A LÓGICA JURÍDICA DO MASSACRE (extrato)
Paraisópolis e Carandiru são as mais majestosas contribuições da magistocracia paulista (orgulhosamente autodenominada bandeirante) ao crescimento do Produto Interno da Brutalidade Brasileira – PIBB.
Trinta anos atrás [em 29/10/1992], o governo de São Paulo autorizou a execução policial de pelo menos 111 presos naquele que se tornou o maior morticínio do sistema carcerário na história brasileira.
Nesse período, não houve autoridade investigada. Nenhum policial foi preso apesar da condenação de 74 agentes, cujas sentenças percorrem o labirinto das anulações e obstruções do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A absolvição do coronel Ubiratan [Guimarães], depois de condenado pelo júri, em fundamentação jurídica para lá de extravagante, é só um exemplo mais grotesco. Nem experimente ler essas sentenças para não se deparar com frases como se não tivesse roubado, não estaria preso ou se estivéssemos na China, famílias pagariam a bala.
Carandiru, 111 presos que acabariam se rendendo foram covardemente exterminados. |
Produzido pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp em parceria com os núcleos de Cidadania e Direitos Humanos e da Infância e Juventude da Defensoria de São Paulo, com ajuda de familiares das vítimas, o relatório O Massacre no Baile da DZ7, Paraisópolis disseca e escancara as velhas estratégias de irresponsabilização jurídica embutidas nos métodos de produção de provas pelas autoridades.
Com base no testemunho de policiais, reconstruiu-se o evento com base nos conceitos de resistência, pisoteamento e socorro prestado pelos policiais, diante de suposta conduta violenta dos jovens. Uma versão que isenta policiais de responsabilidade, mas não encontra respaldo em registros de áudios, vídeos, fotografias e nos corpos das vítimas.
Quantas vezes mais veremos protestos como este, sem que os exterminadores sejam punidos? |
— não foi resistência (porque o fato alegado por policiais para justificar a necessidade da intervenção era falso);
— não foi pisoteamento (mas estratégia de cerco e terror que levou à compressão de corpos sem rota de fuga, o que causou sufocação indireta) e
— não foi socorro (porque policiais não cumpriram protocolos básicos de resgate e primeiros socorros).
Os massacres de Carandiru e Paraisópolis têm dimensões diferentes do ponto de vista quantitativo, mas uma óbvia afinidade qualitativa para mapear o código operacional da violência estatal e, sobretudo, de sua legalização e institucionalização.
Não houve tumulto, não houve apenas uma tragédia, palavras que escondem ações e omissões, causalidades e responsabilidades. Houve massacre perpetrado por corporação cuja cultura da violência e da letalidade se baseiam na complacência e na cumplicidade de autoridades políticas.
E ainda costumam ser premiadas eleitoralmente, já que a tradição de leniência jurídica autoriza que permaneçam na vida pública.
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(por Conrado Hübner Mendes, jornalista
e professor de Direito Constitucional na USP)
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