terça-feira, 20 de abril de 2021

MARX FOI TRAÍDO PELOS MARXISTAS

dalton rosado
É NOSSO PAPEL ADMINISTRAR A CRISE DO CAPITALISMO?
A
falência estatal, que não foi causada mas sim agravada pela quarentena social mundial, é a prova da dependência submissa do Estado à economia e, por consequência, da sua condição de instrumento auxiliar indispensável à segregação social que lhe é implícita. 

Impõe-se, portanto, a conclusão de que quem se opõe ao capitalismo, e não quer apenas humanizá-lo por caridade social parcial ou oportunismo político, não deve administrar a sua crise político-estatal conexa à debacle de sua forma de relação social em colapso funcional. 

Os marxistas tradicionais, aliados da luta de classes, posicionando-se em prol dos trabalhadores, mas sem questionarem o instrumento de base da existência das classes sociais (ou seja, sem questionarem a própria condição dos trabalhadores abstratos produtores de valor pela via da produção de mercadorias), estavam equivocados. 

Ao invés de condenarem a condição de trabalhadores assalariados, produtores da riqueza abstrata expressa em valor (dinheiro e mercadorias, daí o termo trabalho abstrato), exaltaram a figura do trabalhador como móvel irreversível da revolução socialista que levaria a classe operária ao paraíso. 

Hoje os trabalhadores desempregados pressionam mais que os empregados, pois estes perderam força reivindicatória e mendigam por empregos e salários, ou seja, humildemente rogam por um pouco mais de escravização pelo salário. 

O que se viu, e não poderia ser diferente, é que, após cumprida a etapa do desenvolvimento capitalista estatal retardatário intramuros, os países ditos socialistas fecharam as fronteiras para se protegerem da dominação mercantil externa, mais desenvolvida, e o Estado passou a ser o único patrão extrator de mais-valia. 

Tal paliativo deu certo inicialmente, apesar do comportamento stalinista ou maoísta de verdade absoluta unilateral + injustiças e mortes contra dissidentes; depois, contudo, eles foram obrigados a abrir suas fronteiras, como neocapitalistas dispostos ao confronto épico de mercado. 

Apesar de se dizerem marxistas, deixaram de cumprir os ensinamentos do velho barbudo, que vaticinava a inviabilidade das relações capitalistas por seus próprios fundamentos e contradições, devendo, portanto, as relações de produção caminharem para a extinção das categorias capitalistas (dentre, estas, principalmente, a superação do Estado e do trabalho assalariado, por ele denominado de abstrato, por razões óbvias). 

Na verdade Marx foi traído pelos ditos marxistas, que mais não foram do que capitalistas de Estado, e como tais, traidores da própria classe explorada que diziam defender. A foice e o martelo, que entraram nas bandeiras ditas comunistas como símbolos do trabalho, incensavam o trabalhador abstrato, omitindo que o próprio Marx propugnava por sua própria superação enquanto tal.

[Hitler também louvava os trabalhadores e o trabalho abstrato, daí o dístico na entrada dos campos de concentração: Arbeit macht frei, ou seja, O trabalho liberta!!!).  

O que são a Rússia e a China senão Estados capitalistas alicerçados sobre formatações políticas ditatoriais e fadadas à falência, tanto no aspecto político como econômico, junta e concomitantemente aos seus aliados econômicos do ocidente, com quem interagem e disputam a hegemonia de mercado. 

[Como, aliás o fazem todos os empresários do mundo capitalista, num processo autofágico aparentemente interminável, mas destrutivo socialmente e autodestrutivo da própria forma no longo prazo.] 

A verdade é que estamos chegando ao fim da linha. A queda do muro de Berlim, que foi entendida como o fim do comunismo e o apogeu definitivo do capitalismo, sinalizou justamente o contrário.

Alguém duvida de que os Estados nacionais estejam (todos) falidos, aí incluídas as esferas estatais de sobcontroles administrativos de regulamentações como os estados-membros e as prefeituras municipais? 

Já não há mais produção de valor válido (advindo da chamada economia real, produtora e comercializadora de mercadorias) que propicie ao Estado o cumprimento das suas funções estratégicas capitalistas, ainda que justifiquem tais funções com o cada vez mais precário atendimento de demandas sociais básicas (saúde e educação).

A emissão de dinheiro sem valor tem prazo de validade estabelecido, e que está próximo do vencimento...    
O povo, iludido, clama pela presença do Estado pretensamente salvador, sem compreender que quem come do meu pirão, prova do meu cinturão, como ameaçavam os senhores de escravos. 

O corononavírus, ao tornar necessário o isolamento social a contragosto dos governantes e produtores e comerciantes de mercadorias, que não admitem formas alternativas de produção e abastecimento, expôs e antecipou algo que já vinha se delineando desde a década de 1970, com a 3ª revolução industrial, a da microeletrônica: a mediação da forma social capitalista se contrapôs definitivamente ao conteúdo social de sua própria forma e está a nos impor dialeticamente um novo modo de produção e de organização jurídico-constitucional. 

Estou escrevendo este artigo no Dia do Índio (19 de abril) E nada mais elucidativo e didático daquilo que estamos expondo do que o choque cultural entre aqueles homens e mulheres que, no dizer de Pero Vaz de Caminha, eram tão formosos que não pode mais ser e sem nenhuma coisa que lhes cobrisse suas vergonhas (partes pudendas).

Podemos perfeitamente estabelecer uma analogia entre o ano de 1500, quando os ameríndios viram chegar do mar um barco gigantesco com aquelas pessoas trajadas de forma estranha e cheias de escorbuto, as quais, por sua vez, os consideravam como semi-humanos, quase animais.
A analogia se adequa ao estranhamento comum aos diferenciamentos grupais. Atualmente, há: 
— de um lado, quem diga que, "ao invés de negar o capitalismo e seu aparelho de Estado, devemos recusar a administração da sua falência, ao mesmo tempo em que nos cabe denunciar a sua obsolescência, juntamente com a de todas as suas instituições"
— do outro lado, quem diga que "só a política e as eleições democráticas podem nos salvar da ditadura que é o seu oposto"; e,
— ainda, quem diga que "só uma ditadura militar pode pôr ordem na casa".

Não! Democracia burguesa não é o único contraponto à ditadura política militar ou eletiva (tais como a de Hitler e a que Boçalnaro, o ignaro, gostaria de instituir); a ditadura econômica não é o oposto da ditadura política; e o mercado não é a única forma de vida social possível. 

È neste sentido que o voto nulo representa uma alternativa sensata, verdadeiramente emancipacionista, que visa questionar o que está posto politica e economicamente, e não uma postura de inocentes úteis aproveitada utilitariamente pelos que querem calar o povo, como dizem seus antagonistas. 

Que a direita queira administrar o espólio falimentar dos seus aparelhos de Estado e preservá-los como cidadelas inexpugnáveis de defesa da regulamentação legal, do controle monetário e da indução ao desenvolvimento capitalista do qual se beneficia, é compreensível, ainda que aí fique demonstrada a sua insensibilidade social.

Mas, por que a esquerda, com seu discurso pretensamente anticapitalista, humanista, deseja ocupar tal espaço político? Será por conta das migalhas de poder e financiamento dos seus partidos, de seus políticos e assessores? Será pelo bem intencionado (mas prejudicial, estruturalmente falando) movimento de atenuação das misérias socais causadas pela capitalismo? Será que há um desejo inconfessado de solapar (o que jamais foi possível) por dentro tais instituições? 

Considero incorreta qualquer justificativa que se dê para a participação política da esquerda no processo eleitoral, for mesmo quando bem intencionada e não meramente oportunista. 

Não nos cabe assumir o desgaste popular inevitável em administrar um aparelho de estado falido e tentar dar-lhe uma feição humana.

Qualquer administrador público que assuma a cadeira estatal no presente estágio da debacle capitalista terá de preservar constitucionalmente as tarefas vitais do Estado, sob pena de cometimento de crime de responsabilidade, acusação de pedaladas e que tais...

Não devemos estimular ilusões, como o fazem os partidos de esquerda, numa impossível retomada do desenvolvimento econômico linear mundial, até porque, mesmo no apogeu desenvolvimentista do capital, nunca houve equidade na distribuição da riqueza socialmente produzida.

Está equivocado o PT, mesmo quando não pratica a corrupção nem concilia com a politicalha corrupta, mas atua em defesa dos trabalhadores sem jamais propor a superação de sua condição de trabalhadores, o que corresponderia a sua auto-superação.

Está equivocado, pelos mesmos motivos já expostos, tanto o Psol como como todos os partidos que legitimam, no parlamento ou nos governos estaduais e municipais, o processo desigual de representação eletiva democrático-burguesa. 

A realidade social caminha numa direção e o segmento político em direção oposta. A História haverá de constatar tal inadequação de rumos. (por Dalton Rosado)

4 comentários:

SF disse...

Grande Dalton,
Acompanharei com atenção este novo texto como, de resto, faço com os seus escritos.
Uma coisa que não entendo é porque você é contra o escrutínio, o feedback, a eleição...
De fato, usando o exemplo dos índios diante das caravelas, estamos diante de uma nau imensa de escrutínio, feedback e eleição caracterizada nas redes sociais.
Há, por exemplo, o Leandro torneiro com quase um milhão de seguidores no Instagram e que, nos seus começos, dava informações muito úteis de como usar o torno mecânico e outros conhecimentos.
Moisés Sol na Placa, num canal tosco e já com milhares de seguidores.
O icônico Leandro Felipe (o rei da gambiarra) outro com mais de um milhão de seguidores.
Veja como o escrutínio direto, o like, a inscrição, são votos e que reforçam e destacam aqueles que agregam alguma coisa a vida das pessoas que os conhecem.
No meu entender, isso é uma democracia direta.
A liberdade assusta e ter um público que o monitora e se manifesta, mesmo que na limitada forma de voto, like, inscrição e comentários, força o cara a produzir sempre o seu melhor.
Comentários são tão temidos que existe até a moderação de comentários.
Isso é que a tendência básica totalitária, querer calar o outro que discorde.
Amigo, esse negócio de emancipação e libertação tem que passar por imensa discussão e submeter-se ao feedback, ao voto, aos escrutínio e a auditoria externa.
Pois, sabemos aonde queremos chegar, mas não sabemos como .
Mas, escutemos Lucius Anneus Seneca (escrito em 58 DC - A Vida Beata)
"Gallione, meu irmão, todos nós aspiramos à felicidade, mas, quanto a conhecer o caminho, apalpamos como na escuridão. Pois é tão difícil alcançá-la que quanto mais nos esforçamos, mais longe estamos dela se enveredarmos por um caminho errado; e se este nos levar mesmo numa direção contrária, a velocidade com que avançamos torna o nosso objetivo cada vez mais distante.
"Assim, temos primeiro de ter uma ideia clara do que queremos, depois procuraremos o caminho para lá chegar, e ao longo da própria viagem, se for a correta, teremos de medir dia após dia o caminho que deixamos para trás e o quanto mais próximo está o objetivo a que o nosso impulso natural nos leva".

Pesquisa/ação/pesquisa/ação...!
***

celsolungaretti disse...

Caro SF,

não podemos comparar o processo eletivo burguês, marcado pela influência do poder econômico e proteções legais excludentes, com uma ordem jurídico-constitucional que defendo, na qual o povo possa resolver os seus problemas num exercício horizontal diluído em esferas de decisões nas quais ele possa exercitar os erros e acertos próprios às suas próprias decisões e fazer as correções de rumos dentro dos seus interesses sob uma base de produção social que seja verdadeiramente coletiva, sua.

O processo eletivo burguês é o canal de acesso ao Estado burguês, que é por essência opressor; é uma camisa de força antidemocrática, se quisermos dar ao termo democracia um sentido de exercício da vontade popular (democracia é um termo semanticamente usado para todo tipo de opressão, desde a elite dos demos na Grécia, que eram os únicos capazes de votar, daí o nome democracia).

Quando estive no exercício do pequeno poder político municipal como secretário de finanças de Fortaleza pude ver que a minha função era equilibrar contas públicas num orçamento engessado para algumas rubricas predeterminadas (duodécimo da Câmara, salário do funcionalismo, juros da dívida pública, obras públicas de indução ao desenvolvimento econômico, etc., que abocanhavam quase totalmente os recursos, e não sobrava quase nada para gastos com demandas públicas (saúde e educação). O aparelho estatal não foi criado para o povo, mas para mantê-lo quieto sob a exploração capitalista e aspirando por sua eficiência no cumprimento das demandas sociais sempre precarizadas.

Quanto ao exercício de opinião midiática hoje existente graças à internet, considero um ganho da civilização, mesmo que a direita reacionária e contrária aos ganhos civilizatórios tenha a usado de modo pernicioso. Mas a nós cabe combater tal uso com a franquia das informações por ele permitida; um exemplo é este blog com o qual podemos passar informações importantes.

Considero que o nível de informação que adquirimos com o sistema de comunicação aberto e instantâneo é algo que veio para ficar e que representa um ganho contra a manipulação da informação estatal e própria aos senhores do capital. A educação informal midiática também ajuda mais do que atrapalha, apesar do massacre televisivo que muitas vezes embrutece a população.

A tecnologia representa um instrumento de morte para o capital em variados aspectos, e eles não podem retroagir no tempo e impedir uma volta ao passado como querem os reacionários mais recalcitrantes. Eles desenvolveram a tecnologia na guerra concorrencial de mercado e não podem anulá-la em seu favor; trata-se de mais um contradição do processo dialético social sob o capital.

Obrigado pelos constantes comentários que me possibilitam esclarecer conceitos eventualmente entendidos erroneamente.

Abração, Dalton Rosado.

SF disse...

Amigo, dificilmente há o que replicar em seu discurso que, além de belo, é bem fundamentado.
Decerto que no seu íntimo já percebeu que não chegaria ao cargo que chegou não fora a democracia burguesa. Frágil, contraditória e ensimesmada.
Mas, caro amigo, quando um autista diz um "bom dia" já é sinal de abrandamento na doença mental.
Assim, por mais que, na sua loucura, o burguês tente manipular tudo em prol do seu objetivo único de lucro ele é um ser humano como nós e sabe que o isolamento autista em que vive, sem empatia alguma com a realidade social que o cerca, o leva a duas opções: tornar-se um predador solitário e psicopata (como o são os grandes felinos, por exemplo) ou abrir-se de alguma forma ao contato com seus semelhantes.
As eleições são conquista da espécie humana e põe o tirano a meditar no que tem feito.
Por mínima que seja esta reflexão, já é uma avanço.
Mas, como você mesmo já disse, falamos de um defunto putrefato, cujo olor de mesquinharia e descaso empesteia o ar dos espíritos nobres.
Não a toa estamos em plena peste.

celsolungaretti disse...

Caro SF,

é oportuno você levantar tal questão. Ela nos remete à questão do voto útil quando há polarização entre um candidato péssimo e um apenas ruim.

É claro que a democracia burguesa que corresponde à ditadura do capital é menos ruim do que a ditadura militar nacionalista burguesa. Foi por isso que vibramos nas proposições pelas Diretas Já!, o maior movimento e recomposição das esquerdas após 64 aq seus recrudescimento no AI-5 do final de 1968. Mas não devemos sempre aceitar o menos ruim com medo do pior. O que pode ser tático ou estratégico num momento, pode deixar de ser em outro.

Agora estamos na fase da decomposição do capital e suas formas políticas de sustentação, e nos cabe sepultá-lo de vez, pois assumirmos a administração de sua crise como forma de minorar o sofrimento do povo corresponde a uma anestesia que não cura a doença.

Abração, Dalton Rosado.

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