quarta-feira, 10 de outubro de 2018

PARA LER E REFLETIR: COMO A INTRANSIGÊNCIA DA ESQUERDA ALEMÃ ABRIU CAMINHO PARA A VITÓRIA DE HITLER

"...os eventos que tiveram lugar na Alemanha a partir do final dos anos 1920 ganham nova perspectiva, sobretudo agora, quando a extrema-direita levanta novamente a cabeça em diversas partes do mundo. 

O nazismo venceu no início dos anos 1930, em parte porque durante os dez anos anteriores realizou um intenso e escrupuloso trabalho de agitação e propaganda sobre as massas pequeno-burguesas e declassés de uma Alemanha dilacerada e humilhada pelo tratado de Versalhes. Em parte, porque faltou inteligência e iniciativa revolucionária aos chefes do proletariado.

É preciso lembrar que o nazismo não era a única força política na Alemanha daqueles anos e nem sequer a maior. Ao lado do NSDAP, o partido de Hitler, havia duas outras poderosas forças: os social-democratas do SPD e os comunistas do KPD, que, juntas, abarcavam a imensa maioria da classe operária alemã. 

Esta, por sua vez, mesmo após três levantes derrotados (1919, 1921 e 1923), continuava sendo a principal força social e política do país. Uma política justa por parte da direção do proletariado poderia ter barrado o caminho de Hitler ao poder e transformado a crise terminal da república de Weimar numa terceira revolução alemã, ou ao menos impedido a ascensão do nazismo.

Poderia não quer dizer que certamente seria. Mas é preciso saber que esteve colocada essa possibilidade. A vitória do nazismo nunca foi inevitável. 
O putsch da cervejaria, em 1923, deveria ter servido de alerta para a esquerda alemã... 

Ela ocorreu por uma complexa combinação de fatores, em que um dos mais importantes foi a política adotada pelo KPD stalinizado, que considerava a social-democracia como a principal inimiga da classe trabalhadora e por isso se recusava terminantemente a realizar com ela qualquer frente única para barrar a ascensão de Hitler.

...A fase de crescimento vertiginoso da influência do nazismo coincide no tempo com o que o stalinismo convencionou chamar de terceiro período. O termo foi cunhado em 1928 e corresponderia ao período de agonia final do capitalismo, etapa na qual o capitalismo seria fatalmente destruído pela revolução proletária. 

A conclusão lógica dessa avaliação foi que as massas se encontravam em um gigantesco ascenso, e que, portanto, toda e qualquer frente com outras forças e movimentos deveria ser descartada. Os partidos comunistas deveriam marchar sozinhos, rumo à tomada do poder. 
...assim como a componente golpista da paralisação dos caminhoneiros não acordou nossa esquerda 
Qualquer frente ou acordo seria uma traição e significaria a entrega da revolução. Sendo assim, a luta contra os inimigos internos ao movimento operário deveria ser intensificada e até elevada ao primeiro plano. Desta forma, toda a política dos partidos comunistas deveria ser direcionada contra o principal concorrente dentro do movimento operário: a social-democracia e os partidos socialistas.

Vale a pena lembrar que esta política de delimitação absoluta com os reformistas já havia sido condenada pelo III Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1921, no qual se definiu pela atuação em conjunto, sob certas condições, com os partidos da social-democracia internacional. Esta política de unidade de classe para enfrentamento do inimigo comum entrou para a história com o nome de Frente Única.

Desde a sua elaboração, a política ultra-esquerdista do terceiro período foi aplicada a fundo na Alemanha. Isso significou a recusa a qualquer unidade de ação entre o SPD e o KPD para enfrentar física e politicamente o nazismo. 
Bolsonaro é insignificante demais?

Em todas as situações e em qualquer lugar, a social-democracia era considerada o inimigo principal. O reformismo foi igualado ao nazismo; surgiram e se propagaram expressões estúpidas e rasteiras como social-fascismoala moderada do fascismo (para se referir ao Partido Socialista) e outras.

Como desenvolvimento lógico dessa lamentável teoria, se afirmava que a vitória sobre o fascismo (que se reconhecia como inimigo) não seria possível sem que antes se derrotasse a social-democracia. A social-democracia era, segundo a teoria de Stalin, o pior inimigo, pois estava infiltrada nas fileiras do movimento operário, enquanto o fascismo era um elemento externo e, por isso, menos perigoso.

...a direção do KPD e da Internacional Comunista acreditava que os nazistas, uma vez no poder, se desgastariam tão rapidamente, que isso abriria, quase que imediatamente, a possibilidade de um governo do KPD. Coerente com essa previsão, em 1931 [o dirigente comunista alemão Ernst] Thälmann lança mais uma fórmula: “Depois de Hitler, será nossa vez!” Foi o último erro daquela direção.

Um mês depois da nomeação de Hitler como chanceler da Alemanha, o KPD já estava na ilegalidade, suas sedes estavam destruídas e seus líderes já estavam na prisão. O Partido Nazista, por sua vez, em novas eleições, conquistou a maioria definitiva no Reichstag, com mais de 17 milhões de votos. A vitória nazista estava consolidada. 

...Não seria um exagero dizer que a história não conhece até hoje maior exemplo de estupidez e cegueira política. O preço deste erro foi pago com o esmagamento do movimento operário alemão e com a 2ª Guerra Mundial." 
(trechos do excelente artigo As lições de Trotski na luta contra o fascismode Henrique Canary, publicado
em 2017 no site Esquerda OnLinecuja íntegra 
pode ser acessada aqui)

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