antonio prata
O HORROR ACIMA DE TODOS
Eis que, por razões que fogem à razão, num dia agourento de 2018 o pior aluno da escola foi alçado ao cargo de diretor.
Zé Peidola, que estava havia 28 anos sem conseguir passar da quinta série, tinha este apelido por conta de sua ocupação favorita: liberar gases durante as aulas. Os amigos do fundão riam muito e diziam que o Zé Peidola era mó zoeiro!.
Zé Peidola, que estava havia 28 anos sem conseguir passar da quinta série, tinha este apelido por conta de sua ocupação favorita: liberar gases durante as aulas. Os amigos do fundão riam muito e diziam que o Zé Peidola era mó zoeiro!.
Após ser empossado, a primeira atitude do Zé Peidola foi demitir todos os professores e colocar em seus lugares os amigos do fundão.
No lugar da Fátima, professora de física formada pela USP, entrou o Mosca, que era bom de Lego. Gilberto, de geografia, formado pela Unicamp, foi trocado pelo Horroroso, que já tinha viajado pra Disney e pra Bariloche.
Chris, a professora de português, com dois livros de poesia publicados, foi trocada pelo Língua Presa porque Zé Peidola achou muito engraçado colocar alguém de língua presa para ensinar uma língua. No lugar do professor de artes não entrou ninguém, porque, segundo Zé Peidola, arte é coisa de viado. Mó zoeiro, o Zé Peidola!
O único adulto colocado como professor foi o Teles, pra ensinar matemática. Teles tinha feito faculdade nos Estados Unidos 50 anos antes e ainda era membro de uma antiga seita que ninguém mais seguia –nem nos Estados Unidos– segundo a qual a escola não tinha que dar nenhuma orientação, era pra deixar os alunos fazerem o que quisessem e eles se entenderiam.
Depois, Zé Peidola trocou a fruta do lanche por cheetos sabor churrasco. A média para passar de ano foi de seis e meio para dois. Zé Peidola cortou todas as árvores do pátio e colocou no lugar televisões passando Silvio Santos.
Na biblioteca, Zé Peidola instalou TVs passando Tom & Jerry e botou os livros para serem usados como papel higiênico. O laboratório ele e os amigos destruíram a marretadas, salvando só o clorofórmio pra fazer lança-perfume. Mó zoeira!
A escola, sob os desmandos de Zé Peidola, foi se desmilinguindo. Ninguém aprendia nada com aqueles professores.
Os bons alunos passaram a sofrer bullying. Por medo, as alunas só iam ao banheiro em bando. Um dia o Zé Peidola viu uma aluna pedindo pras amigas irem ao banheiro com ela e disse que ela não precisava ter medo porque era feia e não merecia ser estuprada. Mó zoeira!
Então, no começo do segundo ano de Zé Peidola na direção, surgiu na escola uma epidemia. O médico consultor da escola sugeriu algumas medidas profiláticas. Zé Peidola disse que quem mandava ali era ele, demitiu o médico e botou um amigo no lugar.
Os alunos começaram a morrer. Zé Peidola disse, com visível raiva das vítimas, que só morria aluno com problema de saúde. (Ele pensou, satisfeito, mas não disse, que ia morrer muito preto e pobre, também).
Morreu um. Morreram dez. Cem. Mil. Dez mil. Quinze mil. Zé Peidola pediu pro amigo médico receitar aos doentes cheetos sabor churrasco –tinha visto no Twitter que curava a doença. O amigo recusou-se. Zé Peidola o demitiu também.
Chegou uma hora em que morriam mil por dia. Morriam sem ar. Afogados, com os pulmões inundados. Roxos. Sós. Eram enterrados sem velórios, em valas comuns.
E os adultos –você se pergunta–, não faziam nada?! Nada.
Aqui e ali, publicavam umas notas de repúdio e enquanto viam seus pais morrerem, seus irmãos morrerem, seus filhos morrerem, as paredes da escola ruírem e o teto desabar, diziam que não era o caso de tirar Zé Peidola da direção. Vinte mil. Trinta mil. Cinquenta mil. Cem mil? Mó zoeira! (por Antonio Prata)
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TANTA INFÂMIA E COVARDIA!!!
pra cobrir tanta infâmia e cobardia
e deixa-a transformar-se nessa festa
em manto impuro de bacante fria...
...tu, que da liberdade após a guerra,
foste hasteado dos heróis na lança,
antes te houvessem roto na batalha
que servires a um povo de mortalha...
...mas é infâmia demais... da etérea plaga
levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada, arranca este pendão dos ares!
Colombo, fecha a porta de teus mares!"
(Castro Alves)
Republico este post exatamente como ele saiu dez meses atrás cá no blog, pela simples razão de que os piores augúrios do escritor, cronista e roteirista Antônio Prata se confirmaram.
Àquela altura ainda acreditávamos que a faina destrutiva do pior presidente brasileiro de todos os tempos e do maior genocida de sua própria gente que este país já conheceu acabaria sendo detida pela indignação popular. Vã esperança!
Os 100 mil mortos pela covid quase triplicaram (afora dezenas de milhares escamoteados das listagens) e 100 mil agora é meramente a conta, também por baixo, dos que poderiam ter sido salvos mas foram para as covas devido ao negacionismo e à sabotagem criminosa de Bolsonaro.
Mesmo que os brasileiros, em sua grande maioria, despertem do pesadelo e deem um fim ao morticínio desembestado (como já deveriam ter feito em setembro passado, quando o Ministério da Saúde foi entregue a um general gerenciador de estoques que aceitou servir de ordenança e pau mandado para um capitão insano), será impossível esquecermos tanta infâmia e covardia.
Quem ainda é capaz de pensar criticamente sairá da crise sanitária amargurado ao extremo, por ter visto com que facilidade o país se prostrou a um pária da civilização. E pior ainda será se, como tudo leva a crer, o desfecho vier não com Bolsonaro sendo expelido pelos assassinados e aviltados, mas pelo próprio sistema, devido ao simples fato de que a frágil economia brasileira não aguentará atravessar 2021 inteiro sob o desgoverno atual.
Então, como sempre, os poderosos optarão por livrar-se do mico para evitar a explosão social anunciada (que, em situação tão extrema como a atual, ninguém sabe até aonde chegaria).
Talvez a única coisa que defasou no post de maio de maio passado seja o uso da belíssima citação do John Donne. Em se tratando do Brasil e do povo brasileiro, só mesmo a ira dos justos, como a de Castro Alves, que é a minha também! (por Celso Lungaretti)
"Peço-lhes atenção/ para o que eu contei./ Pensem profundo,/
pois esse mundo/ bem pode ser o seu"
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