Dilma não levou em conta a "liturgia papal"... |
Está no Painel (seção de notinhas curtas de política) da Folha de S. Paulo:
"Semanas atrás, Dilma Rousseff fez chegar ao Vaticano um pedido: gostaria de saber se o papa Francisco poderia dar um testemunho público de apoio à presidente afastada. O Alvorada foi informado de que o gesto fugiria muito da liturgia papal.
No lugar de uma manifestação aberta, o pontífice argentino escreveu uma carta pessoal à petista".
É de pasmar a ingenuidade da Dilma! Como pôde imaginar que o líder espiritual do catolicismo tomaria partido contra o presidente em exercício de uma nação católica, apenas para agradar a uma presidente afastada e com ínfimas chances de ser reempossada?!
Ignorará ela que nem mesmo com a Alemanha nazista o papa (Pio II) bateu de frente, sendo até hoje acusado de conivência com o Holocausto?
Que o papa Francisco é tido pelos defensores de direitos humanos da Argentina como um religioso que compactuou com os ditadores de lá (vide aqui)?
O que mais poderia esperar de um político da Igreja (raramente os papas não o são), se não uma benção e um santinho?!
Da mesma forma, ela acreditou que receberia a solidariedade de presidentes e premiês de nações importantes. Todos, claro, permaneceram confortavelmente em cima do muro.
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Papa Pio XII: conivente com o Holocausto. |
É por esta e outras que eu sempre disse: a Dilma, hoje, é muito mais uma tecnoburocrata do que a revolucionária que foi num passado distante.
Tecnoburocratas constituem uma peculiar espécie de indivíduos capazes de enxergar apenas a realidade dos gabinetes do poder, nos quais enterram a cabeça como avestruzes. Sabem nada das ruas.
Lembro-me que, certa vez, os jenios de Brasília, numa época de inflação alta, resolveram exterminar por decreto os cheques pré-datados. Informaram aos brasileiros que teriam de ir aos bancos depositar ou sacar tais cheques, porque a partir de certo dia (próximo), perderiam a validade.
Conseguiram tumultuar o sistema bancário do país inteiro, obrigando os bancos a permanecerem abertos noite adentro durante vários dias consecutivos. Simplesmente não tinham a mínima noção do estratosférico volume de cheques pré-datados que as pessoas conservavam consigo, à espera do dia acordado para a compensação.
Dilma é assim. E, por ser assim, não percebeu que Lula a escalara para presidente de uma só gestão, incumbida de tomar conta da garrafa até sua volta. Ela bateu o pé e quis continuar. Lula retirou a escada e a deixou pendurada na brocha. Só aguentou 16 meses.
Outra característica de tecnoburocratas: a arrogância. Se ela ouvisse os que entendem do riscado, saberia que injetar investimentos estatais para gerar atividade econômica, sob o capitalismo, acaba é quebrando a economia. Já não dava certo na década de 1950, quando o tal do nacional-desenvolvimentismo estava no seu apogeu. Agora, com a globalização dos mercados, nem pensar!
Há esquerdistas que a desculpam, em nome de presumíveis boas intenções. Eu, não. Se era isso que queria, então fizesse logo a revolução! Ou, como Chávez, que tentasse avassalar os outros Poderes, criando um capitalismo de estado policial.
Quebraria também a cara: no primeiro caso, por não ter organizado a massa para poder dar um passo desses; no segundo, porque regimes fechados tanto em termos econômicos quanto políticos não passam de um anacronismo que não virou o século.
Mas, pelo menos, teria sido coerente. Já tirar do fundo do baú e tentar aplicar um receituário econômico que não deu certo seis décadas atrás (e menos chance ainda teria de dar certo agora) é coisa de quem habita um universo mental paralelo, no qual presidentes da República moldam a realidade do jeito que querem e papas dão tiros no pé para atender pedidos de quem foi expelida do poder.