Ontem (10), depois de passar algumas horas resolvendo problemas fora de casa, a primeira coisa que fiz na volta foi abrir minha caixa de mensagens. E levei um banho de água fria: o companheiro Carlos Lungarzo dizia que a extradição do Cesare já tinha sido decidida e ele estava a caminho de Cananeia, com sua esposa Silvana, para ajudar a fazerem uma barreira humana quando os policiais o fossem prender.
Vasculhei todo o noticiário e nada havia neste sentido. A notícia mais categórica que encontrei, da agência Ansa, era sobre uma deputada ítalo-brasileira, Renata Bueno, haver declarado no Parlamento de lá que a decisão política de extraditar o Cesare já estava tomada pelo Governo Temer, faltando apenas "algumas questões jurídicas a se resolver".
Ou seja, havia uma dose de incerteza quanto ao alerta que o Carlos recebera. Por experiência jornalística, sei que em episódios como este a boataria é infernal e, às vezes, pessoas sérias nela creem e repassam rumores como se fossem certezas. Então, ao recebermos aviso de um interlocutor que respeitamos, tendemos a acreditar também e acabamos sendo induzidos ao erro.
Mesmo assim, tive uma vontade danada de ir para Cananeia também. Meu senso de autocrítica, contudo, falou mais alto. Incapacitado de fazer movimentos rápidos por força de uma artrose, de que serviria na eventualidade de um confronto? Acabaria sendo um estorvo para os companheiros, obrigados a se preocuparem também comigo.
E nunca fui adepto da resistência pacífica do Gandhi. Quando era prisioneiro da ditadura em 1970, nem eu nem nenhum dos companheiros (mesmo os mais valentes), ousávamos sair na porrada com os gorilas que nos estavam torturando. Percebíamos claramente que, se lhes déssemos tal pretexto, ou nos matariam ou nos infringiriam danos físicos muito graves.
Mas, apanhar sem reagir causa enorme frustração a um homem. Ao voltar às ruas, prometi a mim mesmo que jamais deixaria isso acontecer de novo. E, por uma mistura de habilidade e sorte, escapei ileso de todas as situações em que tal poderia ter acontecido, tanto como manifestante quanto como jornalista cobrindo protestos.
Racionalmente, decidi que não faria sentido expor-me agora a espancamentos que talvez machucassem mais a minha auto-estima do que o meu corpo, até porque estava careca de saber que os policiais não seriam detidos por barreira humana nenhuma que conseguíssemos formar.
Emocionalmente, amaldiçoei a velhice que me impõe limitações tão frustrantes. Durante um bom tempo, como o guitarrista Pete Townshend do The Who, eu esperava morrer antes de envelhecer. Até que, ao completar 50 anos, decidi apostar todas as fichas que me restavam na realização de um velho sonho, o de ser pai biológico. A partir daí, perdi a liberdade de morrer antes de ter encaminhado minhas duas filhas na vida.
Como não se pode ter tudo ao mesmo tempo, resigno-me a suportar as limitações da idade e a obrigação de ficar administrando pacientemente os riscos de moléstias que, amanhã ou daqui a 20 anos, acabarão saindo de controle e me mandando para o Valhalla. Compensa. As filhas iluminam minha vida.
Num encontro de apoiadores de sua causa que teve lugar anteontem (9) na Faculdade de Direito da USP (palco de tantas jornadas libertárias!), o veterano advogado Luiz Eduardo Greenhalgh avaliou que não existe a mínima justificativa legal para o extraditarem e o verdadeiro risco seria o de uma operação ilegal.
De que, juridicamente, a pretensão italiana é descabida e grotesca, não há dúvida nenhuma. Mas, resta sempre o temor que as autoridades brasileiras finjam acreditar no passe de mágica já desmascarado pelo Lungarzo e o coloquem em execução (vide aqui).
Para quem acredita ingenuamente que a Justiça das metrópoles difira da nossa quanto à disposição de admitir flexibilizações da Lei sempre que isto convenha aos poderosos, advirto: mesmo que os italianos prometam rebaixar a pena de prisão de Battisti para os 30 anos que o Brasil impõe como condição para extraditar alguém, será mero engodo.
Ou seja, havia uma dose de incerteza quanto ao alerta que o Carlos recebera. Por experiência jornalística, sei que em episódios como este a boataria é infernal e, às vezes, pessoas sérias nela creem e repassam rumores como se fossem certezas. Então, ao recebermos aviso de um interlocutor que respeitamos, tendemos a acreditar também e acabamos sendo induzidos ao erro.
Mesmo assim, tive uma vontade danada de ir para Cananeia também. Meu senso de autocrítica, contudo, falou mais alto. Incapacitado de fazer movimentos rápidos por força de uma artrose, de que serviria na eventualidade de um confronto? Acabaria sendo um estorvo para os companheiros, obrigados a se preocuparem também comigo.
E nunca fui adepto da resistência pacífica do Gandhi. Quando era prisioneiro da ditadura em 1970, nem eu nem nenhum dos companheiros (mesmo os mais valentes), ousávamos sair na porrada com os gorilas que nos estavam torturando. Percebíamos claramente que, se lhes déssemos tal pretexto, ou nos matariam ou nos infringiriam danos físicos muito graves.
Mas, apanhar sem reagir causa enorme frustração a um homem. Ao voltar às ruas, prometi a mim mesmo que jamais deixaria isso acontecer de novo. E, por uma mistura de habilidade e sorte, escapei ileso de todas as situações em que tal poderia ter acontecido, tanto como manifestante quanto como jornalista cobrindo protestos.
Racionalmente, decidi que não faria sentido expor-me agora a espancamentos que talvez machucassem mais a minha auto-estima do que o meu corpo, até porque estava careca de saber que os policiais não seriam detidos por barreira humana nenhuma que conseguíssemos formar.
Emocionalmente, amaldiçoei a velhice que me impõe limitações tão frustrantes. Durante um bom tempo, como o guitarrista Pete Townshend do The Who, eu esperava morrer antes de envelhecer. Até que, ao completar 50 anos, decidi apostar todas as fichas que me restavam na realização de um velho sonho, o de ser pai biológico. A partir daí, perdi a liberdade de morrer antes de ter encaminhado minhas duas filhas na vida.
Como não se pode ter tudo ao mesmo tempo, resigno-me a suportar as limitações da idade e a obrigação de ficar administrando pacientemente os riscos de moléstias que, amanhã ou daqui a 20 anos, acabarão saindo de controle e me mandando para o Valhalla. Compensa. As filhas iluminam minha vida.
* * *
Mas, e o Cesare?Aviso ao Cesare: todo cuidado é pouco... |
De que, juridicamente, a pretensão italiana é descabida e grotesca, não há dúvida nenhuma. Mas, resta sempre o temor que as autoridades brasileiras finjam acreditar no passe de mágica já desmascarado pelo Lungarzo e o coloquem em execução (vide aqui).
Para quem acredita ingenuamente que a Justiça das metrópoles difira da nossa quanto à disposição de admitir flexibilizações da Lei sempre que isto convenha aos poderosos, advirto: mesmo que os italianos prometam rebaixar a pena de prisão de Battisti para os 30 anos que o Brasil impõe como condição para extraditar alguém, será mero engodo.
E não sou só eu a dizê-lo. Fernando Pomarici, que comandou a luta contra os grupos de ultraesquerda em Milão durante os anos de chumbo, afirmou enfaticamente: "De fato, se conseguir-se trazê-lo para nosso país, qualquer que seja a redução da pena com a obtenção de benefícios penitenciários, Battisti terminará sua vida na prisão" ("Di fatto se riescono a portarlo nel nostro Paese, qualunque sia la riduzione della pena per i benefici penitenziari, Battisti finirà la vita in carcere").
...quando se está na mira dessa gente. |
Espero que Pomarici tenha se referido apenas a subterfúgios para alongar a pena e não à promessa de carcereiros italianos, de que o assassinariam caso o Cesare voltasse a cair em suas mãos.
Enfim, considero extremamente necessárias as gestões em Brasília:
- no sentido de convencer o presidente Temer de que não deve comprometer irremediavelmente sua reputação de jurista acumpliciando-se com uma flagrante ilegalidade; e
- junto ao Supremo, para que conceda o quanto antes um habeas corpus colocando Cesare a salvo de uma operação que atropelaria a própria decisão do STF em 2011, quando referendou a negativa do presidente Lula ao pedido de extradição da Itália.
Meu palpite, contudo, é que Temer, se resolver dar sinal verde para a vendeta italiana, só o fará depois que a Câmara votar e arquivar a segunda denúncia do Rodrigo Janot contra ele, provavelmente no final deste mês.
Evitar o impeachment é sua prioridade máxima e não creio que quererá introduzir mais um complicador, tomando uma decisão tão questionável.
Mas, se até lá o Supremo não tiver concedido o habeas corpus, será bom colocarmos as barbas de molho.
Fala-se que há um pacote de maldades prontinho para ser anunciado no day after. E Battisti poderá ser um dos itens.
3 comentários:
Meu amigo é inacreditável como somos reféns da vontade política deste ou daquele grupo. Pelo visto, não há mesmo a menor segurança jurídica pra ninguém...como Temer pode, simplesmente, revogar um decreto que concede a um indivíduo o direito de permanecer livre no país ? Tempos difíceis...
Marcelo Roque
Você acha que um "gangster" como o atual ocupante do Planalto está lá com algum escrúpulo com a sua "reputação de jurista"? É claro que não. Um atilado comentarista do seu site já havia alertado que entramos na "idade das trevas", e deu como exemplo o fato do STF ter abolido a separação entre Igreja e Estado naquela malfadada votação sobre o ensino religioso nas escolas públicas. De lá para cá, tivemos o suicídio do reitor da UFSC após implacável perseguição pela "Lava-Jato" e a "busca e apreensão de drogas" na casa de um filho do Lula. Uma ação digna de um Haiti sob a família Duvalier. Quem tinha esperança em um "acirramento da luta de classes" com a queda do PT do Planalto, "novas oportunidades para a Revolução" está assistindo a um grupo criminoso que está aniquilando o futuro do país para manter-se no Poder e cumprir a agenda do Imperialismo para o Brasil. A entrega do ativista para a Itália, um país sucessivamente destruído pela "Operação Gládio" e depois, pela "Operação Mãos Limpas" faz parte do "pacote" que busca mostrar aos "investidores" que mudaram os paradigmas no Brasil. Você, com acerto, publicou um texto sobre a barbárie do atual governo das Filipinas comparando com o que aconteceria em um possível governo de Jair Bolsonaro. Pois bem: o fato do STF ter admitido ser constitucional a implantação da Idade Média no Brasil já é uma adaptação a uma possível "era bolsonariana" em nosso país. E o silêncio cúmplice com a muito provável extradição de Césare Battisti também fará parte de tal adaptação. O povo estará como está hoje: em choque com a perda de todos os seus direitos e dos seus empregos e buscando algum alívio em sua situação desesperadora nos cultos de padres e pastores mercenários. Nas suas poucas horas de lazer, no intervalo de seu dia-a-dia de camelô estará anestesiado pela mídia, acompanhando as peripécias inverossímeis dos personagens novelescos ou então, discutindo com a vizinhança sobre quem vai ganhar a "Dança dos Famosos" no Faustão.
Companheiro,
dizendo a alguém que ele é um gangster vc não conquistará a sua simpatia. Vi no artigo do Dalmo de Abreu Dallari esse lance de conclamar o Temer a manter-se fiel ao livro sobre Direito Constitucional que escreveu e fui na mesma linha. O que custa tentar? O importante agora é salvar o companheiro. Teremos muito tempo ainda para bater no Temer.
De qualquer forma, a coisa evoluiu e a decisão agora está com o Supremo. Daí o meu post de hoje, no qual exorto o Fux a agir como um verdadeiro jurista.
Ou seja, nessas lutas de direitos humanos, ajo para obter resultados, não para desabafar. Os interesses das pessoas que estou defendendo vêm sempre em primeiro lugar.
Abs.
Celso
Postar um comentário