segunda-feira, 31 de agosto de 2009

BOMBA! SEGUNDO EX-DIRETOR DO DOPS, O CABO ANSELMO JÁ ERA AGENTE DUPLO EM 64

Mal o cabo Anselmo acabava de finalmente mostrar a cara num longo Canal Livre da rede Bandeirantes, o bumerangue a atingiu em cheio: a Folha de S. Paulo divulga na edição desta segunda-feira (31) que Cecil Borer, diretor do Dops carioca à época da quartelada de 1964, revelou que o tinha então a seu serviço.

O jornal afirma dispor da gravação de tal entrevista, na qual Borer (1913-2003) relata a colaboração de Anselmo não apenas com o Deops, mas também com o Cenimar e a CIA.

Conforme venho esclarecendo desde que foi noticiada a pretensão de José Anselmo dos Santos a uma reparação federal (ver aqui, aqui e aqui), as regras da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça a obrigam a concordar com o pedido se ficar estabelecido que o ex-marinheiro (o apelido de cabo era equivocado) foi mesmo um militante de esquerda até 1971 e só trocou de lado em tal ano, passando a facilitar a prisão e/ou morte dos companheiros.

A única situação em que a Comissão de Anistia pode recusar o pedido de Anselmo, eu sempre disse, é a de que Anselmo já fosse agente duplo em 1964. Havia vários indícios neste sentido, mas nenhuma prova cabal.

A entrevista da Folha pode ser a evidência sonhada pelos que tentam evitar a concessão, a um auxiliar dos carrascos, de um benefício criado para suas vítimas.

A gravação, mais os inúmeros episódios flagrantemente suspeitos da vida de Anselmo, já serão suficientes para provocar muita discussão quando o colegiado for apreciar este processo. A decisão, em tais circunstâncias, seria impossível de se prever.

E se aparecer mais um - um só! - elemento de prova com o mesmo peso das palavras do ex-diretor do Dops, arrisco o prognóstico de que o pedido de Anselmo será unanimemente recusado.

Talvez seja a isto que o ministro da Justiça Tarso Genro estivesse aludindo há algumas semanas, quando aventou a possibilidade de que Anselmo já atuasse como "agente infiltrado dos golpistas" em 1964. Afinal, deu uma declaração enfática demais para quem não tivesse curinga na manga:
"Não cabe a aplicação da Lei da Anistia a pessoas que deliberadamente atuaram como agente do Estado, seja para desestabilizar um regime legal, como era o governo João Goulart, seja depois, numa estrutura paralela".
Então, é bom o Anselmo ir desde já considerando a hipótese de seguir o conselho que Genro então lhe endereçou, de entrar com ação ordinária contra a União, requerendo indenização por haver atuado na repressão política sem reconhecimento do Estado "pela prestação desse regime".

Pois, no próprio ato de recusar-lhe a reparação, a Comissão de Anistia estará reconhecendo sua condição de agente dos serviços de informação do Estado durante décadas. Nada mais justo do que ele ser indenizado por todos esses anos em que trabalhou sem registro em carteira. E sua profissão correta poderá até constar da nova documentação que requereu...

ANTES ELOGIAVA FLEURY. AGORA
DIZ QUE ELE O AMEAÇOU DE MORTE

De resto, a minha impressão é de que sua aparição na TV deve ter causado ao telespectador comum o mesmo asco que provocou em nós, conhecedores dos fatos esmiuçados no Canal Livre de 30/08/2009.

Tentando conciliar as mentiras atuais com as que contou aos jornalistas-escritores Octávio Ribeiro (Pena Branca) em 1984 e a Percival de Souza em 1999, Anselmo enredou-se em inúmeras contradições e não foi crível ao afirmar que a repressão lhe prometera poupar Soledad Barret Viedma, a militante uruguaia cuja morte propiciou a despeito de estar gerando uma criança dele.

Anselmo anteriormente afirmou ter apenas apelado à repressão para que a poupasse. Ao contar o conto de novo, aumentou um ponto. Só que a cascata pegou mal, já que as bestas-feras da ditadura não eram dadas a fazer promessas desse tipo. Então, ele perdeu outro tanto de credibilidade, se é que ainda tinha alguma.

Foi penoso acompanharmos as fanfarronices e as justificativas tortuosas de Anselmo ao longo de aproximadamente hora e meia de programa.

De um lado, repetiu os mais surrados clichês da propaganda anticomunista. E soaram extremamente inverossímeis suas declarações de que traiu os movimentos de resistência para evitar uma guerra civil, embora noutros momentos admitisse o despreparo e a inferioridade de força dos grupos guerrilheiros face à ditadura.

De outro, tentou angariar alguma simpatia para sua cruzada atual ao falar sobre torturas e coações que teria sofrido. Só que levou um xeque-mate quando disse ter sido ameaçado de morte pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury e lhe foram atirados na cara os elogios rasgados que fez outrora ao sinistro personagem.

ANSELMO FOI PRESO POR ENGANO
EM 64. DEPOIS, ENCENARAM SUA FUGA

Quanto á notícia da Folha, Ação de Anselmo é pré-64, diz policial (assinantes do jornal ou do UOL podem acessar aqui), causa estranheza a entrevista do ex-diretor do Dops só estar sendo divulgada hoje, oito anos depois de concedida e seis anos depois da morte de quem a concedeu. A grande imprensa tem razões que a própria razão desconhece.

Eis os principais trechos:

"Diretor do Dops carioca à época do golpe de Estado de 1964, o policial Cecil Borer (1913-2003) afirmou dois anos antes de morrer que o marinheiro de primeira classe José Anselmo dos Santos, mais célebre agente duplo a serviço da ditadura militar, já era informante da Marinha e da polícia política antes da deposição do presidente João Goulart.

"As entrevistas de Borer ao repórter da Folha foram concedidas em 2001 na apuração para um livro e uma reportagem. Ele autorizou a gravação.

"O policial, denunciado como torturador de presos durante três décadas, teve atuação destacada nas prisões após o golpe de 1964. Aposentou-se em 65.

"Ao ser entrevistado pela Folha, ele tinha 87 anos. Narrou 'pressões' físicas contra presos, negou a condição de torturador e falou de agentes infiltrados na esquerda.

"No começo de 1964, Anselmo presidia a AMFNB (Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil). Borer contou que ele já era informante do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) da Guanabara, do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e dos "americanos" - a CIA (Agência Central de Inteligência).

"Foi categórico: '[Antes de abril de 1964, Anselmo] trabalhava, trabalhava'. Para quem? 'Para todo mundo.' Detalhou: 'Ele trabalhava para a Marinha, ele trabalhava para mim, trabalhava para americano'. Não esclareceu a data em que o militar teria aderido.

"Conforme Borer, Anselmo não foi um infiltrado escalado para se misturar aos marinheiros. O ex-diretor disse que ele foi recrutado pelo Cenimar quando já atuava na associação.

"O policial afirmou que as informações transmitidas por Anselmo eram compartilhadas por Cenimar e Dops com classificação 'A', exclusiva de fonte de alta confiança. Os organismos tratavam-no por nome em código. 'Não havia segredo entre Dops e Marinha. (...) Esse trabalho, essa informação veio do Anselmo, então é classe A'.

"Dias após a queda de Goulart, Anselmo se asilou na Embaixada do México no Rio. Em pouco tempo abandonou o local e se abrigou em um apartamento na zona sul. No dia seguinte, foi detido e levado para o Dops.

"Ele disse que o esconderijo foi identificado por agentes seus infiltrados entre exilados no Uruguai. Informaram o endereço a um policial que ignorava a dupla militância de Anselmo, que acabou preso.

"Sua condição de informante, diz Borer, era de conhecimento restrito, mesmo no Dops e no Cenimar: 'Então Anselmo veio, tá preso, você não vai soltar, que não vai queimar'.

"Anselmo retomou a liberdade somente em 1966, quando Borer já estava aposentado, ao ir embora de uma delegacia no bairro do Alto da Boa Vista onde estava preso. Lá, ele circulava quase sem restrições.

"A fuga foi uma farsa, disse Borer. O objetivo do que descreve como encenação de colegas seus foi infiltrar o agente na esquerda clandestina. Anselmo foi para o Uruguai, onde entrou no MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário), grupo dirigido por Leonel Brizola.

"A seguir, treinou guerrilha em Cuba. De volta ao Brasil, aderiu à VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), organização armada depois dizimada por suas delações.

"Em entrevista ao repórter Octávio Ribeiro, em 1984, Anselmo disse que se entregou por iniciativa própria ao Deops por volta de 1971 e nunca foi torturado. Em 1999, assegurou ao repórter Percival de Souza que foi surpreendido e preso pelo Deops e que o torturaram antes da mudança de lado."

6 comentários:

Maria Carolina Bissoto disse...

Celso, achei a entrevista do cabo Anselmo de uma mentira deslavada. O mais absurdo de tudo foi o fato dele tentar justificar a morte de Soledad dizendo que o Fleury lhe havia prometido que ela seria solta. Sinceramente, mesmo que seja provado que ele somente passou para o outro lado por causa das torturas que sofreu, não acho que ele deva ser anistiado pela Comissão de Anistia. Acho que ele não deveria ter esse direito.

celsolungaretti disse...

Passando pelo site do Nassif, encontrei esta interessante mensagem do veterano jornalista Antonio Carlos Fon, que vale a pena reproduzir aqui:

"Nassif,

lá pelos inícios dos anos 80, trabalhávamos na Istoé e quem descobriu de fato o Cabo Anselmo foi a Suzana Veríssimo - você certamente lembra dela, que trabalhou com a gente na Veja. A Suzana descobriu que o Cabo Anselmo frequentava o DOPS de São Paulo, onde tinha um sócio, o delegado Josecyr Cuoco, com quem mantinha uma agência privada de informações que, com agentes infiltrados no movimento sindical e acesso aos relatórios dos alcaguertes do DOPS, vendia informações para as multinacionais, especialmente do setor automobilístico, na época muito assustadas com o novo sindcalismo que nascia no ABC.

A Suzana começou a levantar a matéria, quando o Cuoco descobriu e, com ajuda do Cenimar, montou uma operação de contra-inteligência: chamou o Octávio Ribeiro - nada contra ele, era meu amigo e um grande repórter de polícia - e combinaram a entrevista com o Cabo Anselmo.

A única condição, cumprida, foi que a matéria deveria ser publicada na Istoé, exatamente para desmontar o trabalho da Suzana.

A última informação que eu tive da Suzana é que ela estava morando no Recife mas, se for necessário, não será difícil encontrá-la."

celsolungaretti disse...

Maria Carolina,

é claro que, em termos morais, o que o Anselmo merece é coisa bem diferente!

O problema é que a Comissão de Anistia tem regras e precisa cumpri-las em todos os casos.

Uma delas é que as pessoas recebem reparações em função de haverem tido suas vidas seriamente prejudicadas pela existência de uma ditadura.

Então, se não conseguirmos provar que o Anselmo já era agente da repressão antes do golpe de 64, infelizmente ele terá de ser beneficiado.

Pois, prejuízos ele sofreu, sim: virou um homem desprezado, malvisto, obrigado a esconder sua verdadeira identidade. Um pária.

O xis da questão é se ele sofreu esse prejuízo porque a ditadura existia ou ele ajudou a implantá-la.

Se não derrubarmos a versão de que ele era de esquerda até 1971 e só então trocou de lado, não haverá jeito de evitarmos que seja anistiado.

Por mais nojo que ele nos inspire.

Adriano disse...

Há pouco postei a msg abaixo* no blog do Luis Nassif e qdo retornei para a pg vi indicação de teu post na pg dele... Acho q se aproxima do que relatas...

*"Assisti toda a entrevista e tirei dela duas impressões: 1) Sua entrada na marinha já foi algo pensado… 2) Ainda segue na ativa, talvez de forma coadjuvante, mas segue na ativa (basta relembrar suas opiniões sobre a configuração do MST em vários estados)"…

Maria Carolina Bissoto disse...

Celso, depois da reportagem da Folha de ontem e das opiniões emitidas pelo Paulo Vannuchi, pela Rose Nogueira e pela Cecília Coimbra acho que a situação do cabo Anselmo ficou um pouco mais complicada. É claro que quem decidirá é a Comissão, mas se esses documentos realmente existirem a anistia ficou um pouco mais difícil. Concordo com você que a Comissão tem leis e que elas devem ser observadas, mas moralmente espero que se consiga provar que ele sempre foi um agente duplo, pois anistiá-lo é uma afronta sobre os princípios em que a lei foi construída (apesar do Direito nem sempre ser moral). Que ele foi prejudicado pela ditadura, sim, pode ter sido, mas se ele contribuiu para que esta se instaurasse (e as informações estão indicando nesse sentido)não pode ser anistiado. Abraço. Carolina

Anônimo disse...

Este bandido merece estar na cadeia, junto com os demais que torturaram e mataram. Anistiá-lo é uma falta de respeito.

José Silva.

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