demétrio magnoli
ESQUERDA UNIVERSITÁRIA
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Mágica besta: agora o mundo todo passou a ver os pais fundadores dos EUA como senhores de escravos... |
O banimento derivou da pressão do grupo de legisladores negros e latinos, que pertencem ao Partido Democrata. O degredo de Jefferson explica a força política de Trump.
A revista The Economist acaba de publicar um gráfico construído por Gethin et al. que sintetiza a mudança nos padrões de voto segundo o nível educacional dos eleitores entre 1950 e 2010.
Em 5 das 6 democracias analisadas (EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Nova Zelândia), verifica-se uma tendência histórica implacável: o deslocamento para a esquerda dos mais escolarizados e um deslocamento simétrico dos menos escolarizados. O Canadá figura como exceção parcial à regra, mas apenas porque sua esquerda sempre teve sólidas bases na classe média urbana.
No passado, entre as décadas de 1950 e 1970, os partidos de esquerda e centro-esquerda controlavam majoritariamente o voto da população de menor nível educacional –ou seja, da classe trabalhadora.
Por outro lado, os partidos de centro-direita e direita venciam largamente entre as camadas de maior escolaridade –ou seja, na classe média e na elite. O padrão inverteu-se na década de 1990 e continua a infletir em curva acentuada: o diploma universitário tornou-se o maior indicador estatístico do voto à esquerda.
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Já existia "cancelamento" na URSS de Stalin: personagens eram apagados das fotos históricas, como Trotsky desta aqui |
Suspeito que a raiz da reversão encontre-se na resposta formulada pela esquerda à queda do Muro de Berlim. Confrontados com o avanço das políticas econômicas liberais, os partidos à esquerda fugiram do campo de batalha central, entrincheirando-se às suas margens, nas agendas identitárias e de valores.
Nos EUA, os democratas redefiniram-se como partido das minorias e adotaram as pautas identitárias oriundas do meio universitário. Na Europa, os social-democratas e seus concorrentes mais à esquerda concentraram-se em temas como os direitos das mulheres, da comunidade LGBT e dos imigrantes. As correntes populistas de direita aproveitaram a oportunidade histórica, apostando nos ressentimentos dos órfãos da globalização.
A esquerda enxerga a política através das lentes de seus novos dogmas –e, nesse passo, revela-se incapaz de decifrar suas derrotas.
Trump não venceu por entoar o hino God, guns, gays, mas por iludir os brancos sem diploma universitário com a canção de ninar do nacionalismo econômico.
A direita nacionalista europeia não se nutre de um suposto ódio atávico aos estrangeiros, mas da falsa conexão entre imigração e desemprego.
"É a economia, estúpido!": o populismo de direita ocupou cidadelas desertas, abandonadas por uma esquerda que decidiu fechar-se num gueto, dialogando exclusivamente no interior de bolhas culturais.
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Lula sempre gostou de ser comparado a Vargas, cuja ditadura foi quase tão bestial quanto a dos generais |
O Brasil não se encaixa no gráfico dos deslocamentos eleitorais. O PT resistiu às intempéries porque –ao contrário do PSOL– só adotou as pautas identitárias como adereços secundários, usados em dias festivos.
Sob o timão de Lula, persistiu no discurso do Estado-Protetor, agarrando-se aos estandartes do populismo econômico. O lulopetismo nunca confessará, mas sabe que a derrota de 2018 derivou da recessão provocada pelo governo Dilma, não da guerra cultural primitiva deflagrada pelo olavo-bolsonarismo.
Os democratas exilaram a estátua de Jefferson. O PT ajoelha-se diante da estátua de Vargas. (por Demétrio Magnoli)
TOQUE DO EDITOR – Ao contrário da maioria dos blogueiros de esquerda, prefiro mil vezes publicar um artigo com vários pontos questionáveis, que convide à reflexão, do que meros textos ecumênicos que se limitam a reiterar os clichês esquerdistas em voga naquele momento.
O Magnoli é um bom exemplo: os que preferem simplesmente cancelá-lo perdem uma ótima oportunidade para exercitar o raciocínio crítico.
Reduzindo-se a um clubinho de maria-vai-com-as-outras, a esquerda perde a própria razão de ser. Definha e morre.
Morre como morreu o PT, enquanto força transformadora da sociedade, no exato instante em que, direcionado pelo timão do Lula, passou a renegar 1968 e o pós-1968. Ou seja, quando tomou definitivamente o rumo do passado, acabando por ajoelhar-se diante da estátua de Vargas ao tentar exumar o nacional-desenvolvimentismo no catastrófico primeiro mandato da Dilma...
Continua, claro, sendo uma postura melhor do que a da extrema-direita bolsonarista, que se ajoelha diante de Plínio Salgado, Filinto Müller, Brilhante Ustra e, às vezes, recua tanto no tempo que cai no colo do Torquemada.
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Não será exagero atirar sobre os identitários tanta culpa pela entrada em cena de uma ultradireita populista? |
De resto, exatamente para que o artigo do Magnoli cumpra o papel de estímulo à reflexão, não publicarei agora minhas considerações a respeito dele. E espero que na próxima semana, quando puser mãos à obra, não seja o único a fazê-lo... (por Celso Lungaretti)
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