dalton rosado
A ESTAGFLAÇÃO AQUI E ALHURES
"Essa discussão de trazer a inflação para mais perto da meta e, eventualmente, a meta um pouco mais para baixo, parece firula teórica, mas não é. É um ingrediente para baixar as taxas de juros reais" (Joaquim Levy, o neoliberal de estimação da ex-presidente Dilma Rousseff)
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Vivemos, no Brasil, uma crise de demanda de mercadorias e serviços, e não uma crise de oferta destas destes, pois:
— há, ainda, muita mercadoria nas prateleiras dos supermercados;
— há mãos ociosas de gente apta ao trabalho, mas que não encontra emprego por causa do desemprego estrutural;
— há cada vez mais lojas fechadas (até porque o delivery, entregas a domicílio de pedidos por aplicativos, está na ordem do dia);
— há residências fechadas e aumentou o número de moradores de rua;
— há terras abundantes neste país de baixa densidade demográfica, mas há quem more em palafitas e abundam as favelas na meca do capitalismo brasileiro (o frio hoje está matando sem-teto em pleno Sul Maravilha!);
— é estável a produção de energia, uma vez que as chuvas intensas fizeram aumentar a produção de energia hidráulica, mas a demanda caiu e a conta de luz encareceu;
— os postos de gasolina têm os seus tanques cheios e esperam novas altas do preço para manterem seus lucros intactos apesar de as vendas estarem caindo;
— com a pandemia aumentaram as doenças psíquicas e sequelas físicas, mas falta dinheiro para muitos e muitos brasileiros comprarem os medicamentos disponíveis nas drogarias e farmácias;
— o capital está desempregado por falta de sua capacidade de reprodução na tradicional fórmula D-M-D+, ao mesmo tempo em que os juros estão altos, o que evidencia o emperramento da máquina capitalista e sua anemia orgânica (mais um exemplo flagrante da contradição irresolúvel entre forma e conteúdo, geradora de efeitos especulativos concentradores de renda), etc.
A estagflação é o pior dos mundos no capitalismo, pois representa a contradição entre produção de mercadorias e consumo destas, decorrente de incapacidade de aquisição por falta de renda, ao mesmo tempo em que sobem os preços (não os valores) apesar da abundância de ofertas invalidando a tese capitalista da lei da oferta e da procura como regulação do mercado.
Os efeitos colaterais na estagflação são enormes. Quando tal fenômeno é estrutural (ou seja, quando ocorre generalizadamente numa economia globalizada, como agora acontece), os mecanismos de salvação são escassos e os meios artificiais, como a emissão de mais moeda sem lastro, causam ainda mais inflação.
Já não há possibilidade e confiabilidade de investimentos a juros altos por parte dos países ditos ricos (como ocorriam no passado, quando do ilusório milagre brasileiro de fôlego curto). Nossa economia está claudicante e a inflação acumulada no IPCA alcançou a marca de 12,13% nos 12 últimos meses.
Vemos hoje que os Estados Unidos, país detentor e emissor da moeda padrão internacional, o dólar, amarga uma pesada inflação acumulada nos 12 últimos meses de 8%, algo que não sucedia desde 1981.
Na União Europeia ocorre o mesmo fenômeno, com inflação acumulada de 7,4% nos últimos 12 meses, o que denuncia que na casa do padeiro está faltando meios de equalização de preços e de consumo, o que delimita a produção do pão.
Não se produz o que não se vende, daí a perigosa (para o capitalismo e sua ordem ditatorial) conjugação da crise de demanda com uma crise de oferta; caso seja prolongada, tal crise representará o fim da linha para o sistema de exploração do homem pelo homem. Isto, vale dizer, parece já estar acontecendo!)
Os efeitos colaterais da estagflação se espraiam pelo corpo capitalista inteiro, começando pela redução real (descontada a inflação) da arrecadação de impostos, o que resulta numa priorização do direcionamento das receitas fiscais para aquilo que é a função principal do Estado: manter o capitalismo vivo. Só que, aí, as demandas sociais vão para as calendas gregas e o povo sofre ainda mais.
Decorrente da paralisia da economia, ou da sua redução drástica, vem a necessidade de um endividamento público com a venda de títulos. Com isto, aumenta a dívida e os juros desta, prenunciando um calote nos rentistas mundo afora e a quebra do sistema financeiro (que se configurará como uma hecatombe monetária sem precedentes).
Por seu turno, tão grave quanto o aumento da dívida e dos juros desta, é a necessária emissão de moeda sem lastro (como último recurso de um doente terminal que se sustenta por aparelhos), o que provoca ainda mais inflação, numa espiral de problemas econômico-financeiros próprios ao atingimento do limite interno de um modelo de relação social que encontrou o seu ocaso histórico, obrigando-nos a buscar soluções alternativas fora da sua lógica subtrativa e segregacionista.
Mas, é à população que a estagflação mostra a sua mais cruel carantonha.
Sem alternativa de sobrevivência dentro dos parâmetros que lhe são oferecidos (acordar, trabalhar, ganhar dinheiro, pagar impostos, enriquecer os detentores e administradores do capital promovendo sua acumulação autotélica) por conta de lhe faltarem condições para seguir o script que lhe foi desenhado, o ser humano pode tender perigosamente para a barbárie.
Afinal, quando não se tem alternativa de solução da equação de um problema por falta de pressuposto lógico para a sua solução, a alternativa é denunciar a incorreção do enunciado e a impossibilidade de solução dentro dos parâmetros oferecidos.
Há que se raciocinar fora da caixa e colocar o ovo de pé, mesmo quebrando a sua base, como fez Cristóvão Colombo. (por Dalton Rosado)
Dalton detona a lógica assassina do capitalismo em prosa e versos
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