sábado, 25 de junho de 2022

BATTISTI NA FOLHA DE S. PAULO (o acerto de contas com homens de poder) – 2

 (continuação deste post)
EVO MORALES: UM TRAIDOR E COVARDE QUE SE VENDEU SEM ESCRÚPULO
 – Um mérito de Ferraz foi o de ter obtido de Battisti suas afirmações mais contundentes até agora sobre os homens de poder sul-americanos envolvidos no seu drama, talvez porque ele saiba que, doravante, nada de bom poderá esperar deles. 

Começando, claro, pelo Judas boliviano, Evo Morales, por ele merecidamente qualificado de "traidor e covarde". Eis como Ferraz reproduz a versão do Cesare:
"...Battisti disse que integrantes do PT e de organizações sociais (...) fizeram contato com o presidente boliviano em 2017, quando o governo de Michel Temer dava sinais de que iria reverter o refúgio no Brasil, e que Evo Morales teria garantido proteção. 
...afirmou ter sido recepcionado no país por um representante do Movimento ao Socialismo, partido de Evo Morales.  
... disse ter percebido que alguma coisa não ia bem quando houve um desencontro entre as autoridades locais: o pedido de refúgio tinha sido apresentado por ele algumas semanas depois de entrar na Bolívia, mas a resposta que recebeu foi de que o requerimento deveria ter sido feito logo no ingresso. 
O processo, como temia, não andou. Detido, ele foi entregue a policiais italianos e formalmente expulso do país. 
...O italiano credita a Evo Morales a sua ida para a Bolívia e também o responsabiliza pelo que chamou de 'sequestro', referindo-se à sua prisão.  

Apertar a mão de presidente que favorece o extermínio
 de indígenas dá uma boa noção do caráter de Morales


Como foi expulso da Bolívia, e não extraditado do Brasil, o processo de extradição julgado pelo STF em 2010 –determinando que, se voltasse para a Itália, ficasse no máximo 30 anos preso– perdeu o efeito.  
...'Ele poderia ao menos me fazer ser preso, eu iria responder na Justiça e a extradição seria negada por prescrição e delito político. Evo se vendeu sem escrúpulo. Um gesto desprezível de um homem indigno que revelou toda sua obscenidade meses depois, ao abandonar o próprio povo aos golpistas para fugir'".
LULA: CINISMO POLÍTICO, MENTIRAS DESPUDORADAS E ACENOS À DIREITA  –  Ferraz deixa a impressão de que a indignação do Cesare com o Lula se deveu à sofreguidão com que o ex-presidente o renegou e abandonou às feras depois de sua confissão à Justiça italiana. Esclarecerei adiante que o jornalista chegou a uma conclusão errada por desconhecer detalhes importantes.

Cesare assim desabafou, segundo reproduziu (e analisou) Ferraz:
"'Todos sabemos que Lula é capaz de tudo para colocar de novo a faixa de presidente. O animal político que nunca se contradiz. Aconteceu também comigo de admirar seu cinismo político (no sentido vulgar do termo) e o extraordinário jogo de cintura', disse.

...'Naquele abril de 2021, o ex-presidente voltava definitivamente à cena (...) após o STF anular sua condenação e torná-lo novamente elegível.'
Lula deveria fazer autocrítica dos
seus erros antes de julgar os outros
 
...disse que 'acreditava que Battisti era inocente e não era', referindo-se à admissão de culpa do italiano (em 2019) em quatro homicídios. 'Desde o momento que ele confessou, é óbvio que devo admitir que errei', afirmou Lula.
Battisti atribui a atitude de Lula, assim como o abandono de antigos aliados à esquerda após assumir os crimes, ao clima de 'campanha política' e à necessidade de fazer acenos à direita...  
'Aconselharam Lula a fazer isso se quisesse recuperar parte dos setores que votaram em Bolsonaro, ele não hesitou. Mesmo que para isso tivesse que mentir despudoradamente, dizendo que ele e Tarso Genro [ex-ministro da Justiça do governo Lula] não sabiam de nada', disse. 
'Fui recebido não porque fosse declarado inocente, mas exatamente para deixar ser exibido como troféu de guerrilheiro às forças de esquerda do Brasil. Para eles, não interessava um inocente perseguido, mas o combatente da liberdade. Lula e seu partido me apoiaram por isso. De toda forma, não se dá refúgio apenas aos inocentes.
...'Se Lula e o PT não tivessem comido tudo, se não tivessem feito acordo com todo o lixo do centrão, o povo brasileiro não teria desistido para correr atrás de Bolsonaro'".
Algo que poderia ter colocado Ferraz no caminho certo seria saber –como Battisti sabia e preferiu omitir, e como nós do Comitê de Solidariedade sabíamos e foi um dado importantíssimo para nortear a nossa atuação–  que o Lula JAMAIS quis tomar a decisão que tomou.

Durante a sua trajetória sindical Lula sempre foi, no máximo, um reformista que acreditava em obter pequenas melhoras para sua categoria dentro do capitalismo e nem de longe pretendia conduzir o proletariado ao poder por meio de uma revolução.
Causou pasmo e indignação a escolha do
carrasco do Pinheirinho para vice do Lula

Só mudou quando Leonel Brizola, voltando do exílio como herói, partiu para a formação do seu partido.

Percebendo que, se não criassem uma agremiação concorrente, o gaúcho acabaria estendendo sua influência também para o movimento sindical, os sindicalistas do ABC foram obrigados a negociar com a esquerda católica e quadros remanescentes da luta armada uma composição de forças para viabilizar o PT nacionalmente. Sem isto, ficariam restritos quase que somente a São Paulo.

Objetivo atingido, a ala majoritária do PT passou a livrar-se dos indesejados companheiros de viagem, processo que acentuou-se quando a rejeição da emenda das diretas-já decepcionou profundamente os que tentavam acelerar o ritmo da redemocratização. Com José Sarney, filhote da ditadura, ascendendo ao poder, a burguesia conseguiu ditar tal rimo, evitando, p. ex., que a remoção dos entulhos autoritários tivesse a abrangência  necessária.  

Lula foi um dos dirigentes petistas que, aproveitando o refluxo revolucionário, pressionaram fortemente o partido para deflagrar aquela vergonhosa caça às bruxas por meio da qual o PT expeliu uma infinidade de tendências de esquerda. As que sobreviveram à década de 1980 foram espirrando nas seguintes.

Enquanto isto, as portas do partido eram escancaradas para os meros carreiristas, que só o inflaram e tornaram flácido, mas tinham a vantagem de contribuir alegremente para a desideologização do PT.

Mesmo assim, a resistência à direitização continuou pipocando dentro do partido, além de avolumar-se em momentos impactantes como  a campanha presidencial de 1989 (a do Lula-lá) e o ForaCollor.
Foi das mais traumáticas a expulsão do PT, em
1992, da combativa Convergência Socialista
 
Em 2002, Lula decerto deveria estar acreditando que conseguira finalmente domesticar o PT, dada a facilidade com que fora engolida sua Carta ao Povo Brasileiro, por meio da qual prestou vassalagem à classe dominante, comprometendo-se a presidir o Brasil com obediência estrita aos ditames do poder econômico.  

Caso Battisti, contudo, o fez perceber que nem tudo estava dominado, pois dirigentes importantes como o Gilberto Carvalho e o Zé Dirceu se opuseram firmemente à capitulação diante das arrogantes exigências italianas. 

Tendo pela frente a perspectiva de passar quatro anos fora do poder, Lula não poderia, além de tudo, queimar seu filme com expoentes da velha guarda do partido. Então, saiu pela tangente: mandou recado ao presidente do STF, Gilmar Mendes, de que consentiria na extradição do Cesare caso o Supremo desse sozinho xeque-mate na questão; mas que, se a decisão final coubesse a ele, Lula, não extraditaria.

O resto é História: os esforços desesperados do Comitê de Solidariedade para que, na votação mais importante de todas,  o placar contrário por 5x4 se tornasse 5x4 em nosso favor; e a determinação do ministro Ayres Britto de não acompanhar mais o bloco até então dominante, pois fazia questão de manter-se coerente com sua convicção de que a última palavra em extradições cabe ao presidente da República, até porque a manifestara em várias outras ocasiões.

O julgamento ocorreu em novembro/2018, o acórdão só foi publicado em abril/2019, mas Lula preferiu esperar as eleições de outubro terminarem para dar sua decisão, temendo que Dilma sofresse prejuízos nas urnas.

Passou novembro, passou dezembro quase inteiro e, só no último dia de seu mandato, a decisão do Lula foi publicada no Diário Oficial da União
Libertado em 2011. Mas, os inquisidores não desistiram

Circulou nos bastidores a versão de que Lula estava a sair de fininho, deixando o abacaxi para a Dilma descascar (ela já antecipara que entregaria Battisti ao Berlusconi), mas um dirigente importante deu o alarme e um texto qualquer teria sido retirado do DOU para que o espaço fosse preenchido pelo que ficara faltando. 

Não tenho como provar, mas tal atitude do Lula seria na mesma linha de todas as outras.

BOLSONARO CANALHA, GABEIRA OBCECADO PELO PODER E BARROSO NOTA 10 – Sobre o ex-deputado Fernando Gabeira, Battisti lembra que foi seu primeiro contato quando desembarcou no Brasil em 2004, fugido da França. 

Eis trechos do depoimento que deu por escrito ao Ferraz:
"Eu lamentava por ele não ter me aconselhado bem. Enquanto eu queria me entregar às autoridades para pedir refúgio, ele dizia que não era o caso e assim eu fiquei semiclandestino de 2004 a 2007 [Depois Battisti concluiu que teria sido melhor entregar-se antes que o prendessem].  
Acredito que no passado Gabeira foi um bom político e um amigo, mas ele também foi devorado pelo jogo do poder. 
Quando o Gabeira foi candidato no Rio por uma coalizão de direita, aconselharam ele a me renegar (a mesma história de Lula)".
"aconselharam ele a me renegar"
Finalmente, diz Ferraz que o Cesare continua interessado nos acontecimentos brasileiros: 
"...expressou temor com a possibilidade de atos de violência nas eleições por parte de milícias bolsonaristas, em especial ao ler sobre a proliferação de armas no Brasil e sobre o crescente apoio dos militares aos projetos antidemocráticos de Bolsonaro. 
'Me dói ler e ouvir o que acontece nesse grande país. Por raiva, alguém pode dizer: ‘vocês votaram no fascista, agora aguentem’. Mas sabemos que isso é uma idiotice. No desespero, o povo torna-se manipulável e cego. Temo que para colocar fora do jogo esse canalha ocorrerá uma desgraça'".
Finalmente, os mais rasgados elogios de Battisti foram para seu ex-advogado Luís Roberto Barroso:
"Ele tem uma dignidade e ética raras. Nunca deu um passo para trás, nem mesmo sob ameaça do Senado no momento de sua nomeação para o STF. É democrático e um progressista por convicção. Ele ficou profundamente decepcionado com as falsas promessas do PT e de Lula, promessas que viraram jogos de poder".
Não tive convivência suficiente com o Barroso para formar uma opinião sobre ele como pessoa. Representou muito bem seu papel como advogado, mas, assistindo àquelas sessões de cabo a rabo e tomando conhecimento de um pouco do que rolava nos bastidores, minha conclusão foi a de que nenhum dos participantes daquele espetáculo convencia outro com sua oratória na sessão. 

Aquilo não passa de um espaço cênico e o que realmente importa era tratado alhures. 

Muito mais peso têm as articulações de bastidores, o que eles combinam entre si antes de entrarem no palco.
 (por Celso Lungaretti

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