"O BRASIL ESTÁ QUEBRADO E EU NÃO POSSO FAZER NADA":
A SIBILINA E AMEAÇADORA AFIRMAÇÃO DE BOLSONARO
Ao voltar de suas férias de pesca, Jair Bolsonaro fez uma das mais graves afirmações desde que chegou à presidência. Dirigindo-se aos seus seguidores mais fiéis, confessou que o Brasil está quebrado e que ele não pode fazer nada. E ainda acrescentou, desafiador: Vão ter que me aguentar até 2022.
E o pior é que os seus e o mercado continuam a apoiá-lo. A maior vítima será a grande massa de desempregados e pobres, sobre os quais, como sempre, cairá a crise.
Não creio que haja um único chefe de Estado no mundo que seja capaz de confessar que o seu país está quebrado e que não pode fazer nada sem renunciar no dia seguinte. A arrogância de Bolsonaro já é proverbial. Seus erros e sua incapacidade de administrar são, na verdade, o que não o deixa governar.
No entanto, há algo mais grave e sibilino em sua afirmação quando diz que o país está quebrado e que não o deixam fazer o que quer.
Com isso está dando a entender que é impossível governar com as atuais instituições democráticas. Seria a difícil, mas indispensável, pluralidade de instituições que o arrastaria à tentação de querer viver sem elas.
E é esse equilíbrio de diálogo nem sempre fácil entre as diferentes instituições com seus freios e contrapesos, mas que são a base indispensável dos regimes democráticos, o que Bolsonaro não pode suportar.
É claro que o sonho não confessado de Bolsonaro é poder ter o Congresso e a Justiça amarrados a seus pés à moda de Vladimir Putin e Nicolás Maduro.
De fato, desde que chegou ao poder vem flertando com um golpe contra o Congresso e o STF. Para ele, todo o jogo democrático é um estorvo.
E o mais grave é que os poderes fáticos não se mexem para retirá-lo do cargo, quando não o bajulam para arrancar cargos e privilégios. Daí que o capitão reformado do Exército se sinta forte e se permita todo tipo de provocações sem que haja uma oposição capaz de parar seus coices contra os valores democráticos e civilizatórios.
A arrogância de dizer que ninguém o tirará do poder é típica dos caudilhos populistas e prepotentes.
A Igreja já está perdendo o crédito por ter se jogado nos braços do novo mito e caudilho. E os militares que permanecem no Governo podem acabar sujando toda a instituição.
O que esperam então os militares para abandonar o Governo quando o presidente se declara impotente para governar? A menos que se trate de não perder os privilégios do cargo, o que seria mesquinho em uma instituição da envergadura e da importância do Exército.
E o poder econômico está vendo que o Bolsonaro é incapaz até mesmo de entender o que é a força da economia e sua importância para o bem-estar do país. E seu famoso Posto Ipiranga, o ministro da Economia, hoje é apenas uma marionete nas mãos do mito. Como são, no final, até os generais que estão no Governo.
Às vezes, ver como Bolsonaro trata os generais ministros faz pensar que o capitão reformado do Exército por suas aventuras com o terrorismo hoje está se vingando ao tratar os militares de seu Governo como simples coroinhas.
Sem dúvida, as graves declarações de Bolsonaro de que o Brasil é um país quebrado não animarão os empresários estrangeiros a investir aqui, prejudicando ainda mais a já frágil economia que cria cada vez mais desempregados, abandonados à própria sorte enquanto a inflação galopante atinge ainda mais a massa de pobres que é a maioria do país.
Todos nós entramos em 2021 com a esperança de que fosse um ano melhor.
As declarações de Bolsonaro e seu boicote contínuo à vacina enquanto cresce a nova onda de covid-19 estão começando a balançar nossas esperanças.
Fica a incógnita de se as outras instituições do Estado estão cientes de que a presença de Bolsonaro é um dos maiores perigos para a democracia desde a ditadura. Há poucos dias, o presidente alertou seus seguidores que não aceitaria o resultado das eleições se fossem usadas urnas eletrônicas novamente. Nesse caso, disse-lhes pode esquecer a eleição, dando a entender que se perdesse não aceitaria o resultado.
Já houve analistas políticos que levantaram a hipótese de que a nova paixão de Bolsonaro pela corporação policial e os contínuos mimos que lhes está fazendo é para tê-los ao seu lado se perder as eleições e tentar dar um golpe autoritário.
Ele sabe hoje que, para isso, dificilmente poderia contar com a cúpula do Exército, do qual se espera que não terá apoio explícito na campanha eleitoral.
É mais fácil esse apoio vir da polícia e das milícias que sempre lhe foram favoráveis e com a qual ele, seus filhos e toda sua família sempre tiveram relações misteriosas que ainda não foram decifradas.
Bolsonaro é claramente um despreparado culturalmente e incapaz de governar com as regras democráticas, mas conhece como poucos os subsolos e as cloacas dos poderes mafiosos.
O Brasil é muito importante aqui e no xadrez mundial para continuar sendo governado por um presidente que não deixa um só dia de brincar com seus sonhos de ditador.
Todo o resto, até que o país esteja quebrado, lhe importa menos. E o pior é que não tem pudor em confessar. (por Juan Arias, na edição brasileira do jornal global El Pais)
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