dalton rosado
A PREOCUPAÇÃO MUNDIAL COM A SUBSISTÊNCIA HUMANA
Antes mesmo da pandemia, a FAO, agência da ONU para a alimentação e agricultura, já alertava para o aumento do fome mundo afora.
Com a recessão mundial anunciada para 2020 o prenúncio era de agravamento da situação; e, a partir do advento da crise sanitária que vem paralisando as relações de produção e consumo de mercadorias, a coisa ganhou contornos de dramaticidade global.
É na esteira desse quadro conjuntural que tanto a direita com a esquerda institucional se veem impelidas a socorrer, pelas mãos do Estado e dentro dos critérios mercantis de mediação social, as populações atônitas com as dificuldades de suas próprias subsistências.
Tais contingentes esperam do Estado, que sempre os oprimiu, a salvação da morte; por sua vez, os detentores do poder político desse Estado, independentemente de sua postura ideológica, sentem que tudo caminha para uma convulsão social caótica caso nada seja feito.
Como a mediação social atual é feita pelo valor, representado pela mercadoria dinheiro, capaz de comprar minimamente as mercadorias objetos e serviços, a solução emergencial tem sido a distribuição, pelo Estado, de dinheiro sem lastro mercantil.
O mundo todo tem ido nessa direção, desde os EUA (que distribuíram US$ 1,2 mil para cada cidadão estadunidense sem levarem em conta seu nível de renda), até o governo brasileiro (com os R$ 600 para pessoas com baixa renda).
Eduardo Suplicy é grande defensor do projeto de renda básica |
Tal procedimento visa dar um mínimo de condições de sobrevivência às populações empobrecidas pelo desemprego estrutural de sempre, pelo fechamento de postos de trabalho decorrente da Covid-19 e pelo subemprego que agora se agrava, e, ao mesmo tempo manter algum fluxo da produção mercantil.
Mas, tal auxílio emergencial e indução artificial esbarram numa equação insolúvel caso a pandemia se prolongue demasiadamente, uma vez que a emissão de dinheiro sem lastro pode ser tão catastrófica para o equilíbrio fiscal e monetário controlado pelo Estado quanto a própria ebulição social em fermentação originada pelo conjunto da obra capitalista.
Se a permanente distribuição de dinheiro sem lastro fosse mecanismo factível sem efeitos colaterais desastrosos para a própria lógica do capital e estabilidade política-estatal, servindo, portanto, como fonte de indução da regularidade da produção e consumo de mercadorias, as populações exploradas estariam satisfeitas e o capitalismo estaria salvo.
Mas, não é assim que a banda toca. Quando a moeda não tem correspondência com a produção mercantil e o Estado, via Banco Central, emite moeda sem esse lastro mercantil, é a própria moeda que entra em descrédito crescente pelo processo inflacionário (mais moeda do que mercadorias) até finalmente deixar de servir como expressão do valor das mercadorias e propriedades mensuradas por tal critério.
Quanto tal ocorre, quem mais sofre com a inflação são os trabalhadores assalariados, os explorados e sacrificados de sempre.
Se fosse tão simples distribuir renda, o capitalismo se eternizaria |
O capital é acúmulo de horas de trabalho abstrato mensuradas em valor médio e subtraídas indebitamente dos produtores de valor (os trabalhadores); se ele não representa as ditas cujas, perde substância e deixa de servir como critério de valor (riqueza abstrata) e correspondente mensuração.
Está, agora, o capital chegando ao ponto de inflexão de queda inexorável devido ao atingimento do seu limite interno de expansão por fatores endógenos (as suas contradições internas) e fatores exógenos (pandemia, crise ecológica, etc.).
Daí ser simpática, mas ingênua, a intenção da esquerda reformista de institucionalizar uma renda básica para cada cidadão. Se fosse possível viabilizá-la, ainda assim o resultado seria na linha da célebre frase do príncipe Falconeri n'O Leopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: mudar alguma coisa para que tudo continue sob a mesma lógica social-democrata de convivência pretensamente humanizada, mantido o modo de relação social estabelecido pelo capital.
Por seu turno, é oportunista a aceitação pela direita dessa mesma renda básica em dinheiro para cada cidadão, de modo que que todos continuem comprando as mercadorias e que o capital possa continuar acumulando-se até o infinito.
Ambas as intenções estão equivocadas por que querem, por motivos diferenciados, institucionalizar uma solução dentro dos parâmetros, impossíveis de serem equacionados, de uma lógica de relação social que perdeu a sua funcionalidade escravista como consequência da obsolescência do trabalho abstrato em maior proporção e que é a causa primária da debacle capitalista.
Ele ameaça sair se o descontrole voltar |
[Há, ademais, fatores adicionais com a questão ecológica, epidêmica, evolução sócio-comportamental, etc.]
Isso posto, a pergunta que não quer calar é: qual a saída para esse impasse que a roda da História colocou para a presente geração???
Somente poderemos suprir as atuais necessidades de consumo mundial se usarmos a imensa capacidade produtiva social atual sob um modo de produção voltado para a distribuição equilibrada e ecologicamente sustentável de bens de consumo e serviços (sem mensuração de valor), que garanta um acesso básico da população a esses mesmos bens e serviços.
Ressalte-se que, em cada produto e serviço, não existe um grama sequer de dinheiro, mercadoria que se incorpora aos objetos e serviços de modo oportunista e escravista.
Desse modo caminharemos, gradativamente, para nos acostumarmos com tal modo de produção e verificarmos que, com até menores esforços coletivos, poderemos obter a comodidade e satisfação do consumo de todos, sem as preocupações próprias do Estado com o déficit fiscal e controle monetário, bem como com a ganancia cumulativa e predatória do capital.
Estamos diante de uma oportunidade histórica de redenção da humanidade aos grilhões do escravismo indireto do capital, e tudo em nome do bem da humanidade.
Tal possibilidade passa, inevitavelmente, por duas premissas básicas:
— o abandono paulatino dos critérios de socialização pela forma-valor (dinheiro e mercadorias), com o respectivo critério de posse e acesso de uso dos bens indispensáveis à vida, entronizando-se então cânones jurídicos voltados para a verdadeira realização do ideal de justiça;
— uma organização social horizontalizada, na qual a comunidade possa gerir os próprios destinos e definir o modus operandi de uma relação social verdadeiramente humanizada, na qual possamos identificar em nosso semelhante um artífice da solidariedade e não um adversário na competição autofágica e fratricida patrocinada pelo capital.
Aos emancipacionistas cabe a tarefa de elaboração de uma teoria e de uma prática convergente com estes ideais que se impõem de modo pragmático e ditado pela dialética do movimento histórico das relações sociais.
Desempregados e subempregados, não clamem pelos empregos e melhoras salariais que jamais virão; recusem o papel de artífices da própria escravidão indireta, inerente ao trabalho produtor de valor e à acumulação opressora do capital.
Desempregados e subempregados de todo o mundo, uni-vos!!! (por Dalton Rosado).
Um comentário:
Grande Dalton!
O exame das soluções oferecidas pela mediação social com dinheiro, que você descreve tão bem, leva sempre ao paradoxo.
A contradição é a base deste sistema e sua maior fraqueza.
O limite de um modo de produção e, portanto, de convivência social regida por ele é sua derrocada.
Apesar da abulia da maioria, a injustiça e a desigualdade do processo desperta alguns.
O mito da caverna! O grande mito da caverna!
Os que se apercebem e lutam para livrarem-se das correntes encontram também limitações, posto que a solução para o impasse exigiria um tipo diferente de mente, de ser, de persona.
Seria necessário que os viventes se libertassem do jugo do ego para que, fraternalmente, pudéssemos superar as dificuldades passageiras e seguirmos firmes em direção ao glorioso destino de toda a humanidade.
Ocorre que não há como apressar o rio! Já dizia Barry Willians ao seu amigo Fred.
E eu poderia falar a respeito desse empecilho à união chamado ego, sua origem e sua utilidade e como ele é axiomático para todos os pensamentos que comungamos. Contudo, relembro Sidarta que dizia "como falar de uma terra onde a carruagem das palavras não encontra caminhos"?
Fiquemos então com uma solução egóica ainda, mas já é um avanço.
A mediação social pela criptomoeda e seus protocolos blockchain os quais, pelo menos, impõe honestidade e clareza em todos os negócios humanos.
Excelentes textos!
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