As fortes chuvas no estado de São Paulo já causaram a morte de 46 pessoas nos últimos dias. Em geral, foram vítimas de deslizamentos de encostas e inundações.
Longe de se tratar de uma simples tragédia, o acontecimento é consequência de uma junção de dois fatores diretamente relacionados com a sociedade capitalista, particularmente com o capitalismo brasileiro.
O primeiro fator é a ocupação desordenada do solo. Sem política mínima de habitação ou qualquer controle público, alastram-se construções em regiões de encostas e à beira de córregos e rios. Tais ocupações acabam por desmatar as áreas ocupadas e enfraquecer a estabilidade do solo, facilitando o trabalho de liquefação da terra. Quando a chuva chega, o solo se desfaz e as construções são arrastadas morro abaixo.
Problema secular no Brasil, sua raiz está na crise da habitação, cujo início já aparecia pouco tempo após a Abolição da Escravidão, momento em que os agora alforriados, não encontrando local para morar, começaram a construir casebres nas encostas do Rio de Janeiro, gerando as chamadas favelas, nome dado às formações geológicas dos morros.
Com o boom urbano das décadas de 1950-1980, a coisa piorou e muito. As levas de imigrantes que chegavam às metrópoles iam se ajuntando não apenas em encostas, mas também à beira das corredeiras de água e das estradas, locais de propriedade pública. Em casos mais drásticos, bairros inteiros chegaram a se formar em cima de antigos lixões.A ocupação desordenada do solo é fator crucial nas
tragédias causadas pelos temporais no Brasil.
Portanto, o problema tem uma origem definida na falta de moradias, pois os terrenos e habitações dignas alcançam valores proibitivos, impedindo sua aquisição pela maioria pauperizada do povo brasileiro. O próprio valor dos aluguéis é outro elemento dificultador, jogando milhões de pessoas na falta de teto.
A este fato, nas últimas décadas veio se ajuntar outro elemento complicador, também ligado à ocupação do solo, mas em chave diversa. Se a ocupação irregular de milhões de brasileiros ocorreu por falta de recursos, a outra face do problema ocorreu por excesso de recursos, com a ocupação irregular de terrenos por pressão especulativa, sobretudo do setor horteleiro e de casas de alto padrão.
Assim, áreas de preservação começaram a ser tomadas, matas derrubadas, beiras de rios apropriadas e mesmo praias foram invadidas por construções irregulares não do povaréu sem teto, mas de milionários e de companhias de hotéis, pousadas e afins.
A região litorânea de São Paulo onde hoje acontece esta catástrofe é um exemplo disso, com milhares de hotéis, pousadas, casas de campo e mansões se alastrando de forma descontrolada e, na maioria das vezes, com a conivência do poder público.
Portanto, a questão fundiária é um elemento chave na catástrofe vivida no período de chuva, tanto pela falta de moradia adequada, tanto pela pressão imobiliária do setor horteleiro e das casas de alto padrão. O outro elemento é o aquecimento global que vem mudando drasticamente o regime das chuvas ao redor do planeta, ampliando a intensidade delas, enquanto diminui seu período de duração.
É fato inquestionável a origem humana do aquecimento global, provocado majoritariamente pela liberação na atmosfera de bilhões de toneladas de CO2, frutos de queimas de combustíveis fósseis, mas também de queimadas, da incineração incorreta do lixo e até da criação extensa de bovinos. Com o aquecimento, geleiras derretem, bilhões de litros de água doce se misturam ao mar alterando o ritmo das correntes oceânicas e mudando sensivelmente o clima global.
Antes de ser um puxa-saco de milico, Aldo Rebelo, então ministro de Dilma, já distribuía burrice gratuita por aí, confundindo aquecimento global com falta de frio. |
Períodos longos de estiagem são sucedidos por intervalos curtos de chuva apocalíptica, afetando milhões de pessoas e matando milhares. No contexto brasileiro, a junção do fator climático com o problema fundiário acaba gerando consequências terríveis.
No entanto, a tragédia está longe de ser algo meramente natural. Ao contrário, trata-se de fator completamente social, econômico, estando sua raiz no capitalismo, tanto em sua capacidade de gerar exclusão, quanto em seu poder de arruinar o meio ambiente. (por David Emanuel Coelho)
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