A imagem de uma multidão de zumbis nas praças e calçadas de lojas e de prédios, fechados ou não, tem algo em comum: a negatividade da relação social capitalista.
As lojas estão fechadas pela depressão capitalista aliada ao novo método de vendas eletrônicas com entregas de mercadorias por domicílio; já a multidão de viciados tornados dependentes do crack é o paraíso dos vendedores dessa mercadoria maldita, uma das poucas em ascensão de venda e consumo.
É a mercadoria dinheiro o objeto primeiro das duas constatações. No caso das lojas a falta de compradores sob tal método lojista; no caso da cracolândia a cobiça dos traficantes em ganhar dinheiro com a miséria alheia.
A motivação da produção de cocaína, da qual seus produtores extraem um derivado mais barato e maléfico como o crack, são os exorbitantes lucros em dinheiro gerados aos traficantes de drogas e fonte da eterna corrupção econômico-político-policial que circula nessa operação mercadológica.
A tragédia social causada pelas drogas jamais poderá ser eficazmente debelada pela criminalização e atuação policial preventiva e punitiva justamente porque o fetichismo da mercadoria impele todo um conjunto de segmentos que se beneficia dessa forma de escravização humana pela dependência de entorpecentes do mesmo modo que a humanidade se escraviza por viver sob uma relação social fetichista da qual se torna dependente e escravizada sem sequer conhecer a negatividade que lhe é imanente.
As pessoas adoram o dinheiro, que lhes traz poder e comodidade quando acumulado, mas sequer o conhecem na sua essência constitutiva. O toxicômano é enganado pelo torpor do êxtase das drogas que o torna quimicamente dependente sem que conheça ou queira conhecer os mecanismos deletérios no seu organismo provocado perlo consumo delas.
Ambas são mercadorias, a mercadoria droga e a droga mercadoria.
A farmácia, invadida pelos drogados da cracolândia recentemente em São Paulo, vende os remédios que curam as doenças sem perceber que a mercadoria remédio é também uma droga no sentido econômico-fetichista da palavra e tão nociva quanto a substância nela contida que visa curar outras doenças.
Quando nos debruçamos sobre o período da lei seca nos Estados Unidos, que visava proibir totalmente o uso de álcool pela população, o que se viu foi o crescimento da criminalidade e do crime organizado personificados na pessoa do lendário Al Capone, um mafioso novaiorquino filho de imigrantes italianos.
A conclusão a que se pode chegar é que o combate às drogas somente seria realmente eficaz se vivêssemos numa sociedade sem a mediação ilusoriamente tentadora, ou fetichista, do dinheiro e na qual ocorresse a justiça social e o exemplo para os jovens de valores morais elevados, o que evidentemente não ocorre na sociedade do capital.
O comércio de drogas encontra na pobreza juvenil da periferia o seu combustível de propagação, seja pela oferta de dinheiro fácil, os famosos aviões do tráfico, ou pela fuga de uma realidade negativa que não quer reproduzir graças ao exemplo vivenciado ao ver seu pai trabalhador chegar à velhice após anos de trabalho assalariado e carente de tudo.
Para os jovens é difícil acreditar na possibilidade de justiça social na sociedade do capital graças à discrepância de capacidade de consumo havida entre os filhos da classe média alta, bem remunerada, e a grande maioria da população.
Para ele é desestimulante continuar a ter uma vida de carência daquilo que seria o básico de uma existência minimamente sustentável: boa moradia, boa alimentação, segurança contra uma violência urbana que só cresce justamente nos segmentos sociais mais empobrecidos, boa assistência médica e educacional, sistema de transporte coletivo eficaz e confiança num futuro promissor.
Sob o capital, a autoridade instituída é constantemente questionada pela juventude pelo mau exemplo que representam. Em tais condições morais, éticas e existenciais a fuga para o consumo de drogas ou possibilidade de descolar uma grana fácil, mesmo com a sua comercialização criminalizada, é um forte atrativo para quem é carente de tudo.
A pergunta que se coloca diante de tudo isso é: alguém produziria e comercializaria drogas somente para enlouquecer e receber o escárnio social da comunidade se não fosse o interesse em acumular dinheiro que advém de tal produção e comercialização?
O traficante que distribui dinheiro na comunidade sofrida para protegê-lo teria o aplauso e poder que tem sem o dito cujo?
É evidente que não, e esse é mais um exemplo simples e prático da negatividade intrínseca à relação social mediada pelo valor, que pode ser ampliado para todas as outras áreas do crime, como aquele original que é a descriminalizada apropriação indébita da riqueza material - tornada abstrata, concomitantemente - socialmente produzida e que ora se encontra na sua fase histórica de final de vida.
Se quisermos acabar com a cracolândia teremos que primeiro superar o modo de relação social sob a forma valor, e tudo começa pela negação das categorias capitalistas sob as quais se ergue todo o edifício fantasmagórico de uma sociedade coletivamente tão doente quanto aqueles pobres coitados que se viciaram e que se tornaram zumbis perambulantes que expõem as chagas sociais que todo o establishment não quer enxergar.
Todos nós somos zumbis que acordam pelas manhãs para ganhar dinheiro sem conhecer a sua essência constitutiva tóxica; os drogados da Cracolândia são apenas uma das partes visíveis de um sistema apodrecido. (por Dalton Rosado)
Um comentário:
Essa é uma das mais evidentes ineficiências do sistema capitalista.
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