quinta-feira, 23 de maio de 2024

QUANDO QUATRO ESTUDANTES LEGALISTAS SÃO ASSASSINADOS PELOS PARAMILITARES DE UMA DITADURA, QUAL É O NOSSO LADO?

H
oje se completam 92 anos desde o episódio que deflagrou uma das mais desmerecidas lutas pela liberdade travadas no Brasil.

Até por haver estudado no ginásio e depois colégio MMDC, eu via com simpatia o martírio dos quatro estudantes assassinados ao participarem de protesto contra uma tirania em 23 de maio de 1932.

Ao me tornar revolucionário, contudo, cheguei a engolir a versão que historiadores submissos ao stalinismo difundiram (e prevalece até hoje entre desinformados de esquerda), segundo a qual a Revolução Constitucionalista não passara de um movimento orquestrado pela oligarquia industrial-cafeeira de São Paulo, na contramão da modernização do Brasil. 

Mas, depois da passagem pelos porões da ditadura militar, passei a ver com outros olhos os regimes que detêm poder de vida e morte sobre os governado: conclui que nada, absolutamente nada, justifica que seres humanos sejam submetidos àqueles horrores que eu sofrera e presenciara.

Então, foi com espírito bem mais crítico que lancei em 2010 o artigo abaixo, comprando outra briga com uma esquerda que tende a priorizar a justiça social e a colocar em segundo plano a liberdade, o que nada tem a ver com a tradição marxista e anarquista. Trata-se, isto sim, de um desvirtuamento do que Marx e Proudhon pregaram.

Por considerar tal artigo válido e necessário até hoje, reproduzo-o em seguida. (Celso Lungaretti)
UMA DITADURA É UMA DITADURA É UMA DITADURA
Preso em 1936 e 1939, Carlos Mariguella foi 
bestialmente torturado pela polícia política de
Filinto Muller, o carrasco da ditadura getulista.
Companheiros vieram contestar a avaliação que eu fiz da Revolução Constitucionalista de 1932 como um movimento libertário, batendo na surrada tecla de que a oligarquia de outros estados era melhor que a oligarquia de São Paulo.

Para revolucionários, oligarquias são oligarquias, pouco importando se compostas pelos industriais paulistas ou pelos pecuaristas gaúchos. Por aí não se justifica coisa nenhuma.

O que importa era o que defendiam os legalistas (uma nova Constituição que pusesse fim aos desmandos e arbitrariedades) e o que defendiam os repressores (o prosseguimento dos desmandos e arbitrariedades, sem uma lei maior para atrapalhar).

O fato é que até hoje a historiografia está contaminada pelas avaliações nada isentas dos historiadores que oscilavam na órbita do Partido Comunista (muitos, naquele tempo), os mesmos que minimizaram absurdamente a Grande Greve de 1917 por ter sido de inspiração anarquista. 

Só com a reaparição triunfal do anarquismo nas barricadas parisienses de 1968 é que historiadores de uma nova geração resgataram a importância histórica da primeira greve geral brasileira.

Como o 
Partidão não se colocou frontalmente contra o golpe de 1930, os acadêmicos progressistas impingiram a cascata de que, no início, a coisa não havia sido tão ruim assim, uma mera ditabranda...

Depois, veio um daqueles ziguezagues caracteristicamente stalinistas, a súbita guinada de 180º. O PCB, que estava sendo complacente demais com os tiranos, de repente recebeu a ordem de derrubar a ditadura!

A orientação de Moscou foi no sentido de que partisse para a tomada revolucionária do poder, com Luiz Carlos Prestes (que se havia convertido ao comunismo no exílio) voltando ao Brasil como uma espécie de interventor, já que conquistara a confiança dos dirigentes da Internacional.
Filinto Muller, que comandou a brutal repressão getulista, inspirou o
 livro Falta alguém em Nuremberg, do jornalista David Nasser
 
 

O PCB era não só contrário ao ingresso de Prestes (ainda mais como principal dirigente!) por considerá-lo apenas um pequeno-burguês radicalizado, como também se opunha a planos insurrecionais que não encontravam respaldo na correlação de forças brasileira. Mas, teve de se submeter aos iluminados da Internacional.


E deu no que deu – um retumbante fracasso e uma arma propagandística que os reacionários ainda utilizavam na minha juventude, três décadas depois, vertendo lágrimas oportunistas sobre a tumba dos militares que teriam sido 
surpreendidos na calada da noite e assassinados na cama pelos comunistas insidiosos...

Enfim, a historiografia inspirada pelo PCB andou absolvendo a ditadura getulista nos primeiros anos e só a recriminando a partir de quando acentuou sua opção pela direita, aliando-se aos integralistas de Plínio Salgado (a versão tupiniquim do nazismo) para instaurar o Estado Novo.

Depois, foi a vez de Vargas dar seu ziguezague. Como os estadunidenses articularam o fim de sua ditadura em 1945, bem como a de Perón na Argentina, reagiu assumindo uma plataforma nacionalista em sua campanha para voltar ao poder em 1950, desta vez como presidente eleito.

O PCB aliou-se a Getúlio, com Luiz Carlos Prestes subindo no palanque do responsável pelo martírio da mãe de sua filha.

E, novamente, os historiadores submissos à linha correta foram orientados a suavizar a imagem da ditadura getulista.

Como sou um libertário, não tenho nada a ver com isso. Continuarei falando o que sei, aquilo que aprendi nas minhas leituras e nas conversas com os veteranos da resistência ao arbítrio anterior a 1964. 
Até porque tenho a convicção profunda de que o regime militar foi continuador da ditadura getulista, retomando e aprimorando várias de suas práticas..
Morto aos 21 anos, Euclides Miragaia foi enterrado
na sua cidade natal, São José dos Campos
 

CENTRALIZAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA  Eis algumas informações sobre o levante paulista de 1932 que esses historiadores não consideraram importantes, mas eu considero:
— não há provas incontestáveis de que Vargas tenha perdido a eleição presidencial de 1930 para Júlio Prestes por fraude, nem de que só um lado tenha fraudado (a prática mais frequente era a de fraude generalizada, com as urnas ungindo sempre o candidato do governador em exercício, e Getúlio levava a desvantagem de ser apoiado por apenas três governos estaduais);
— a exemplo do de 1964 (o ouro de Moscou e outras tolices), o golpe de 1930 utilizou falso pretexto, já que João Pessoa não foi assassinado por motivos políticos, mas sim como vingança de João Dantas pela publicação na imprensa das cartas de amor por ele trocadas com Anayde Beiriz e que haviam sido confiscadas em sua casa pela polícia;
— Getúlio tomou posse instalando uma ditadura, já que suspendeu a Constituição; destituiu os governadores e nomeou interventores em quase todos os estados (a única exceção foi Minas Gerais); dissolveu o Congresso nacional, os Congressos Estaduais (câmaras e senados estaduais) e as Câmaras Municipais, além de exilar Júlio Prestes, o presidente deposto Washinton Luís e vários de seus apoiadores;
— afora a adoção de medidas despóticas de centralização política, praticamente idênticas às de 1964, o golpe de 1930 adotou figurino similar também em termos de centralização econômica (os estados foram proibidos de contratar empréstimos externos sem autorização do governo federal; o Banco do Brasil passou a deter o monopólio de compra e venda de moeda estrangeira, controlando, assim, o comércio exterior; foram impostas medidas para controlar os sindicatos e as relações trabalhistas; e criadas instituições para intervir no setor agrícola como forma de enfraquecer os estados);
A simpatia de Vargas era pelo fascismo, mas detonou os camisas verdes para manter o poder 
— 
jornais foram empastelados, a imprensa intimidada;
— a resposta ao arbítrio foram comícios constitucionalistas em São Paulo, o maior deles reunindo cerca de 200 mil pessoas, um assombro para a época;
— a demanda civil por uma nova Constituição esbarrava no veto dos tenentes radicais, exatamente como as tentativas de devolução do poder aos civis no golpe seguinte esbarrariam na resistência da linha dura militar;
— o estopim da revolta de 1932 foi o assassinato de cinco jovens no centro da cidade de São Paulo (os quatro do MMDC morreram imediatamente e o quinto após agonia mais longa), baleados por partidários da ditadura pertencentes à Legião Revolucionária, um grupo paramilitar consentido pelos déspotas, assim como o CCC seria depois consentido pelo regime de 1964.

Ditaduras são sempre ditaduras: cruéis, sanguinárias e repulsivas.

E, se relevarmos os traços tirânicos da de 1930 por ter sido até certo ponto modernizante, teremos de conceder igual tratamento à de 1964, que também remodelou o Estado.

O fato da primeira modernização haver tido viés mais populista pode significar algo para quem comunga com o utilitarismo. Mas nada significa para quem, como eu e os bem formados na tradição marxista, não aceita que fins justifiquem meios.
Vargas poderia ter salvado Olga dos nazistas; lavou as mãos
Que o digam Olga Benário Prestes, que Getúlio Vargas despachou para morrer na Alemanha hitlerista, bem como os camaradas barbaramente torturados pela polícia política de Filinto Muller, a quem o jornalista David Nasser se referiria depois como o réu que ficou faltando no julgamento de Nuremberg.


O carrasco Filinto Muller, aliás, é um dos personagens que fizeram ligação entre os dois regimes de exceção: foi dirigente importante da Arena, o partido de sustentação da ditadura de 1964(CL)

Um comentário:

Neves disse...

Los verdugos voluntarios de Israel
https://vocesdelmundoes.com/2024/05/13/los-verdugos-voluntarios-de-israel/

https://vocesdelmundoes.com/wp-content/uploads/2024/05/portada-chris.webp?w=1100

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