Com sua costumaz lucidez, Celso Lungaretti alerta o lulopetismo para o possível fiasco de seu novo governo diante das atuais condições do capitalismo brasileiro e mundial. Como também é costumaz, o alerta será recebido com tremenda indiferença pela turma hoje de volta ao poder.
Não poderia ser diferente, pois há muitas décadas o lulopetismo deixou de pensar criticamente e tomou o caminho da mistificação eleitoreira onde cabe apenas duas categorias: ou você está com eles ou é contra eles. À esquerda, o lulismo não tolera qualquer análise ou crítica que aponte erros ou implique na perda de votantes. Só a bajulação é tolerada e quem não se ajoelha é ou sumariamente ignorado ou, caso tenha um mínimo de viabilidade, tem sua imagem destruída, a exemplo do feito contra Marina Silva e Ciro Gomes.
Mas, infelizmente para eles, a realidade não se sujeita ao que queremos, pois é objetiva, e ignorando-a ou não, ela acaba sempre se impondo. Ninguém deixa de ser atropelado por um carro ao atravessar a rua inadvertidamente por ter posto na cabeça serem os automóveis hologramas e quem não acredita na gravidade acaba esborrachado no chão igual a qualquer outro caso pule do décimo andar de um prédio.
Tanto quanto a força concreta dos carros ou da gravidade, existe a dinâmica do capitalismo, estrutura social criada pelo trabalho humano, mas cuja objetividade e legalidade governa a todos. Marx já dizia, os seres humanos criam a sociedade, mas não simplesmente do modo como querem ou nas condições que querem, existindo aí um jogo complexo de interações e formas de intervenção, as quais variam em capacidade de acordo com o nível de profundidade da dinâmica social.
A raiz do capitalismo é a propriedade privada dos meios de produção, onde a riqueza criada pelo trabalho é apropriada pelo proprietário, o capitalista ou burguês. A propriedade privada estabelece o mercado, onde os indivíduos estão em contraposição entre si e a riqueza, gerada socialmente, só pode circular mediante trocas. A necessidade das trocas gera o Valor, elemento objetivo da riqueza, possuindo por função comparar as mercadorias a serem trocadas, e cuja base é o tempo de trabalho médio socialmente necessário para se produzir uma mercadoria. Quanto menos tempo, menos valor terá uma mercadoria e mais competitiva ela ficará no mercado. Para compensar a perda relativa do valor de uma mercadoria, o capitalista amplia a produção. Ou seja, no capitalismo a lógica é produzir mais com o menor tempo possível.
É este esquema, totalmente objetivo e independente da vontade particular deste ou daquele indivíduo - seja ele um simples cidadão, um banqueiro ou um presidente - a mola do regime capitalista e também seu elemento desintegrador. Por um lado, a própria estrutura da propriedade privada força a concentração de riqueza, pois o capitalista se apropria a riqueza produzida pelos trabalhadores, devolvendo apenas parte dela na forma de salário. Ao contrário do pensamento comum, o salário é uma devolução, pois toda riqueza produzida é de imediato do proprietário, estando aí a raiz da alienação apontada por Marx entre o trabalhador e o fruto de seu trabalho. O operário não se reconhece na mercadoria pois ela é experenciada efetiva e imediatamente como uma coisa pertencente a outro.
E existem outros níveis de concentração da riqueza, variando entre os próprios capitalistas, setores da economia, cidades, regiões e finalmente chegando a países. Capitalismo é acúmulo, é drenagem da riqueza sempre para as mãos de pouquíssimos, implicando no fato de que o capitalismo sempre será desigual e quanto mais riqueza for produzida, mais desigual a sociedade capitalista será.
O outro aspecto importante da estrutura capitalista é a chamada lei do valor. Ora, se no mercado é mais competitiva a mercadoria com menor valor e é preciso sempre produzir mais para compensar a perda relativa com mercadorias individuais, a consequência é uma frenética corrida para fazer mais e com o menor custo. No limite, porém, esta corrida muitas vezes termina mal, pois a sociedade não consegue absorver toda a produção, levando à paralisia do comércio e consequente paralisia produtiva. Os lucros despencam, os capitalistas mais débeis começam a quebrar, não honrando compromissos com fornecedores, instituições bancárias e funcionários. Começam a ocorrer demissões, retroalimentando a queda da demanda e, logo, toda a sociedade está em crise.
A crise capitalista, assim, é uma crise de superprodução, ao contrário do passado quando ocorriam crises sociais por escassez. É pelo excesso e pela queda da taxa de lucro que o capitalismo sucumbe e isto não tem relação com política econômica, monetária, taxa de juros ou ambiente de negócios. É uma lei do próprio capitalismo, encrustada em seu núcleo duro, a propriedade privada e o mercado, e tão objetiva quanto a fórmula da água. São os economistas vulgares os responsáveis por transformar este fato em uma questão monetária, de controle fiscal, estímulos, falta de reformas ou qualquer outra pataquada inócua representativa apenas do quanto a Economia não é uma ciência, mas apenas uma forma de manipulação ideológica.
Por isso, o capitalismo é incontrolável e irreformável, pois em sua essência está o irracionalismo da superprodução e do mercado. Ao longo da história, os capitalistas tentam colocar gambiarras no sistema para contornar as constantes crises de acumulação, basicamente lançando mão de dois mecanismos, a intervenção estatal e a guerra. A intervenção varia de tipo e nível, podendo ser a estatização ou desestatização, empréstimos, desonerações ou onerações, benefícios sociais ou sua retirada, etc. Já a guerra é o momento ápice em que o excesso de riqueza é literalmente obliterado para abrir passagem, a fórceps, para novo ciclo acumulativo.
Dito isso, todo governo basicamente tem duas alternativas: ser sortudo ou ser azarado. Com sorte, ele pega um momento de crescimento, onde os negócios estão indo bem e a acumulação capitalista está dentro de padrões toleráveis. Se tiver azar, ele pega o momento de fim de ciclo, de crise na acumulação. Lula teve sorte em 2003-2010, não parece ter agora.Na realidade, desde 2008 o capitalismo mundial patina, incapaz de engatar um ciclo produtivo sustentável. A razão é exatamente a elencada acima, a superprodução, ou, dito de outra forma, o capitalismo bateu no teto, igual já tinha batido em 1929. Isso significa que na atual configuração mundial, é impossível os seres humanos absorverem adequadamente a quantidade de mercadorias produzida, não por falta de dinheiro pra consumir, mas porque o nível produtivo é tão titânico a ponto de ser humanamente impossível dar conta de tudo, apesar de estarmos em um contexto de hiper consumo supérfluo, com a produção abissal de lixo e rejeitos.
O resultado político disto é a ingovernabilidade social, com erupções de levantes, guerras e, mais prosaicamente, o desgaste de governantes. A impopularidade dos governos, sejam eles de esquerda ou direita, tem sido a tônica destes anos, com a crise engolindo a todos. Basta olhar para Biden, Boric, Fernandez, Macron, etc, para se ter ideia deste processo, todos assumiram com grandes esperanças para logo derraparem na insatisfação popular. Novamente, como disse Marx no 18 de Brumário, a primeira vítima de toda crise capitalista é o mandatário do país, não importa quem ele seja, pois é nele que o povo comum canalizará sua raiva e insatisfação. E quem costuma faturar é a oposição, seja também quem ela for.
Em épocas de crise aguda, como a que estamos começando a viver, as alternativas radicais ganham mais guarida no seio da população. O campo dos moderados vai diminuindo até se tornar minoria completa, ao contrário de épocas de estabilidade, quando é majoritário. A aderência às ideias radicais surge da própria condição crítica vivida pelos indivíduos no dia a dia. A emotividade passa a falar mais alto, com o medo, a raiva, o ódio e a esperança tomando o lugar do raciocínio pragmático. São tempos de intolerância e agressividade. Por isso, quem apostar no mais do mesmo invariavelmente fracassará e apenas quem encarnar a mudança será capaz de arregimentar as multidões.
A extrema-direita sabe disto e é este o motivo de ela falar e agir de forma radical. No entanto, sua radicalidade é falsa, pois visa apenas reforçar, por outros meios, o domínio da propriedade privada e do mercado, mas consegue apelar ao vulgo por oferecer alternativas à situação vivida.
Ao não propor alternativa nenhuma, o lulopetismo entra no lodaçal modorrento da continuidade do pesadelo. Pior, pois enfraquece a esquerda e deixa a direita como única vocalizadora de um projeto de transformação social. Enquanto se arvora no discurso tecnocrata, na empulhação e na politicagem, o governo Lula é comido pouco a pouco pela crise capitalista, diante da qual é impotente. A única alternativa seria romper as amarras do bom mocismo e enveredar também pelo caminho da radicalidade, com todas as consequências daí advindas. No entanto, basta olhar a cara tediosa de Haddad para perceber o quanto audácia não é palavra constante do dicionário lulista.Resta então ir cozinhando a gororoba indigesta e empurrando com a barriga o fim, que se prenuncia trágico. Caso não tenha outro golpe de sorte, o destino de Lula 3 será o de ser tragado pela debacle da sociedade capitalista. (por David Emanuel Coelho)
11 comentários:
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Esta tese de que a dominação se dá a partir da propriedade privada demonstra-se vazia pois, ao coletivizar, resulta no que Antonioni mostrou no seu Cina* - um capitalismo de estado com todas a intenções que levam ao inferno!
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Não!!!
A dominação é feita através da conquista de corações e mentes, seja por idealismo, fanatismo, medo, ambição e demais aquisições do ego e do sistema egoísta.
O ego, neste caso, seria o personagem criado pelo meio social e que afirma a identidade do indivíduo "em relação a" um sistema que o gratifique.
Por isso, a teoria de valor que Dalton postula é mais conforme a realidade e permite previsões acertadas a respeito dos rumos da coletividade humana.
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Para ilustrar a tese de que o eu subsiste em uma relação de gratificação egoísta e egocentrada, destaco o filme de Marcelo Gomes "Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar" (2019).
O filme mostra as pessoas da cidade de Toritama-PE que vivem em função do dinheiro que podem amealhar produzindo jeans.
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É possível ver o quanto a forma-valor, que não tem possibilidade de uso, é determinante no comportamento dos habitantes daquele lugar do agreste pernambucano.
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Para não dizer que não falei de flores... também em pernambuco existe a SERTA** (Ibimirim e Glória de Goitá) que apresenta a agroecologia como forma de superar a pobreza.
Porém, não nega a categoria fundante da dominação capitalista - a renda - consubstanciada na riqueza abstrata.
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Om mani padme hum, já dizia Avalokiteshvara.
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*tem no iutubi - https://youtu.be/9_PiGqc1UpY
** http://www.serta.org.br/o-serta/
Meu caro David,
'taí um artigo seu com o qual concordo inteiramente. Sua formação filosófica, se até agora não lhe rendeu todo o reconhecimento que merece, certamente ainda o fará adiante. Explicar com tamanha clareza por que o fracasso do Lula.3 é inevitável e independe totalmente de besteirinhas como a taxa de juros do BC não é para qualquer um.
Torço muito para você ter a oportunidade de aliar sua capacidade de analisar o cenário sobre o qual atuamos com uma condição que lhe permita intervir sobre ele. Se conseguir traduzir sua reflexão em ação, como o condutor intelectual de alguma ou várias forças de esquerda revolucionária, o seu potencial para se tornar uma figura de primeira grandeza salta aos olhos.
Infelizmente para mim, as circunstâncias da minha trajetória política me bloquearam e nunca tive uma chance real de fazer História desde os trágicos acontecimentos da luta armada. Restou-me o papel de travar algumas lutas isoladas em nome da solidariedade revolucionária; do restabelecimento da verdade acerca de episódios passados dos quais participei; e de tentar iluminar o caminho dos dirigentes da esquerda, alertando-os para as consequências inevitáveis dos rumos que tomavam (este último propósito em vão, como vc bem frisou).
Se ainda conservava um fiapo de esperança numa reconversão do lulapetismo à proposta anticapitalista que o PT inscreveu no seu manifesto de fundação, a partir do primeiro governo do LUla não tive mais nenhuma: ficou totalmente evidenciado que o papel desse partido seria o de força auxiliar da dominação burguesa.
Mesmo assim, subsistiam contradições internas para serem exploradas e, pelo menos numa ocasião, deu para utilizar o que ainda restava de digno e consequente no partido para, juntamente com alguns independentes valorosos, obtermos uma inacreditável vitória em 2011 no Caso Battisti, provavelmente a luta mais desigual da qual a esquerda brasileira saiu vencedora em todos os tempos.
Nunca a moeda caiu em pé de novo, daí eu não estar exatamente apostando as minhas fichas atuais em que o Titanic petista deixe de rumar na direção do iceberg, mas sim em que uns e outros desavisados a bordo saiam dele antes do desfecho inevitável e, junto com os filhos de novas gerações e com outros esquerdistas que não venderam sua alma, se preparem para enfrentar mais uma vez o inimigo do qual nem de longe nos livramos em dezembro e janeiro últimos.
Bolsonaro é um lixo nauseabundo do passado, à espera da remoção definitiva; nunca dará a volta por cima. Mas a extrema-direita não está morta e dificilmente terá um líder tão insano, covarde, crapuloso e desastrado quando tentar um novo assalto ao poder.
Minha esperança está toda depositada nos Davids e outras lideranças que ainda surgirão para, espero, tirar a esquerda brasileira do fundo do poço onde ora se encontra. E, dentro das possibilidades de atuação que ainda me restam, continuarei até o fim travando o bom combate, mas sabendo que o protagonismo cabe agora aos que vieram e virão depois.
SF,
a posição de que ideias é que determinam a sociedade é chamada de Idealismo e levou à filosofia de Hegel e ao neohegelianismo. Isso foi francamente demolido por Marx em dois livros, um chamado "A Ideologia Alemã" e outro "A Sagrada Família". Na verdade, as ideias se originam da estrutura econômica da sociedade, do modo como o trabalho, produtor de toda riqueza da sociedade e da própria sociedade, é organizado. As ideias não surgem do nada, são determinações objetivas desta estrutura. A concepção das ideias como dominadoras também conduziu ao socialismo utópico, onde se acreditava que o problema social estava no egoísmo e na falta de solidariedade. Quem primeiro tematizou o papel da propriedade privada foi um cara chamado Proudhon, socialista francês, que dizia ser a propriedade privada um roubo porque ela estabelece uma apropriação privada da riqueza socialmente produzida, Marx absorve esta tese e a amplia. Por fim, a coletivização é uma falsa saída para o problema. Na verdade, coletivizar é transformar a propriedade de privada a coletiva e não é isto a saída comunista proposta por Marx. O que se busca é o fim da própria propriedade dos meios de produção, com a criação de riquezas controlada pela totalidade social a partir das necessidades humanas. Não se trata aí de coletivizar, mas de dissolver a propriedade, o mercado e o valor, acabando assim com o capital.
Celso,
só tenho a agradecer suas gentis palavras. Todo meu esforço é contribuir para a compreensão do mundo a partir da única ciência realmente válida para o mundo humano: o materialismo histórico. De fato, no momento estamos dominados pela lógica lulista, embora esta lógica não tenha mais a mesma adesão de massas do passado, sendo hoje um fenômeno mais defensivo. A eleição de Lula foi fruto, em grande medida, do desastre do governo Bolsonaro e é, sem dúvida, um movimento saudosista. Quando as expectativas começarem a não serem correspondidas, será o momento fatal do colapso de Lula 3 e de toda a esquerda a ele associada.
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Sou grato pela resposta.
Pensaria da mesma forma se estivesse no seu lugar, concordo com a teoria do materialismo histórico, posso estar errado, mas permita-me dizer o que acho que está acontecendo no mundo.
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O mundo é casual e a linguagem é dual, ou seja, a linguagem é delírio.
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Assim, através da linguagem (da ideia) é mesmo impossível entender o real.
A dialética idealista de Hegel diz que ideias "puras" permitiriam uma "síntese" que nos mostrariam conclusões válidas a respeito das grandes questões humanas. (foi o que entendi do palavrório dito a respeito dele)
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Marx pegou essa metodologia e meio que forçou a barra para reduzir a dinâmica social numa dialética materialista.
Atente-se que ele defendia uma tese filosófica, cuja regra, a história é a história dos meios de produção de uma sociedade, (algo assim) aplica-se admiravelmente na predição dos futuros movimentos da sociedade.
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Ocorre que, no meu entender, a luta de classes marxista (burguesia x proletariado) deixou de existir.
A dialética atual é algo como burguesia x "Techs", uma vez que o proletariado não mais faz parte do jogo de poder da sociedade.
Para mim, os Techs seriam uma nova classe que prescinde, cada vez mais, de explorar o trabalho para obter valor e, devido a mesma lógica de luta de classes, está criando alternativas a todos os antigos nichos de exploração da burguesia.
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Com Informação em Rede, Inteligência Artificial e Mecatrônica os caras estão tornando uma base proletária (complementar a ideia de burguesia) dispensável e, com isso, eliminando a dialética que Marx definiu.
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Na industria, no comércio e no campo já se faz sentir seu poder.
Na área de logística, mobilidade, segurança e bélica também.
Restavam a burguesia a burocracia, o estado nação e suas moedas fiduciárias.
Agora está ocorrendo um ataque a este pilar último da burguesia.
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Atente-se que a moeda do povo tech está se apresentando como alternativa válida à moeda fiduciária.
Tipo um plano real a nível mundial.
As criptos são estáveis, ao passo que as fiduciárias serão, mais uma vez, inflacionadas.
O fenômeno é novo, mas o stress atual mostrará o quanto já se avançou nesta substituição.
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Agora, imagine qual é a única coisa que uma máquina não faz melhor que um ser humano?
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A resposta para isto está na ontologia.
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Se não nos tornarmos humanos, "aquele que tem o privilégio ontológico do sentido do ser", nos tornaremos igual a máquinas robotizadas e dominadas pela "totalidade" vazia do ente público, suas doutrinas e suas regras.
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Temo o totalitarismo implícito no discurso: "com a criação de riquezas controlada pela totalidade social".
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Sic transit gloria mundi.
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SF,
você fala de muitas coisas, mas vou me concentrar em três pontos que parecem ser os principais da sua fala:
1) Hegel não disse que as ideias puras permitem síntese. A teoria dele é muito mais complexa que isso e, basicamente, defende que há um Espírito Absoluto cujo desenvolvimento na história é o responsável pelas transformações vividas em cada época. A ação do Espírito é possível através do movimento dialético entre tese, antítese e síntese, ou momento positivo, negativo e superação. O Marx não pega isso como metodologia, isso é uma ideia equivocada que infelizmente é dominante entre muitos marxistas. Marx crítica e rejeita a dialética hegeliana justamente por ser idealista - o espírito absoluto - e simplista. Isto está em um escrito marxiano chamado "Crítica à filosofia do Direito de Hegel". Em Marx não existe essa tríade hegeliana (tese, antítese e síntese), o que ele faz é mostrar como a história humana é estruturada pelo desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, do modo como o trabalho é organizado pela sociedade. Você tem vários tipos de trabalho ao longo da história: comunal, servo, escravo, estamental, assalariado, etc. Mas, basicamente, toda sociedade está assentada no trabalho, pq é impossível viver sem se alimentar, sem se vestir, ter uma casa, etc, isso para falar das coisas mais essenciais e básicas. Então Marx rejeita a filosofia de Hegel e diz, a raiz da sociedade é a atividade prática do ser humano, ou seja, o trabalho. E nisso ele deve muito a outro filósofo alemão, Feuerbach, que foi de fato o primeiro grande crítico do hegelianismo.
2) Big tech ou coisas semelhantes são estruturas do capitalismo, controladas pela burguesia. Não tem oposição nenhuma entre elas e os capitalistas, porque pertencem à mesma lógica de acumulação do capital. O fato de, muitas vezes, o capitalista ficar incógnito, nas Sociedades Anônimas, não muda o fato de que existe uma classe burguesa no controle. Só você abrir a revista Forbes e verá todos os nomes dos capitalistas controlando essas empresas. O trabalhador, proletário, continua sendo explorado pelo capitalista, pois é apenas de seu trabalho que pode surgir o valor, mas esta exploração muitas vezes é mais complexa e difusa que a existente no passado, mas não significa que ela desapareceu. Ainda tem gente nas fábricas produzindo, tem gente no comércio mantendo supermercados, lojas, restaurantes funcionando e tem gente no setor de serviços. Todos são trabalhadores servindo ao capital e a prova de sua existência é o fato de que precisam vender a própria força de trabalho para sobreviver. A definição básica de trabalhador para MArx é aquele que só possui a própria força de trabalho e de sua venda depende sua existência.
(continuando)
3) Essa ideia de totalitarismo não tem base. Veja, a ideia de totalitarismo de Arendt já é equivocada porque iguala coisas que não são iguais - nazismo e estalinismo - e transforma regimes ditatoriais em pontos fora da curva. Ora, a ditadura é a essência da política, só variando seu grau, menor nas ditas democracias liberais, maior nas autocracias. Prova disso é a existência em todo ordenamento político do estado de exceção e em todo país de serviços de espionagem e perseguição. O que foram o MArcatismo e a perseguição aos Panteras Negras nos EUA senão formas de autocracia? Então, falar em totalitarismo é uma forma abstrata de tentar naturalizar o liberalismo e ocultar que todo regime político é de força. Dito isso, existe atualmente uma posição contrária à categoria de totalidade, algo advindo a partir do neoliberalismo. No neoliberalismo, a sociedade é considerada uma ficção, uma abstração, só existindo indivíduos isolados, no máximo grupelhos particulares. Esta ideia gera a ideologia de que falar em totalidade, ou seja, em uma estrutura universal, permeando as relações dos indivíduos, seria cair no "totalitarismo" e, portanto, algo ruim. No entanto, todos nós vivemos em sociedade e tudo e todos estão se interrelacionando. Eu só posso escrever aqui neste computador, porque alguém o projetou, outros o construíram, alguns o trouxeram da China até a minha casa e agora eu uso a internet, que foi criação de milhares de pessoas e é mantida no ar com o trabalho de outros milhares de técnicos. Só podemos, inclusive, nos comunicar, porque existe algo chamado língua portuguesa que é obra de milhões de pessoas ao longo da história. Então, tudo está articulado em uma totalidade social. Hoje, essa totalidade é controla pelo capital, não é algo espontâneo, que age de forma cega ou ao acaso. A busca pela reprodução do capital é que comanda tudo. Então, falar em controle social da riqueza é falar que tal controle seja assumido pelos próprios indivíduos e não pelas necessidades do capitalismo, é superar a alienação de ser dominado por uma força estranha, o capital, e tomar o destino da humanidade em nossas próprias mãos.
Enfim, é isso.
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A linguagem é dual, veja que na estrutura do meu discurso eu, assim como Hegel, uso de oposições para apontar uma síntese.
A síntese que nunca se dá.
A diferença entre nós é que eu sei que meu discurso é delírio.
Uma algaravia.
Uma mixórdia.
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Quanto a ideologia marxista, como toda boa utopia, deve existir para nos impulsionar em direção ao melhor de nós mesmos.
Não que ela se concretizará algum dia, mas continuará como uma guia de nossas aspirações mais nobres.
Parecida com a que sonhou Isaías: "o leão e o cordeiro" e etc...
Se sua ação, sua práxis, for benéfica, ótimo!
Ficarei feliz.
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All's Well That Ends Well! já dizia o W.S.
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A paz.
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Sensacional, David
E muito didático.
A Hannah Arendt foi cooptada pela CIA.
https://youtu.be/e4oZI29Ht8c
Olá, caro CL
Sentimos falta de sua bagagem cultural.
Você sempre postava um vídeo de uma música ou de um filme ao final do texto. Um abraço.
U.
Um
Um abraço.
Túlio,
eu ainda o faço, mas o envelhecimento é a sina de todos nós e eu precisei deixar de fazê-lo TODO DIA para conseguir tocar outro projeto: a segunda parte do meu livro NÁUFRAGO DA UTOPIA.
E estou muito feliz com o desempenho do David como o novo editor do blog, até porque há muito eu o via como o único participante da equipe com condições intelectuais e idade adequada para assumir tal papel (é da máxima importância atrair as novas gerações) .
Eu planejara passar-lhe o bastão adiante, no dia 8 de agosto de 2023, quando o blog completasse 15 anos de existência. Aí, quando decidi completar meu livro, antecipei a data.
Mas, se vc nos acompanhar diariamente, perceberá que continuo e continuarei fazendo os posts mais na minha linha. E que o trabalho do David, do Dalton e do Rui merece DEMAIS ser prestigiado.
Um forte abraço!
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