sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

ATÉ QUANDO POLICIAIS EXTERMINADORES TERÃO CERTEZA DE IMPUNIDADE?

conrado hübner mendes
A LÓGICA JURÍDICA DO MASSACRE (extrato)
Paraisópolis e Carandiru são as mais majestosas contribuições da magistocracia paulista (orgulhosamente autodenominada bandeirante) ao crescimento do Produto Interno da Brutalidade Brasileira – PIBB.

Trinta anos atrás [em 29/10/1992], o governo de São Paulo autorizou a execução policial de pelo menos 111 presos naquele que se tornou o maior morticínio do sistema carcerário na história brasileira. 

Nesse período, não houve autoridade investigada. Nenhum policial foi preso apesar da condenação de 74 agentes, cujas sentenças percorrem o labirinto das anulações e obstruções do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A absolvição do coronel Ubiratan [Guimarães], depois de condenado pelo júri, em fundamentação jurídica para lá de extravagante, é só um exemplo mais grotesco. Nem experimente ler essas sentenças para não se deparar com frases como se não tivesse roubado, não estaria preso ou se estivéssemos na China, famílias pagariam a bala.
Carandiru, 111 presos que acabariam se rendendo foram covardemente exterminados.
Três anos atrás [em 01/12/2019], policiais militares encurralaram uma multidão de jovens em baile na comunidade de Paraisópolis. Nove crianças e jovens negros (Bruno, Luara, Gustavo, Eduardo, Gabriel, Mateus, Marcos Paulo e dois Dennys) morreram asfixiados. Dezenas saíram feridos. Doze policiais foram denunciados por homicídio doloso, e a primeira audiência de julgamento está agendada para julho de 2023.

Produzido pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp em parceria com os núcleos de Cidadania e Direitos Humanos e da Infância e Juventude da Defensoria de São Paulo, com ajuda de familiares das vítimas, o relatório O Massacre no Baile da DZ7, Paraisópolis disseca e escancara as velhas estratégias de irresponsabilização jurídica embutidas nos métodos de produção de provas pelas autoridades.

Com base no testemunho de policiais, reconstruiu-se o evento com base nos conceitos de resistência, pisoteamento e socorro prestado pelos policiais, diante de suposta conduta violenta dos jovens. Uma versão que isenta policiais de responsabilidade, mas não encontra respaldo em registros de áudios, vídeos, fotografias e nos corpos das vítimas.
Quantas vezes mais veremos protestos como este, sem que os exterminadores sejam punidos?
O relatório fundamenta, a partir de investigação empírica, a tese de que:
— não foi resistência (porque o fato alegado por policiais para justificar a necessidade da intervenção era falso); 
— não foi pisoteamento (mas estratégia de cerco e terror que levou à compressão de corpos sem rota de fuga, o que causou sufocação indireta) e 
— não foi socorro (porque policiais não cumpriram protocolos básicos de resgate e primeiros socorros).

Os massacres de Carandiru e Paraisópolis têm dimensões diferentes do ponto de vista quantitativo, mas uma óbvia afinidade qualitativa para mapear o código operacional da violência estatal e, sobretudo, de sua legalização e institucionalização.

Não houve tumulto, não houve apenas uma tragédia, palavras que escondem ações e omissões, causalidades e responsabilidades. Houve massacre perpetrado por corporação cuja cultura da violência e da letalidade se baseiam na complacência e na cumplicidade de autoridades políticas. 
E ainda costumam ser premiadas eleitoralmente, já que a tradição de leniência jurídica autoriza que permaneçam na vida pública. 
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(por Conrado Hübner Mendes, jornalista
e professor de Direito Constitucional na USP)

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