Na fábula do dinamarquês Hans Christian Andersen, um rei ditatorial e vaidoso se admite fantasiosamente vestido com uma roupa deslumbrante descrita por seu alfaiate charlatão, ao que os seus áulicos bajuladores confirmam a fantasia como sendo real e atestam a beleza da vestimenta inexistente.
Mas um menino descompromissado com o comportamento real e de seu séquito, ao ver o Rei afirma: o Rei está nu! Então, o confronto da realidade com a mentira desnuda a farsa.
A metáfora da conhecida fábula cai como uma luva para o depoimento do ex-Presidente Boçalnaro, o ignaro, na Polícia Federal, após a sua esvaziada chegada ao Brasil vindo dos Estados Unidos como um derrotado fujão.
Primeiro ele afirmou: não pedi e nem recebi!, para depois de descoberto o recebimento de uma das três caixas com diamantes valiosos em seu poder, e acossado pelo Tribunal de Contas da União para a devolução de um presente pretensamente de natureza diplomática, ter que devolvê-lo acabrunhado.
A ex-primeira dama Michele também disse com ar de quem desconhece o fato: isso era tudo meu e eu não sabia?!
O ex-presidente tentou de todas as formas, por intermédio de gente orientada pela alta cúpula do seu (des)governo, retirar o pacote de joias mais valiosas, composto por colar de diamantes e outros badulaques preciosos, que somente foram retidos graças ao comportamento firme e criterioso do funcionário da alfândega aeroportuária após a detecção de tais preciosidades minerais na fila do nada a declarar pelo detector de metais.
A tentativa de apropriação indébita das joias durou longo período e culminou com uma tentativa bisonha de um militar de baixa patente, sob as ordens de superiores e utilizando avião da Força Aérea Brasileira, de retirá-las das mãos da Receita Federal.
Tal ato criminoso culminou num último gesto no apagar das luzes de sua opaca administração genocida e com o mandatário maior se preparando para a fuga sorrateira enquanto a sua turma ainda acreditava num golpe militar sob o clamor da volta da ditadura por grupos patéticos de embandeirados a desfilar nas portas dos quarteis e fazer continências para paredes e pneus.
Indagado na PF, disse não se lembrar de quem e nem de quando foi avisado das joias e da apreensão destas pela Receita Federal, apesar do seu Ministro das Minas e Energia, Almirante Bento Albuquerque, ter afirmado logo após o incidente que ditas joias se referiam a um presente saudita para a primeira dama Michele.
Perguntado por que teria agido de tal maneira após a evidente contradição de argumentos, disse que tentou evitar um incidente diplomático constrangedor com o governo da Arábia Saudita.
Ora, quem deveria estar constrangido era a Arábia Saudita por ter dado - possivelmente sem protocolo, fato que está sendo apurado - presente tão valioso a um mandatário estrangeiro, com ares de presentes de usos pessoais, prática pouco usual nestes tipos de transições numa negociação entre os dois países.
Quanto mais se apura a questão vê-se que para cada enxadada sai uma minhoca nova, e para cada pena extraída aparece uma galinha inteira.
O Brasil de Boçalnaro, o ignaro, conseguiu superar o beija-mão do ex-governador baiano Otavio Mangabeira ao Presidente dos Estados Unidos, General Dwight Eisenhower, vez que ele nunca foi tão parecido com a antiga submissão brasileira aos Estados Unidos, repetida agora quando o país foi recém-governado pela ultradireita brasileira saudosa do militarismo de triste memória.
A similaridade com Donald Trump não é pura e mera coincidência, mas parte de um comportamento submisso a uma ordem ditatorial de direita que se conjectura mundialmente a partir do desespero pela autodestrutibilidade da lógica capitalista que se desintegra por dentro. Já não dá para prender comunista como culpado de tudo, mas a retórica maniqueísta continua.
A negação da eficácia do isolamento das pessoas diante da propagação do vírus da covid-19, como forma de manutenção do fluxo econômico já depressivo desde antes por lá, foi o mesmo de cá, sendo que aqui se condenou a vacinação e se comprou cloroquina em quantidades e valores proibitivos, o que provocou a morte evitável de pelo menos 300 mil pessoas.
A previsão de fraude eleitoral como antídoto para uma possível e previsível derrota eleitoral de lá, e que se confirmou, foi a mesma de cá: lá com o questionamento do voto pelo correio, por aqui com a afirmação fantasiosa de fraude nas urnas eletrônicas que elegeram grande número de seus apoiadores para governos estaduais e parlamento.
Após a derrota do destrumpelhado, por lá veio o 6 de janeiro e a invasão ao Capitólio com cinco mortes e um presidente tentando deixar as suas digitais do evento apagadas; por aqui, o 08 de janeiro, com o acumpliciamento do seu ex-Ministro da Justiça, então Secretário de Segurança do DF, ora preso e processado.
Nunca fomos tão plagiadores do mal e submissos ao Tio Sam como neste (des)governo de triste memória que felizmente foi derrotado, apesar das evidentes manipulações do poder econômico e institucional nas eleições por ele praticado - sem que isto represente a nossa redenção sob Lula.
Diferentemente do que disse o guru da família Bolsonaro e de tantos outros terraplanistas - o charlatão de triste memória, Olavo de Carvalho, que afirmava haver uma conspiração comunista internacional -, devemos considerar existir um crescimento da direita em face da incapacidade de social-democracia de tornar palatável o capitalismo em fim de feira.
Já agora na França cresce a popularidade da direita com Marine Le Pen, conforme divulgou o jornal francês Le Figaro, em face da decisão de Emmanuel Macron de aumentar a idade para a aposentadoria dos trabalhadores franceses como medida para minimizar o desequilíbrio do déficit crescente das contas previdenciárias. Algo similar ao ocorrido por aqui.
Governar, atualmente, é administrar a escassez, e é por isto que Lula já se defronta com o empacamento da pretendida retomada do desenvolvimento econômico - leia-se mais capitalismo, pretensamente próspero - nos seus 100 dias de governo.
Se Boçalnaro, o ignaro, perdeu credibilidade e prestígio como afirmam as pesquisas de opinião pública, e as demonstrações de seu isolamento do cenário político a que estamos observando dão provas disto, não significa estar a direita brasileira, historicamente influente e numerosa, morta e sepultada.
O vácuo deste segmento conservador já está sendo ocupado por herdeiros do espólio boçalnarista, como se pode inferir das posições de Romeu Zema, governador de Minas Gerais, e Tarcísio Freitas, governador de São Paulo, que com discursos republicanos de relações com o governo Lula, e com acenos discretos ao antigo chefe, também pretende ocupar o espaço existente na liderança deste segmento político.
Lula tenta se alçar à condição de estadista com a sua intervenção e participação nos BRICS, num mundo em que as lideranças dos países hegemônicos perdem prestígio interno por conta da crise capitalista. Mas a sua esperteza de político sagaz que usa as insígnias históricas do anticapitalismo, mas propõe o impossível desenvolvimento do dito cujo, tem fôlego curto.
Atenção Lula! Não se trata aqui de pessimismo derrotista ou otimismo bobo, mas de realismo esperançoso -como diria Ariano Suassuna -, e com crença firme na possibilidade de superação dos nossos problemas sociais sob parâmetro anticapitalista de produção social e organização jurídica de base na sua essência definitiva, como solução unicamente possível de alternativa inafastável.
E sem medo de ser feliz! (por Dalton Rosado)
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