O UOL ultimamente tem publicado listas de 10 melhores filmes de todos os tempos, elaboradas por cineastas como Guillermo Del Toro, Martin Scorcese, Oliver Stone e Sofia Coppola.
Não sou nenhum mestre do ofício, quanto muito um crítico acidental (vide aqui), nem imaginava que minhas preferências pudessem acrescentar algo às escolhas desses profissionais consagrados, então ia me limitando a somente ler e meditar sobre tais listagens.
Só que percebi um pequeno detalhe: os 10 mais desse pessoal nem de longe estavam com essa bola toda. Lista por lista, uma minha seria até melhor.
O que, lembrei-me depois, já percebera noutros carnavais. As opiniões de críticos costumam ser bem melhores que as dos técnicos e artistas que atuam na área, pois estes últimos valorizam exatamente aqueles concorrentes ou antecessores com os quais se identificam ou se identificaram. Na verdade, estão votando em si mesmos ao votarem nos outros.
1º Cidadão Kane (dirigido por Orson Welles e lançado em 1941): um divisor de águas, estava tão adiante de sua época que só começou a ser alcançado por outros cineastas na década de 1960. Mostra a chamada coisificação de um ricaço que, idealista no início, sofre tais tragédias pessoais que acaba se enclausurando amargurado numa ilha de quinquilharias valiosas e nelas projetando sua humanidade até nada restar além de uma palavra enigmática a ser decifrada.
2º Oito e meio (d. Federico Fellini, 1963): pura genialidade e irreverência desde o título zombeteiro, pois apenas quer dizer que se trata do oitavo filme dirigido por Fellini, além do seu episódio numa obra conjunta. Visão delirante de um cineasta em crise criativa e tentando colocar uma ordem no seu emaranhado de lembranças dolorosas e desafios presentes, é um arraso e o seu desfecho, um dos melhores da história do cinema.
3º A ponte do rio Kwai (d. David Lean, 1957): nunca o cinema explorou tão bem o drama de indivíduos com talentos superlativos, mas capazes de passar sem sequer perceberem de heróis a traidores por sua vulnerabilidade às armadilhas do ego (no caso, a necessidade obsessiva de afirmar superioridade sobre outros povos, vista como uma característica de caráter inglesa). Outro filme com desfecho de arrepiar.
4º Era uma vez na América (d. Sergio Leone, 1984): uma aula de história do século 20, com a trajetória, desde a meninice, de quatro amigos judeus-estadunidenses simbolizando a transição dos pequenos negócios aventureiros para as grandes corporações implacáveis. A América que deixou de existir é a dos ideais dos fundadores e a que tomou seu lugar, a do crime organizado. Nada melhor para entendermos como se chegou ao pesadelo trumpiano. E se trata de um épico sobre gangsterismo que, por comparação, pulveriza a pieguice rasteira dos chefões de Francis Ford Coppola e Mario Puzo.
5º Stalker (d. Andrei Tarkovsky, 1979): provavelmente o filme de ficção científica mais ambicioso de todos os tempos, ao colocar em discussão os grandes temas da humanidade ao longo da incursão por uma zona proibida de um guia místico, um professor para quem nada existe além da ciência e um escritor em busca de inspiração. A fé, a ciência e a arte numa difícil jornada por uma terra devastada, para chegarem a um quarto que, após ser atingido por um meteorito, se tornou local em que a verdade é revelada e os desejos, atendidos.
6º Blow-Up (d. Michelangelo Antonioni, 1966): fotógrafo descobre, ao revelar o filme com fotos tiradas num parque, que casualmente registrou um assassinato. Mas a descoberta seguinte é ainda mais surpreendente: ninguém está interessado. Depois de muito empenhar-se em trazer o caso à tona, conforma-se em também acreditar nas ilusões, como todos os outros, ao invés de afligir-se com as realidades desagradáveis. É uma parábola devastadora sobre a exacerbação do narcisismo e da alienação na sociedade de consumo, outro filme que nos ajuda a compreender o pesadelo atual.
7º Aguirre, a cólera dos deuses (d. Werner Herzog, 1972): é Herzog encontrando um paralelo perfeito para Adolf Hitler no aventureiro Lope de Aguirre, que em 1561 assume violentamente a liderança de uma expedição espanhola na América quando o comandante já decidira ordenar o retorno. Apesar de todos os seus rompantes de autoritarismo e de a inutilidade dos esforços evidenciar-se cada vez mais, todos se resignam. A vontade alucinada de um único homem arrasta os demais insensivelmente para a destruição, assim como o povo alemão continuou hipnotizado pelo führer mesmo quando já saltava aos olhos o fracasso iminente.
8º Terra em transe (d. Glauber Rocha, 1967): continua sendo até hoje o melhor de todos os filmes sobre a tragédia latino-americana, por ir corajosamente ao fundo da questão, ao apontar as culpas de uma direita totalmente desumana e predatória ao extremo, de uma esquerda que amiúde fracassa nos momentos decisivos além de facilmente se deixar seduzir por farsantes populistas e/ou autoritários e de povos que não ousam tomar o destino nas próprias mãos, eternamente dependentes de quem os guie. E mesmo o poeta, que é capaz de perceber tal tragédia em toda a sua extensão, não consegue escapar da armadilha e destravar a História. Como a esquerda armada poderia dizer de si própria, só lhe restou imolar-se em nome da beleza e da justiça, quanto muito deixando um exemplo mais digno para os pósteros.
9º O sétimo selo (d. Ingmar Bergman, 1957): se Deus não existe e o homem é o lobo do homem, o que resta? O bravo cavaleiro percorre as terras devastadas da Idade Média à procura de uma resposta que nunca surge, enquanto os horrores se renovam e acumulam cada vez mais. Seu tempo restante de vida depende da partida de xadrez que disputa com a Morte, mas aos poucos vai se compenetrando de que não reencontrará a esperança em lugar nenhum. Um dos filmes mais pessimistas que conheço, mas é impossível deixarmos de admirar a integridade com que Bergman expõe suas próprias dúvidas e o domínio que tinha de sua arte.
10º O demônio das Onze Horas (d. Jean-Luc Godard, 1965): não poderia faltar o cineasta mais influente do último grande período revolucionário da humanidade, a segunda metade da década de 1960. Godard inspirou cineastas por todo o planeta, desconstruiu o cinema convencional e deu asas à imaginação como ninguém até então fizera. É difícil colocar um único de seus filmes entre os melhores de todos os tempos, na verdade o principal legado que deixou foi o conjunto de sua obra. Mas, talvez por mera questão de momento, os dois mais marcantes acabaram sendo este e A Chinesa (1967). E talvez sua obra-prima haja sido interromper o Festival de Cannes de 1968 porque aquilo que realmente importava estava acontecendo lá fora, nas ruas e nas barricadas de Paris. (por Celso Lungaretti)
6 comentários:
'O sétimo selo' é indiscutível, e A fonte da donzela!
O que você diria? de:
Julieta dos Espíritos
O ano passado em Marienbad
O Anjo Exterminador
Viridiana
Os filmes de Louis Malle
mais do Godard
Wim Wenders
O que diria destes
Le Mépris' ('O Desprezo') – Godard
Alphaville
Being There
Black Moon (1975, Louis Malle)
I Pugni In Tasca
Il capotto.1952
Il_Conformista
Le Roi du Coeur
O Ovo da Serpente 1977
Pasolini --Rei Lear e A Paixão segundo Mateus
Depois_do ensaio Bergman
Fahrenheit 451 (1966) F.Truffau
Meu caro Neves, eu convidei os leitores e comentarem minhas escolhas e você aceitou o convite. Fico Agradecido.
Realmente, listar só 10 filmes como melhores de todos os tempos é uma péssima opção. Para fazer justiça a tudo de importante que o cinema entregou, eu relacionaria no mínimo 50 títulos.
Mas, a origem desse meu post, como expliquei, é o fato de que o UOL deu de publicar essas listinhas de 10, uma atrás da outra. E feitas por diretores, o que, como expliquei, é um mau critério: eles tendem a considerar melhores os trabalhos estilisticamente parecidos com os deles próprios.
Então a minha proposta foi, tendo atuado permanentemente como crítico apenas durante uns 5 anos, e sem haver me consagrado nessa atividade, provar que mesmo assim seria capaz de fazer listas melhores do que as quatro publicadas pelo UOL.
Sem falsa modéstia, creio haver conseguido. Talvez alguém conteste o "Pierrot le Fou" (o título brasileiro é um disparate!), mas os outros nove têm pedigree suficiente para constarem de uma listagem como esta, embora se possa também preferir outros títulos sem cometer injustiça.
Depois, como estava fazendo uma lista de apenas dez, avaliei que seria obrigatório reconhecer o trabalho de pelo menos dez diretores.
Bem que gostaria de incluir o "Três Homens em Conflito", que no mínimo é o melhor western de todos os tempos, mas o "Era Uma Vez na América" tem espectro mais amplo, além de o filme do Leone haver dado uma verdadeira aula de direção para o Coppola e de roteiro para o Mario Puzo.
Deixar de fora o superlativo "Lawrence da Arábia" foi outra decisão cruel. Mas o pasmo do coronel inglês ao afinal cair-lhe a fica de que objetivamente ele havia colaborado com o inimigo é um dos momentos grandiosos do cinema, então optei pelo "A Ponte do Rio Kwai".
E quanta coisa boa não pude reverenciar como gostaria: "Uma noite na ópera", dos Irmãos Marx; "Meu ódio será sua herança", do Sam Peckinpah; "Testa de ferro por acaso", para fazer justiça ao conjunto da obra do Woody Allen, embora eu o prefira como ator (esse foi seu personagem inesquecível, na minha opinião!) do que como diretor repetindo à exaustão variações de dois estereótipos, o de novaiorquino e o de neurótico; e, ainda, "Caçada Humana", do Arthur Pen; "Jesus Christ Superstar", do Norman Jewison; "Teorema", do Pier Paolo Pasolini; "Scarface", do Brian De Palma; "Um perigoso adeus", do Robert Altman: "Mouchette, a virgem possuída", do Robert Bresson: "O veredicto", do Sidney Lumet; "Meu tio", do Jacques Tati; "O discreto charme da burguesia", do Luiz Buñuel; "O amigo americano", do Wim Wenders; "O conformista", do Bernardo Bertolucci; "Adeus, meninos", do Louis Malle; "Os incompreendidos", do François Truffaut;"Hiroshima, meu amor", do Alain Resnais; "Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita", do Elio Petri; "Queimada", do Gillo Pontecorvo, etc., etc., etc.
Celso, o cinema é uma cachaça! E tem cachaça bem ruim! hehehe
Também incluiria os que você citou
"Pierrot le Fou"
"Teorema",
"Meu tio"
"O discreto charme da burguesia"
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