Até a manhã de ontem (11) ainda não tinha decidido se iria ou não ao ato de repúdio ao golpismo bolsonarista no Largo São Francisco.
Como jornalista, fascinava-me estar presente em mais um momento importante da História brasileira: a guinada no sentido do fim do circo de horrores do Bozo, com o exorcismo da extrema-direita por um bom tempo.
As almas penadas voltarão para o limbo, mas não vão desistir de nos assombrar adiante. Compete a nós fazermos a lição de casa completa desta vez, não aceitando meias-medidas, como na saída da ditadura militar.
Foi por causa de nossos erros e tibieza durante a última redemocratização que elas ensaiaram uma volta com o caçador-de-si-mesmo em 1990 e voltaram triunfalmente em 2018, a bordo do trem fantasma do Pennywise.
Já como revolucionário, detestaria uma identificação tão estreita com o Estado de Direita, que perpetua a dominação de classe exercida pela burguesia. Pretende-se democrático mas, ao colocar o direito à propriedade acima da plena satisfação das necessidades humanas e da concretização do bem comum, prioriza uma pequena minoria dos cidadãos em detrimento da grande maioria.
Sou um humanista, daí ter-me resignado a dar uma pequena contribuição para que a carta dos notáveis atingisse o patamar de 1 milhão de signatários, divulgando-a, assinando-a e recomendando aos leitores deste blog também o fizessem.
Sem ilusões: infelizmente, está certíssimo aquele grande empresário papeleiro ao diagnosticar que com o celerado saltaríamos de vez no abismo, enquanto que com o reformista continuaremos estacionados nesta recessão sem fim.
[Isto porque suas propostas de governo, pra lá de anacrônicas, quanto muito nos proporcionarão pequenas melhoras; e o restabelecimento daquela institucionalidade anterior à invasão dos bárbaros não é defendido apenas por ele, tornou-se praticamente consensual entre os civilizados, então até mesmo um presidente moderado de direita fará o mesmo.]
Mas, como dos desequilibrados mentais tudo se pode esperar, era importante acelerarmos o derretimento do fãzoca do Trump, para que não bisasse aquele pandemônio de mau perdedor no momento da derrota. Já se perderam vidas demais graças às suas maluquices destrambelhadas.
Daí, contudo, a ir em pessoa jurar obediência ao Estado de Direita, seria um sapo indigesto demais para eu engolir. Já me basta o enorme desgosto de ver a derrocada do bufão chegar pelas mãos dos adversários e não pelas nossas.
Quase morri de vergonha quando a expulsão das hordas fascistas da avenida Paulista dependeu de secundaristas e dos Gaviões da Fiel, enquanto a esquerda descaracterizada permanecia longe da batalha das ruas e até mesmo da luta pelo impeachment, tudo fazendo para garantir sobrevida ao histrião desvairado porque apostava em que seria ele o candidato mais fácil de ser derrotado nas urnas de 2022.
E quase morro agora de vergonha por constatar que o empurrão decisivo para expelir o autoproclamado herdeiro do Brilhante Ustra dependeu desses nossos novos aliados que nos anos de chumbo apoiavam a ditadura militar e financiaram a Oban, como bem lembrou o Celso Ming (vide aqui).
Enfim, consola-me a esperança de que talvez ainda tiremos o bilhete premiado. Pois, como os perspicazes já perceberam há muito tempo, a maldita polarização é que alimenta essa alternância maniqueísta entre a esquerda domesticada e a direita extremada.
Com o Lula, incapaz de oferecer novamente aos brasileiros as migalhas que lhes pareceram banquetes em 2003/2006 (o agravamento da crise capitalista já não o permite!), a chance será enorme de advir nova derrocada como a ocorrida sob Dilma, capaz de ensejar outra ressurreição da ultradireita. Ou seja, nos arriscaríamos a continuar patinando sem sair do lugar até sabe-se lá quando.
Se o misógino-mor sair da parada, ainda dá tempo para outro(a) candidato(a) chegar ao 2º turno e derrotar Lula na arrancada final. Aí destravaríamos a História e, contra um(a) presidente com propostas de governo mais modernas (é difícil imaginarmos algum presidenciável viável que não as tenha melhores que as do ex-metalúrgico e as do ex-militar), a esquerda seria obrigada a finalmente sair da zona de conforto, reciclar-se e passar a desenvolver uma atuação compatível com os desafios que enfrenta no século 21.
No mínimo precisamos assumir, como bandeiras fundamentais de uma esquerda renovada:
— a substituição dos combustíveis fósseis pela energia limpa, ao invés de se despejarem mais recursos na Petrobrás de todos os petrolões e da contribuição kamikaze para o fim da espécie humana; e
— a autogestão das empresas alternativas à ganância capitalista, ao invés da reestatização das já privatizadas e do reforço às que continuam estatais.
Livrarmo-nos do principal responsável pelo extermínio de centenas de milhares de brasileiros durante a pandemia é um indispensável passo inicial.
Precisamos, no entanto, ter clareza quanto ao fato de que a tarefa não terminará por aí. Longe disto. (por Celso Lungaretti)
Um comentário:
Caro Celso
Obrigado pelo texto!
Sempre tive dificuldade de me expressar ou opinar, desde minhas conversas com o Massa, lá em 1967.
Você já se disse peixe fora d'água, envergonhado e tal, e fala do "empresário papeleiro" , que também deve sentir vergonha,(li a declaração dele)
Diz controlador da Porto Seguro sobre Bolsonaro: "A gente esperava um governo liberal e foi uma decepção" Como? Não ouviu/leu o que o doido dizia?
Um presidente de Banco disse que se "sente humilhado" quando fala em preservação ecológica.
Como isso?
E agora?!
O Luís Ignácio? Diante da Amazonia devastada vai fazer vista grossa para as milícias de ocupação e garimpo?
Celso Amorim vai fazer embromação e escrever, também ele, um livro dizendo que o Brasil não é sério?
O que Luis Ignácio pode fazer com os dois celerados que o Bozo enfiou no STF?
O os sigilos de 100 anos?
Abraços
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