S MAKE MONEY.
Ok, está em alesmao + francês + inglês + espanhol, mas, mesmo q vc nao fale todas ou qlqr destas linguas ... as imagens e os fatos vao falar por sí.
As imagens, os depoimentos, os lugares, a música, a dir. de fotografia, enfim, tudo vai montar em vc um mosáico escatológico, nojento, assustador, esclarecedor, arrepiante e repulsivo ... acredite (m).
Fala do falso dinheiro, dos paraísos fiscais e das mentiras vendidas pelas grandes corporacaoes e seus professores de qlqr merda q roube o dinheiro público.
Qdo entrarem no tal CON$$$EN$$$O de Uóxinton ... vcs vao rir e chorar ao mesmo tempo.
Recomendo p/ se compreender o q se passa na Grécia + Itália + Portugal + Espanha + Islândia + Lituânia + ...
Daí fazer todo o sentido qdo Lula diz q, se fosse num período tucano (ele diz anos 90), estaríamos qebrados.
Tunganos tem ÓDIO deste filme.
Corram e assistam.
Inté,
Murilo
Gostei do texto: esclarece bem o papel nefasto da grande mídia em geral e da Folha em particular. Procuram apresentar a candidata Dilma como sendo uma terrorista e pró-estatização de tudo. Ridículo. No seu rico texto faltou explorar um pouco mais o episódio colocado para ilustrar, envolvendo a fria e covarde execução do revolucionário Bacuri. Pelo que já li em depoimentos de historiadores e ex-militantes, Bacuri foi torturado durante 40 dias, tendo as pernas quebradas, os olhos vazados e sofrendo todo tipo de tortura antes de ser executado friamente para depois ser apresentado pela mídia tipo Folha como tendo sido morto trocando tiro com a polícia. É essa história de terror que a direita brasileira e seus seguidores não querem que seja revelada pela Comissão da Verdade dos Direitos Humanos. No mais, parabéns pelo blog, o qual, pela qualidade dos textos, visito frequentemente.
eu sigo padrões jornalísticos. Falar sobre o longo martírio a que foi submetido meu companheiro Eduardo Leite fugiria aos propósitos deste artigo.
No meu livro "Náufrago da Utopia" eu contei essa história. E também postei algo apropriado na comunidade do Bacuri no Orkut (infelizmente não está mais lá, deve ter sido deletada quando troquei minha identidade orkutiana).
Um abração!
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