segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

MESSI QUER VER PREMIADO O FILME QUE MOSTRA O TORTURADOR MASSELA E O DITADOR VIDELA CONDENADOS À PRISÃO

D
iscreto, mas não omisso, o melhor futebolista do século 21 fez questão de dar uma força ao concorrente de seu país ao Oscar de melhor filme internacional:
"Que grande filme Argentina, 1985, com Ricardo Darín, que está indicado ao Oscar. Vamos pelo terceiro!"
A referência de Leonel Messi é às duas produções argentinas que anteriormente receberam a mesma estatueta, A História Oficial (dirigido por Luis Puenzo, 1985)  e O Segredo dos seus Olhos  (d. Juan José Campanella, 2009)

O filme de Santiago Mitre relembra o primeiro julgamento dos  responsáveis pelas torturas e mortes dos opositores ao regime. 

O alvo inicial foram os maiores culpados, os ex-ditadores e os antigos comandantes das Forças Armadas, tendo sido condenados à prisão perpétua os dois réus mais conhecidos:
—  o general Jorge Videla, que integrou a Junta Militar e depois exerceu a ditadura; e
— o almirante Emilio Massera, outro participante da Junta, que encabeçou centenas de sequestros, torturas e assassinatos à frente da Escola de Mecânica da Armada (Esma),  

Desobstruído o caminho, os executantes das ordens hediondas seriam objetos de outros processos. Estima-se que, nos porões da ditadura mais sanguinária da América Latina, tenham sido exterminados cerca de 30 mil argentinos, entre 1976 e 1983.

Argentina, 1985 é muito impactante para quem não conhece a história terrível dos anos de chumbo em nosso continente, e menos para quem conviveu com os mesmos horrores por aqui. 

É difícil para os que (como eu) conhecem essa história de cor e salteado, comoverem-se tanto tempo depois com os dramas praticamente idênticos de companheiros de outros países, após passarem uma vida adulta inteira lamentando o martírio daqueles que fizeram parte das suas vidas.

Nunca me conformei, nem me conformarei, com as perdas dos melhores dentre os melhores que a esquerda brasileira já produziu. Nunca os esquecerei. 

E é óbvio que ver bons argentinos agindo com tanta dignidade e coragem só faz crescer meu desprezo pelos frouxos brasileiros que não ousaram pagar pra ver quando os veteranos do arbítrio blefavam descaradamente para garantir sua impunidade, seja em em  1979, seja em 1985, seja no final da década retrasada.

No fundo, uma sensação de fracasso me fustiga, pois tanto empenhei-me, em vão, para que o pusilânime governo lulista deixasse seus dois ministros mais corajosos (Tarso Genro e Paulo Vannuchi) articularem a revogação da anistia de 1979, única hipótese em que a corja dos porões poderia ir parar atrás das grades. 
Foi uma das piores das minhas batalhas perdidas. Mas pode ser superada pela impunidade de Jair Bolsonaro, cuja sabotagem ao combate científico à pandemia de covid o fez responsável pelo extermínio de centenas de milhares de brasileiros (pobres e idosos, principalmente), afora o genocídio de indígenas. Só uma ampla mobilização popular impedirá mais essa infâmia.    

Argentina, 1985 pode ser assistido no streaming da Prime Vídeo ou baixado, p. ex., neste blog. É informação das mais necessárias e relevantes para as novas gerações.

Por último, uma interessante coincidência: foi no dia seguinte àquele no qual o dr. Sócrates faria 69 anos (19.02) que Messi ousou associar o seu nome a um filme que confronta incisivamente os gorilas argentinos do passado (duvido que a raça esteja extinta, pois a cadela do fascismo, como disse Brecht, está sempre no cio).

Não o fez de forma panfletária, mas quem assistiu ao filme percebe claramente que ele terá desagradado a muitos dos piores seres humanos de seu país, no qual pretende residir quando encerrar a carreira. 

Sei lá se o melhor jogador de todos os tempos foi o do século passado ou o do século atual, pois o futebol  mudou tanto que não há como fazer uma comparação consistente. Mas, em matéria de caráter, Messi ganha de goleada. (por Celso Lungaretti)

3 comentários:

Anônimo disse...

Filme maravilhoso. O discurso final do personagem principal foi simplesmente chocante e Darín, como sempre, com sua sensibilidade consegue interpretar de uma forma sublime.

Anônimo disse...

Boa tarde Celso. Há um detalhe do qual passo para você .
A esquerda foi também para o banco dos réus. Em número menor mas crimes de sangue dos dois lados foram punidos. Abraços

celsolungaretti disse...

A esquerda foi processada e condenada amplamente durante a ditadura militar, embora a tradição civilizada, que vem desde a Grécia antiga, seja a de que todo cidadão tem o direito de pegar em armas para resistir a uma tirania (como era o caso da ditadura instaurada mediante golpe e que se mantinha graças ao terrorismo de Estado desembestado).

Eu mesmo respondi a quatro processos em auditorias do Exército e da Marinha, fui condenado em três, mas depois, como se tratava do chamado delito prolongado (acusavam-me de militante da VPR e da VAR-Palmares, em SP e no RJ), as penas foram unificadas.

Não vou me alongar no assunto, mas ficava claro para todos nós, réus, que aquilo não passava de um jogo de cartas marcadas. Tão grotesco que, num desses quatro julgamentos, um dos advogados de ofício que deveria defender um companheiro começou a não falar coisa com coisa e o juiz-auditor o expulsou por estar embriagado.

Então, escolheu a esmo o advogado do outro réu, entregou-lhe a incumbência adicional e o fulano teve de improvisar uma defesa lendo aquela papelada toda durante uns 15 minutos de intervalo.

Se fosse um julgamento de verdade, o direito de defesa do réu em questão jamais poderia ser dado como exercido.

Quanto a crimes de sangue, não é conceito que se aplica a resistentes. Os membros da Resistência Francesa mataram muitíssimo mais do que nós e foram depois reconhecidos e reverenciados como heróis. Só aqui quem travou uma guerra justa em situação de inferioridade de forças tão extremada foi vilificado.

E NENHUM crime dos agentes do Estado foi punido, pois é o que determina a anistia de 1979, considerada nula por todo o Direito das nações civilizadas (pois promulgada enquanto a democracia não havia sido restabelecida e a ditadura exercia todo tipo de pressão e chantagem para forçar os oposicionistas consentidos a aceitarem o inaceitável).

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