Não foi apenas a minha certeza de que os trabalhadores jamais irão para o paraíso (nem sequer terão uma existência compatível com sua dignidade de seres humanos) enquanto estiverem submetidos à exploração do homem pelo homem, convicção norteadora de toda a minha trajetória política neste mais de meio século de tentativas, acertos e erros nas lutas tão desiguais quanto sofridas que optei por travar, o motivo da decisão de desfiliar-me do Partido Sol e Liberdade, concretizada no mês passado.
Houve quem imaginasse que, aos 71 anos, eu estaria sentindo o peso da idade e me conformando com a ideia de deixar o campo de batalha. Nada é mais equivocado!
Em 2012, depois de uma decepcionante candidatura a vereador de São Paulo, concluí que era inútil a minha insistência em plantar sementes da revolução em partidos obcecados com a conquista de poder dentro da sociedade capitalista, então passei a apenas transmitir minhas análises e as lições de minha militância por meio dos posts no blog Náufrago da Utopia e dos artigos que espalhava nas redes sociais.
Não chegava a ser propriamente um repouso do guerreiro, mas, digamos, uma semi-aposentadoria. Morri de vontade de participar dos protestos de junho de 2013 mas, confesso, temi passar vergonha caso a dificuldade de movimentação que estava tendo me tornasse uma preocupação para os companheiros, atrapalhando-os quando tinham mais é de ocupar-se do confronto com a repressão democrática dos governadores e Judiciário de vários estados, inclusive de São Paulo.
Mas, aquele momento foi um divisor de água entre um Partido dos Trabalhadores que, apesar da carta de capitulação do Lula ao grande capital em 2002, ainda não se assumira totalmente como mais um agrupamento comprometido com a manutenção da ordem sob o capitalismo, mera força auxiliar da dominação burguesa.
A partir daquelas jornadas, até uma fascistoide Lei Antiterrorismo o PT passou a endossar e, pelas mãos da gerentona trapalhona, sancionar.
Nos anos seguintes, amarguei a minha impotência em mudar o rumo dos acontecimentos apenas com meus textos, embora tenha previsto com grande antecedência cada etapa do percurso do PT rumo ao abismo, arrastando a esquerda brasileira consigo e criando as condições ideais para a volta da direita ao poder. Senti-me como a Cassandra troiana, cujas advertências não eram levadas a sério embora fossem antevisões perfeitas dos desastres anunciados.
Então, neste ano de 2022 em que se decide o futuro do Brasil em curto e médio prazos, resolvi sair da minha zona de conforto e somar forças com os militantes da legenda mais afim de minha visão política que identifiquei no espectro da esquerda brasileira: o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado.
Encontrei no programa do PSTU posições que defendo há décadas, como:
— a impossibilidade de superarmos o capitalismo "através de acordos com a burguesia ou através das instituições deste sistema, deste Estado, desta democracia dos ricos e muito menos de uma ditadura militar";
— a inevitabilidade do desvirtuamento dos propósitos marxistas quando se tenta construir o socialismo em países isolados, motivo pelo qual tais regimes acabam sempre encaminhando-se para uma volta ao capitalismo ou para o autoritarismo das nomenklaturas, às vezes até para o pior dos mundos possíveis (a retomada capitalista sob ditadura do partido único, como na China);
— o imperativo, portanto, do internacionalismo revolucionário ("Para nós o socialismo será mundial ou não será. Por isso, o PSTU é parte de uma organização revolucionária mundial, a Liga Internacional dos Trabalhadores"); e
— o fato de que a barreira da necessidade já foi transposta e as forças produtivas estão suficientemente desenvolvidas, em escala mundial, para que se possa proporcionar tudo de que cada habitante de cada nação carece para uma existência gratificante e plena, o que só não ocorre porque a prioridade máxima sob o capitalismo é o lucro e não o bem comum ("...nunca se produziu tanta riqueza, conhecimento cientifico, inovação tecnológica como vemos nos dias atuais. No entanto, no capitalismo, nada disso está a serviço de melhorar a vida da população. Tudo está a serviço do lucro cada vez maior, de um pequeno grupo –cada vez menor– de banqueiros e grandes empresários que controlam a economia em todo o planeta").
Há algumas diversidades de ênfase, mas elas são até complementares. Como, p. ex., a visão que eu e o companheiro Dalton Rosado temos de que as contradições econômicas sob o capitalismo estão chegando ao ponto de ruptura, o que tende a provocar instabilidade e turbulências de país a país, propiciando oportunidades para os que forem capazes de apontar rumos ao povo em meio ao caos (a abertura de janelas revolucionárias).
Mas, como venho enfatizando desde 2013, é preciso existirem militantes capazes de interpretarem corretamente tais acontecimentos e discernirem quais os passos adiante que devem ser propostos aos manifestantes.
Vejo o PSTU como o partido mais consciente da necessidade de formarmos quadros à altura dos grandes momentos, evitando que eles se esgotem sob a liderança bem intencionada mas inexperiente de qualquer Sininho (a Elisa Quadros, contudo, foi abandonada à sanha policial e jurídica do inimigo, o que deve ser lembrado como um motivo de enorme vergonha para todos nós!).
Daí o papel destacado do PSTU nos esforços para a construção, de baixo para cima, do Polo Socialista Revolucionário, um ponto de convergência dos militantes de várias origens que se desiludiram com o reformismo ora predominante na esquerda brasileira e veem a necessidade de voltarmos a encarar as eleições de cartas marcadas da democracia burguesa como uma ferramenta tática para a divulgação de nossas bandeiras e acumulação de forças, mas não –jamais!– como objetivo estratégico.
Tal união em torno de nossos objetivos maiores é algo com que sonho desde o ano terrível de 1969, quando o terrorismo de estado impunha severas perdas aos grupos que travávamos a luta armada e, a cada dia, tínhamos conhecimento de novas quedas ou assassinatos de companheiros queridos.
Para reagir às investidas de um inimigo extremamente superior a nós em efetivos e recursos, começamos a juntar quadros de várias organizações para viabilizarmos aquelas ações mais ousadas que nenhuma delas conseguia mais executar isoladamente. E eu ficava matutando de como teria sido bom se houvéssemos colaborado com tal desprendimento, sem mesquinhez, antes de chegarmos às portas da derrota.
Fico comovido ao ver que, desta vez, espírito semelhante está surgindo numa situação bem menos trágica. Algo aprendemos, afinal, e isto me enche de esperanças!
A luta continua (Celso Lungaretti)
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