Cuba mantém todas as categorias capitalistas intactas e é por isso que não aceito a pequena ilha como exemplo de caminho para uma sociedade verdadeiramente comunista, ou seja, sem forma valor, Estado, partido político e classes sociais, como preconizou Karl Marx no seu ideário.
Sei também que isto seria impossível de acontecer num país de pouco mais de 10 milhões de habitantes e pequena extensão territorial. A queda do capitalismo se dará a partir da implosão dos seus próprios fundamentos e o castelo tenebroso de cartas deverá ruir por dentro e a partir dos grandes centros capitalistas mundiais. O importante auxílio de eventuais movimentos revolucionários foquistas, de guerrilhas urbanas, trabalhistas, de movimentos sociais civilizatórios, etc., serão complementares.
Mas sempre me emociono quando leio sobre a bravura de Fidel e Raul Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos, Faustino Perez, Célia Sanchez e tantos outros revolucionários que tombaram no confronto com o corrupto presidente Fulgêncio Batista, queridinho dos Estados Unidos, numa guerrilha a partir do desembarque em um pequeno barco de 12 metros com 82 revolucionários - com capacidade para no máximo 25 pessoas, o lendário Granma-, sob intenso fogo do exército regular cubano durante e após o desembarque no qual morreram 70 tripulantes. A saga da revolução cubana se iniciou com os 12 sobreviventes, com um precário apoio terrestre e com poucas armas. Uma epopeia digna de respeito.
Foi, como disse certa vez Fidel, protegidos por uma escudo moral intransponível às agressões e uma convicção inabalável na vitória final contra tudo que representava a corrupta democracia burguesa cubana, que todo aquele movimento se estabeleceu e saiu vitorioso.
Certamente os Estados Unidos pensaram que se tratava apenas de mais um golpe de Estado numa república bananeira caribenha, até que compreendeu a extensão da indignação do povo cubano com tudo que vinha sofrendo por conta de ser considerada a latrina estadunidense, onde corrupção política, prostituição e jogos em cassinos oferecidos aos turistas eram a base comportamental e de sustentação da precária economia daquela ilha caribenha.
Em seguida à vitória retumbante, Fidel se declarou adepto do socialismo real, preconizado à ´época pela URSS, com comportamento tropical. Quando os Estados Unidos acordaram era tarde.
A predominante população negra de Cuba vivia em condições semelhantes às demais na América Central, em um nível profundo de pobreza e de super exploração. Enquanto ainda hoje estas populações vivem assim ou numa situação piorada, em Cuba o negro doutor e a população alfabetizada é fato destoante entre os países da região, apesar dos embargos econômicos de décadas, e este é um fato relevante.
Depois veio a tentativa de invasão estadunidense, somente contida pela ameaça de guerra nuclear após a instalação de mísseis atômicos soviéticos na ilha, numa negociação tensa que quase acionou o gatilho da destruição total.
Cuba sobreviveu e Fidel morreu de velho, apesar dos embargos econômicos e de se situar a poucos quilômetros da costa estadunidense, e tudo decorreu como a resultante do equilíbrio das forças atômicas da guerra fria.
Agora, vivemos, novamente, uma situação de ameaça de guerra nuclear.
O trem da Rússia daquela época da guerra fria já havia descarrilhado do rumo comunista e a de hoje nem de longe representa o ideal libertário comunista. Stalin, com Kruschev pelo meio, e Putin são versões políticas de uma mesma degeneração.
O capitalismo russo de hoje, sob uma forma política ditatorial, representa o oposto de todo o corolário do figurino de emancipação humana em busca de uma sociedade sem classes sociais, sem estado, sem partido político e completamente livre.
Como se admitir como correto, sob qualquer argumento, o bombardeio de civis em várias cidades ucranianas, de leste a oeste, e de norte a sul, de modo unilateral, posto que nenhuma cidade russa foi até agora atingida?
A Ucrânia vem sofrendo historicamente agressões de seus vizinhos alemães e russo, e não é por menos que muitos ucranianos aplaudiram ingenuamente a invasão hitlerista, até perceberem ser o déspota do oeste tão ofensivo e sanguinário quanto o do leste.
O nacionalismo capitalista em busca de hegemonia econômica é aquilo que está na base de todos estes conflitos, pois o capitalismo é uma guerra de mercado protegida por um Estado lhe dando sustentação jurídica no plano institucional, mas que não hesita em usar a força no plano bélico quando seus interesses econômicos se veem ameaçados.
Como estamos percebendo, a China, com seu imenso potencial humano e bélico, tem se mantido numa posição dúbia, expressa da seguinte forma:
- ora se alia a uma parceria sem limites com a Rússia, se abstendo de condenar explicitamente a indefensável invasão ucraniana, além de criticar a ajuda ocidental militar, como justificativa para uma possível ajuda militar chinesa aos russos;
- ora medindo os seus vínculos comerciais e financeiros com o ocidente num mundo de economia globalizada, agindo de modo pretensamente equidistante de uma intervenção direta do conflito.
O que se conclui de tais posicionamentos é que a questão moral humana se queda diante de interesses mesquinhos de lado a lado; é o capital dando ordens desumanas aos seus súditos humanos e, assim, a humanidade se vê à mercê de tais interesses e de ameaça tenebrosa de extinção.
Em resumo: qualquer decisão de apoio a qualquer dos lados está previamente contaminada pelo equívoco essencial e básico, raciocinar sob a lógica do capital ao invés de negá-la peremptoriamente.
A conclusão é que desde a crise nuclear cubana, passando pela dissolução na União Soviética, pela virada chinesa sob Deng Xiao Ping para a abertura de mercado e pela queda do muro de Berlim, nada mudou, ou seja, o capital comanda a ordem mercantil internacional e a relação entre os povos de modo xenófobo, numa briga na qual os dois lados estão previamente errados.
Nós estamos como alguém que estando em São Paulo e querendo chegar ao Paraná, num veículo novo e possante, pega a via Dutra para o Rio de Janeiro e, quanto mais acelera, mais se distancia do destino correto.
Precisamos de um novo parâmetro de referência social que não passa nem pelo totalitarismo político anticivilizatório, nem pela pretensamente boa, mas maliciosa, ou ingênua, intenção da democracia liberal burguesa de humanização de algo que é visceralmente desumano: a relação social produtora de mercadorias e a ordem jurídica que lhe dá sustentação.
Acordemos da nossa teimosa letargia secular capitalista que nos impede de ver o óbvio. (por Dalton Rosado)
Um comentário:
Excelente.
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