(continuação deste post)
— primeiramente, devemos afastar o fascista do poder;
— depois... vamos apoiar o Lula e seu governo no rumo da reconstrução dos avanços sociais e institucionais detonados pelo governo miliciano.
Aí eu pergunto: mas se Lula, em todo discurso, fala em retomada do desenvolvimento econômico (que não passa de mais capitalismo), e como vamos nos libertar do mal que nos aflige, se estaremos usando como remédio o incentivo ao crescimento do próprio mal?
Quem embarca nessa canoa furada por medo da ditadura e à espera de um capitalismo próspero e bonzinho que possa prover o bem-estar social a partir da elevação dos salários e do pleno emprego, não se dá conta da dinâmica predatória salarial do capital, imposta pela guerra concorrencial de mercado globalizada.
Assim, até quando vamos ter de:
— continuar pagando os juros extorsivos que incidem sobre nossa dívida pública, sacrificando as demandas sociais tão vilipendiadas pelo governo que termina como o pior da história republicana? Por que não peitarmos a ordem mundial econômica que nos impõe tal sacrifício, enquanto os países ricos nada pagam de juros?
— aceitar a negação dos benefícios previdenciários e trabalhistas de idosos e inválidos aposentados, bem como de assalariados que já são extorquidos pela extração de mais-valia e pagamento de caros impostos a cada compra de mercadoria inflacionada, tudo isso para sustentar o capital e sua máquina estatal opressora em troca de apoio de uma elite política e empresarial?
— ver passivamente a fome aumentar nos lares bde desempregados e mal-empregados deste país que tem mais bois do que gente e é o segundo maior produtor de alimentos vegetais e animais do Planeta?
— ouvir o discurso conservador, elitista e golpista ditatorial de parte dos grandes empresários do agronegócio que se acham no direito de bloquear rodovias e se jactam de carregar o Brasil nas costas, enquanto tocam seus negócios com juros subsidiados, dívidas perdoadas e anistia fiscal concedida por parlamentares que elegeram?
— fazer alianças com políticos conservadores e elitistas que mudam de lado a cada ventania (Valdemar da Costa Neto, Roberto Jefferson e Michel Temer, p. ex., já foram aliados de Lula e Dilma...) em nome de um pragmatismo político que sempre se volta contra o povo como um bumerangue agressivo?
— conviver com o analfabetismo de grande parte da população brasileira por conta de uma escola pública ineficiente e com um currículo escolar que positiva as categorias capitalistas e a ordem social institucional republicana capitalista opressora?
— respeitar a adequação deficitária da contabilidade pública a um orçamento cada vez mais deficitário que endivida a passos largos as finanças públicas, ao custo da negação de atendimento das demandas sociais mais prementes?
— tratar a terra rural como uma mercadoria que pode ser concentrada nas mãos de grandes latifúndios empresariais, mais preocupados com o lucro das exportações que alimentam o mundo?
— tratar a terra urbana também como mercadoria que serve para a especulação imobiliária e com isto dificultar a sua aquisição para moradia?
— tolerar a não criação de juros subsidiados e de longo prazo para a aquisição de moradias e disponibilização de infraestrutura urbana de qualidade?
Muitos outros itens poderiam ser aqui alinhavados como roteiro para uma administração popular. Mas vamos virar a chave e analisar a viabilidade política da implementação das medidas acima elencadas e de muitas outras que deixamos de citar.
Sei que qualquer democrata que tentasse no Brasil direcionar o seu governo por tais pautas enfrentaria a oposição da poderosa elite político institucional-empresarial-militar brasileira.
Os patriotas de terços e bíblias nas mãos, que vivem a clamar por ditadura militar, sofrem da síndrome da minoria iluminada. Creem que a parcialidade populacional mais raivosa e minoritária seja mais brasileira do que a majoritária; e, na impossibilidade de aplacar a febre, quebram o termômetro, ou seja, questionam as urnas. Na sua visão delirante, o Brasil só é brasileiro para os conservadores na economia e nos costumes.
Para os conservadores religiosos fundamentalistas e viúvas da ditadura militar, as proposições acima são coisas de comunistas comedores de criancinhas e assim, com um rótulo ignorante, confundem democracia social com ditadura burguesa, numa óbvia inversão de conceitos: sustentam que o povo é culpado por seu próprio infortúnio e não merece a pretensa bondade e generosidade das elites secularmente privilegiadas.
Lula vai tomar posse, isto está definido pelos donos do PIB e até pelos militares mais conscienciosos da conjuntura geopolítica mundial na qual o Brasil está inserido. Mas, há um porém: jamais poderá ousar sair dos limites da constituição burguesa!
E ainda, é-lhe vedado cumprir fielmente aquilo que a carta magna estabelece como direitos constitucionais mas o capital considera abusivos. Caso, p. ex., da distribuição de lucros empresariais aos trabalhadores de empresas lucrativas (artigo 7º, inciso XI, da Constituição Federal).
Os que afirmam que o STF rasga a Constituição Federal e pedem uma corte suprema que atue respeitando os seus interesses, são os primeiros a negar o cumprimento da Constituição em vários artigos que tratam dos direitos sociais. Eles pulam para o artigo 142 e aceitam as interpretações tendenciosas de intervenção militar de um Ives Gandra, mero tributarista metido a constitucionalista.
Não é uma questão de ignorância dos que insuflam a população para ir às portas dos quarteis enquanto desfrutam dos seus privilégios nem sempre santificados, mas sim do empenho em construir uma constituição federal ditatorial burguesa, redutora de direitos dos explorados.
O capital não obedece à sua própria constituição quando se trata de cumprir obrigações que a sua lógica perversa não pode atender. Para beneficiar o povo a lei constitucional nunca pega.
Não tenho dúvidas de que caminhamos, com a roda da história se movendo lentamente (e de vez em quando acelerando o seu ritmo, como agora), para um avanço superior de consciência social que, mesmo aos trancos e barrancos, negue a ditadura burguesa e a impotência da democracia burguesa graças às contradições dos próprios fundamentos capitalistas que ora demonstram as suas incongruências lógicas e falibilidade social sistêmica e ecológica.
A terceira via não é eleitoral, mas sim social e emancipatória, a partir de novo modo de produção e ordem social fora da lógica do valor e da dissociação de gênero.
O que parecia impossível está se tornando uma meridiana clarividência. (por Dalton Rosado)
Eis uma nova intérprete das composições do Dalton
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