domingo, 31 de março de 2024

60 ANOS DO GOLPE, A ESQUERDA PERDEU SEM LUTAR. REPETIREMOS A HISTÓRIA?

 

Dispenso-me de entrar nos detalhes sobre a inação generalizada. Nenhuma das lideranças operárias e nacionalistas mostrou audácia e iniciativa de luta. Todos ficaram à espera do comando do Presidente da República. Fracassaram não só os comunistas, mas também Brizola, Arraes, Julião e os generais nacionalistas. Jango não quis a luta, receoso de que a direção política lhe escapasse e se transferisse às correntes de esquerda. Colocou a ordem burguesa acima de sua condição política pessoal. Assim se deu a quarta e última queda da liderança populista. 

No dia 31 de março, a situação não era ainda favorável aos golpistas do ponto de vista estritamente militar. Teria sido possível paralisar o golpe se, ao menos, alguma ação viável de contra-ofensiva imediata fosse empreendida. Sabe-se que Lacerda só contava cm defesa muito precária no Palácio Guanabara. A tomada do Palácio pelos fuzileiros navais seria operação relativamente rápida e de enorme repercussão moral. O mesmo efeito de paralisia teria a dispersão dos recrutas, que desciam de Minas, por uma esquadrilha de aviões de bombardeio. A força-tarefa naval dos Estados Unidos, mobilizada no Caribe pela operação chamada Brother Sam, não alcançaria Santos antes do dia 11 de abril. Não trazia contingentes de desembarque e seu objetivo era o do efeito de demonstração e o de apoio aos insurretos com armas, munições e combustível, na previsão de guerra civil prolongada. Já envolvidos na escalada da guerra do Vietnã, não seria fácil aos Estados Unidos manter uma segunda frente no Brasil. Havia tempo para preparar condigna recepção de repúdio à força-tarefa norte-americana, tanto do ponto de vista militar como da mobilização das massas populares. 

Ao colocar suas fichas em Jango, a esquerda
apostou no cavalo errado e o fim foi trágico

Tornou-se corrente na literatura acadêmica a assertiva de que, no pré-64, inexistiu verdadeira ameaça à classe dominante brasileira e ao imperialismo. Os golpistas teriam usado a ameaça apenas aparente como pretexto a fim de implantar um governo forte e modernizador. 

A meu ver, trata-se de conclusão positivista superficial derivada de visão estática das coisas. Segundo penso, o período de 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século [20], até agora. O auge da luta de classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa do direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse. 

A hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de unidade entre as várias correntes, a competição entre chefias personalistas, as insuficiências organizativas, os erros desastrosos acumulados, as ilusões reboquistas e as incontinências retóricas - tudo isso em conjunto explica o fracasso da esquerda. Houve a possibilidade de vencer, mas foi perdida

Gorender
Mais grave é que foi perdida de maneira desmoralizante. Com a definição incontestável no dia 1º de abril, já no dia 3 a operação Brother Sam era desativada no Caribe. Os generais triunfantes proclamaram que o Ocidente ganhou no Brasil formidável vitória a baixíssimo custo. (Jacob Gorender, historiador e antigo membro do PCB)

A passagem acima consta do livro "Combate nas Trevas", escrita por Jacob Gorender e publicado em 1987, logo após o fim da ditadura, portanto. Trouxe a citação para lembrar de duas coisas que pouco se abordam quando se fala no golpe militar de 1964: as contradições de João Goulart e o equívoco da esquerda. 

Na realidade, as duas coisas estão juntas, pois o equívoco da esquerda, particularmente do PCB, a levou a colocar suas fichas em João Goulart, praticamente o transformando na liderança principal dos movimentos populares que pipocavam país afora à época. Jango, contudo, não tinha nenhum plano de levar adiante uma revolução, antes buscava consolidar seu poder pessoal, tendo passado praticamente todo o triênio 1961-64 tentando o apoio de forças conservadoras e balançando ora à esquerda, ora à direita, se decidindo por um aceno maior à esquerda apenas quando as portas à direita foram decisivamente fechadas. 

A crença da esquerda na institucionalidade, personalizada no presidente, fez com que ela fosse pega de surpresa quando os golpistas se colocaram em marcha. Mesmo com um poderio reduzido, o golpe pode avançar triunfante pois não houve resistência digna desse nome e o presidente preferiu a capitulação, soltando sua patética frase de que "não desejava uma guerra civil no Brasil"

Os golpistas poderiam ter sido derrotados,
mas faltou organização para resistir

Na verdade, os acontecimentos do pré-64 e do golpe revelam não apenas o comportamento da esquerda brasileira no período, mas também uma constante em sua história: a acomodação com forças conservadoras visando soluções institucionais para as crises. Sempre quando as classes trabalhadoras avançam no possível caminho da ruptura, a esquerda entra em cena para restabelecer o velho pacto de conciliação.

Os resultados são as soluções conservadoras para as crises brasileiras, como exemplificado no processo do fim da ditadura, com as massivas greves, e os levantes de Junho de 2013. Na primeira, as mobilizações dos trabalhadores terminaram na farsesca Diretas Já, na eleição indireta e finalmente na Constituinte, dando a luz a uma democracia capenga e limitada. Junho de 2013, por sua vez, foi equacionada no Impeachment e na eleição de Lula 3 em aliança com as forças do atraso. 

O futuro vai repetir o passado?
A única exceção ao comportamento da esquerda parecem ter sido as guerrilhas que não aceitaram qualquer tipo de atitude conciliatória e colocaram o caminho revolucionário de forma inequívoca. Tragicamente, ficaram isoladas do conjunto da população no contexto do milagre econômico, induzido pela ditadura justamente para enfraquecer as oposições ao regime. 

Hoje assistimos de novo a esquerda acreditar nos dispositivos institucionais, na fé legalista das Forças Armadas e no presidente da república, enquanto Lula vai ampliando seu pacto conservador, fortalecendo as forças direitistas e esvaziando a esquerda. Tomara que dessa vez os erros não tenham o mesmo final trágico. (por David Emanuel Coelho) 




4 comentários:

Anônimo disse...

https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/31/1711933778660a09520cbef_1711933778_3x2_xl.jpg

Neves disse...

https://www.ihu.unisinos.br/637927-como-alguns-brasileiros-relembram-os-dias-do-golpe?utm_campaign=newsletter_ihu__01-04-2024&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

https://www.ihu.unisinos.br/637932-ditadura-militar-amazonia-e-agropecuaria?utm_campaign=newsletter_ihu__01-04-2024&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

https://www.ihu.unisinos.br/637909-o-crime-contra-marielle-franco-desenreda-o-longo-fio-que-liga-o-golpe-de-1964-ao-crime-organizado-no-brasil-entrevista-especial-com-jose-claudio-souza-alves?utm_campaign=newsletter_ihu__01-04-2024&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

https://gilvanmelo.blogspot.com/2024/04/fernando-gabeira-1964-o-passado-ja.html

https://gilvanmelo.blogspot.com/2024/03/luiz-carlos-azedo-por-quem-os-sinos.html

Neves disse...

do El Pais
https://imagenes.elpais.com/resizer/L7lNmEfJYol2JiSWEUeU403kLHQ=/1200x0/cloudfront-eu-central-1.images.arcpublishing.com/prisa/AQRHGNVGRIR6MGI3I75NX5TXLU.jpg

'La dictadura en Brasil en ocho escenas: la represión, los indígenas, la presidenta, Camões o el error de Globo'
https://elpais.com/america/2024-04-01/la-dictadura-en-brasil-en-ocho-escenas-la-represion-los-indigenas-la-presidenta-camoes-o-el-error-de-globo.html

OU
https://www.4shared.com/s/fXDTYovQfjq

Tulio disse...

https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/um-torturador-frances-no-brasil-como-foi-o-envolvimento-do-carrasco-de-argel-na-ditadura/

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