AS CÉLULAS COMUNISTAS
E AS IGREJAS EVANGÉLICAS
Seria possível fazer observações paralelas entre realidades distantes, como o comportamento dos eleitores da antiga República Democrática Alemã (a Alemanha Oriental, comunista), atraídos pela extrema-direita, com o crescente alinhamento das camadas populares de antigas áreas urbanas e industriais brasileiras às propostas da extrema-direita, calcadas numa linguagem fundamentalista de fundo religioso?
O que nos atrai nessa ´possível comparação são certas semelhanças entre a população da então Alemanha Oriental com o imaginário político do proletariado das regiões urbanas brasileiras.
De acordo com uma sondagem feita na antiga RDA e publicada em 2009, um quinto da população era nostálgico dos tempos do Muro de Berlim com seu regime stalinista. Para eles, a região tinha sido uma espécie de paraíso social, onde havia emprego e moradia para todos.
Vivendo em crise econômica, os alemães do Leste esqueciam as privações de liberdade, os pequenos salários, as dificuldades de viajar para fora do país, a censura, a polícia Stasi e outras tantas.
Mas, 16 anos depois, conforme o resultado das recentes eleições legislativas demonstrou, as boas lembranças se esvaíram os alemães orientais não aceitam as desvantagens ainda existentes numa comparação com a Alemanha Ocidental.
E já reencontraram, como no passado, os responsáveis: são os imigrantes. E o partido ultradireitista Alternativa Para a Alemanha, que dobrou o número de votos e ultrapassou os 30% na antiga RDA, tem a solução: a remigração, ou a expulsão de todos os imigrantes.
Alice Weibel, a dirigente do AfD, partido também qualificado como neonazista, rejeita qualquer sanção contra a Rússia, nega a mudança climática, quer a saída da zona do euro e da União Europeia, defende a família tradicional e os sexos masculino e feminino como modelos.
Seu slogan, populista e nacionalista, Tudo pela Alemanha, vai na linha dos adotados pela pelos neonazistas nos EUA e no Brasil. Elon Musk, próximo do presidente Donald Trump, fez campanha eleitoral para Alice Weibel e utilizou também a plataforma X para isso.
Qual a semelhança com a evolução da política nacional?
Talvez a nova geração não saiba e os mais idosos tenham esquecido, mas as ideias marxistas fizeram seu caminho no fim dos anos 1930 e, nas primeiras eleições depois da ditadura de Vargas. Em 1945, o velho partidão teve candidato próprio para presidente, Iedo Fiúza, que recebeu 10% dos votos.
O candidato mais votado para o Senado foi Luiz Carlos Prestes e o PCB elegeu 14 deputados federais. Com o partido na legalidade, concorreram nas eleições intelectuais e artistas de prestígio como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Caio Prado Júnior, Candido Portinari, Mario Schemberg e Di Cavalcanti. Em 1947, o PCB foi declarado ilegal e os eleitos tiveram seus mandatos cassados.
O mais grave foi a repressão policial, fechando as células do partido em todo país. O PCB era forte na portuária Santos (chamada de Cidade Vermelha), com maioria eleita na Câmara; e nos municípios do ABC e na capital paulista, em fase de industrialização e com expressiva população operária.
Embora mantendo influência nos meios universitários, entre intelectuais e artistas, a proibição e perseguição do partido impediu uma popularização e influência política, embora despontassem alguns líderes carismáticos de esquerda.
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Lula com o ex-presidente português Mário Soares: o PT nasceu sob forte influência da Social-Democracia europeia |
Até o surgimento do Partido dos Trabalhadores com Lula como figura de proa, criando um populismo ou militantismo reformista, na linha da Social-Democracia europeia, pugnando pelas conquistas sociais atingíveis dentro do capitalismo, na sequência das criadas por Vargas.
Em 1947, o movimento social e político comunista era extremamente ativo e crescia nas camadas populares com as células que promoviam cursos e reuniões políticas, e também festejos em espaços abertos com participação de jovens e crianças, numa espécie de grandes reuniões populares de famílias.
Eu me lembro dessas festas no Morro de São Bento, na cidade de Santos, para onde me levava meu pai. Esses tipos de encontros populares desapareceram. Nem o PT conseguiu refazê-los com a mesma constância, criando vínculos entre as pessoas e as famílias.
Até chegarem os evangélicos com suas congregações e igrejas, seus cultos, reuniões de jovens, mulheres, escolas dominicais, uniões de mocidade e festas preparadas por seus pastores e fiéis. Na verdade, revivem as células do partido comunista, que permitiam sociabilidade, fortaleciam as amizades e se multiplicavam.
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Heresia: evangélicos sorridentes, condescendendo com a exaltação das armas na Marcha para Jesus de 2019. |
O formato se assemelha bastante, com ligeiras variações, mas o conteúdo é muito diferente, com a religião como fator agregador e a política como objetivo, servindo como propagador do credo fundamentalista, próximo da extrema-direita.
Nem as redes sociais conseguem o mesmo resultado porque essas células garantem o contato humano direto e se tornam imbatíveis.
Qualquer semelhança entre essas duas realidades, alemã e brasileira, pode ser mera coincidência. (por Rui Martins)
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