domingo, 23 de janeiro de 2022

A DEMOCRACIA BURGUESA É UMA ARAPUCA PARA O EMBOTAMENTO DO PENSAR

dalton rosado
A SOBERANIA DA VONTADE
V
ocê não dispõe de verdadeira soberania da vontade quando a sua escolha se dá dentre aquilo que já foi antes escolhido e você é tangido a legitimar tal escolha prévia. 

A política, sob a égide do capital, é uma farsa democrática: o eleitor fica como alguém que, estando em São Paulo e querendo ir para o Rio de Janeiro, toma a estrada de Santos e, quanto mais se esmera na condução do veículo, mais se afasta do seu objetivo. 

Para todos, principalmente para o Poder Judiciário, a ordem jurídica constitucional é o santo graal da vontade (pretensamente soberana) do povo, a qual deve ser respeitada incondicionalmente. É tida como a verdade imutável e a expressão da busca da realização do ideal de justiça e do justo.  

Ora, todos sabemos como é que são escolhidos os parlamentares constituintes que, hipoteticamente, representam a vontade do povo nesta função legislativa delegada. 

Uma vez constituída a Assembleia Constituinte, com inevitável maioria absoluta de parlamentares ligados aos grandes grupos de hegemonia econômica, começa o jogo de pressões que terminam por formatar um texto constitucional sob a lógica da mediação social pela forma-valor (dinheiro e mercadorias), que é quem dita o norte referencial da feitura das leis fundamentais, as quais balizam todo o ordenamento jurídico do país. 

É exatamente neste texto constitucional que se estrutura o poder jurídico-político da ordem capitalista, cujas leis eleitorais que enquadram o indivíduo social, transformado em cidadão pelo republicanismo capitalista, como um ser jurídico obrigado a legitimar a ordem social que o explora. 

Os trabalhadores, vítimas dos baixos salários, dos impostos que lhe são cobrados na compra de qualquer mercadoria e do desemprego estrutural que lhes tira qualquer possibilidade de barganha por melhora salarial, não são os únicos que sofrem na sociedade capitalista. 

Igualmente sofrem os pequenos capitalistas, que concorrem com os tubarões do mercado neste momento de depressão causado pelo atingimento do limite interno e externo de expansão do capitalismo.

Eles suportam a pressão da luta pela sobrevivência empresarial num regime concorrencial de mercado que lhes é profundamente desfavorável, vendo-se obrigados a cumprir as leis legiferadas sob o pálio de um ideal de justiça, conforto e comodidade jamais atingidas, pois as promessas de desenvolvimento econômico e prosperidade social, sob o atual capitalismo agônico, são meras quimeras .  

O exigente fiscal do Estado, que conscienciosamente zela cumprimento das normas legais sanitárias, salariais, fiscais, ecológicas, etc., é visto pelo pequeno comerciante como um agente opressor de uma estrutura de poder que também o massacra. Mas é o fetiche de se tornar um grande capitalista hegemônico que o move, pois ignora quão estreita é a porta do Céu.

A farsa da democracia, sob o capital, é uma arapuca destinada a prender os incautos eleitores numa jaula de embotamento do pensar.

Por sua vez, o governante eleito, ainda que tenha pretensões revolucionárias de subversão da ordem capitalista por dentro, logo se apercebe que está previamente enquadrado numa estrutura na qual, tal como um surfista que apenas se equilibra numa onda sem modificá-la, ele também precisa equilibrar-se no exercício do governo originário do um poder político decrépito, e beijar a mão do capeta para sobreviver politicamente. 
Não é por menos que
Boçalnaro, o ignaro, do alto de seu primarismo político, nada de aproveitável tendo aprendido ao parasitar o Legislativo por três décadas, surpreendeu-se com os muitos empecilhos existentes às suas pretensões totalitários. E admitiu estar constatando que tinha menos poder do que supunha que teria. 

Como militar que equivocadamente se supõe poderoso por ter o direito de portar armas, o genocida não compreende que o capitalismo, por ele defendido como fiel escudeiro, é o mesmo que limita sua soberania de vontade quando ela discrepa das ações políticas imanentes à preservação do escravismo social sob a lógica do capital. 

Vale aqui lembrar uma das definições lapidares do grande Bertold Brecht: 
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas".
O conceito se aplica ao eleitor iletrado, iludido, mas não devemos ter a mesma benevolência com o eleitor do voto pretensamente útil, que o exerce votando no ruim para evitar o pior.

O eleitor analfabeto sente que o seu salário (isto quando não está desempregado) é um cobertor curto, incapaz de suprir suas necessidades de consumo; sabe o preço de tudo e constata sua incapacidade de compra no famigerado mercado; mas ignora que seu alheamento crítico sobre a essência dos acontecimentos políticos e do seu papel legitimador da estrutura sócio econômica-jurídica-política é a causa de sua tragédia social. 

Analfabeto político é quem vota na esperança de que o novo governante, que tudo prometera na campanha eleitoral, possa cumprir as suas promessas; então, a cada ciclo eleitoral, volta a adotar um procedimento amnésico, acreditando de novo em promessas vãs.  

Tenho ouvido de muita gente tida como politicamente consciente a seguinte frase: 
"Já me decepcionei com a esquerda no governo; mas vou votar nela novamente, e pressionar o governo eleito, para que atue como oposição a qualquer decisão anti-povo. Minha escolha se prende a evitar um mal maior, como a direita no poder!".
Tal raciocínio, advindo do segmento letrado e formador de opinião, é covarde. Deriva do medo do que é revolucionário, mas desconhecido; de um sentimento de impotência diante da força aparentemente avassaladora do capital opressor e do seu Estado; e em alguns casos (muitos deles), de um comodismo pequeno-burguês. 

O povo massacrado, que situa-se nos estratos sociais mais sofridos da sociedade do capital e se constitui na grande maioria da população, ainda que não tenha nada a perder porque nada possui, não tem consciência sobre a essência do mal que o aflige, atribuindo o seu infortúnio a uma culpa interior que secularmente lhe disseram existir (preguiça, analfabetismo, burrice, alcoolismo, ancestralidade racial, etc.) e aceitando passivamente a carga pesada que lhe colocaram nas costas. 

O grande desafio a ser enfrentado neste início de milênio é adquirirmos uma soberania de vontade capaz de subverter e superar in totum a ordem sócio-política decadente do capital. (por Dalton Rosado)
Toda a equipe deste blog se associa ao
tributo prestado pelo Dalton à Elza Soares

2 comentários:

SF disse...

**
O lindo da crítica é que ela aponta para a ideia.
Qual ideia?
A ideia de perfeição.
Ao apontar i imperfeito supõe-se implicitamente o perfeito.
Isso é tácito.
Lógico.
Axiomático.
Ocorre que já tentei dizer o que seria esta perfeição e falhei.
Vivi buscando quem a descrevesse, achando que era deficiência minha.
Debalde.
Alguém aceita o desafio de descrever o perfeito?
***
Este é o verdadeiro desafio.
***
Assusta-me o que virá dos soberanos da vontade em subverter a ordem imperfeita que aí está.
Porque perfeitos sei que eles não são.
A experiência mostra que criarão alguma coisa normatizada e opressiva.
Uma nova distopia.
***
Plantei um pé de Rambutan (Nephelium lappaceum) faz mais de oito anos.
Só este ano vi quatro frutos desse Rambutanzeiro.
Sua linda cor escarlate.
Foram necessários um pouco de zelo e paciência para ver esses frutos.
Nem parecia que eles viriam.
***
Como disse, busquei sinceramente pelo menos conceber a ideia de perfeição.
Até que deparei-me com a definição da circunferência.
Ninguém nunca viu uma, mas temos a ideia dela.
Ou o cubo. Nunca vimos um em suas três dimensões. Nossa visão é bidimensional. Mas temos a ideia dele, tateando.
Geômetras e matemáticos com sua linguagem pacífica e universal propõe um discurso muito humilde.
Insubversivo.
Pequeno burguês como diria o Dalton.
Mas que tem futuro.
***
É o futuro, aliás.
***

celsolungaretti disse...

Caro SF,

não devemos nos assustar com a perspectiva do novo. É bem melhor erarmos por nós mesmos do que deixarmos que os outros errem por nós. A nossa imperfeição somente pode ser minimizada quando percebermos que não podemos transferir para ninguém a culpa dos nossos infortúnios.

Quando tivermos uma sociedade gerida por uma lógica de produção social que não seja subtrativa na sua origem constitutiva, como ocorre com o capitalismo, será mais fácil detectarmos o aonde, o quando e o porquê dos nossos próprios erros, sem transferência de responsabilidades. Com a permanente correção de rumos estaremos mais pertos da perfeição, que sei jamais será atingida.

Estava sentindo falta dos seus comentários; é da dúvida que se extrai a correção de rumos.

Um abraço, Dalton Rosado.

Related Posts with Thumbnails