sábado, 15 de agosto de 2020

INSTITUCIONALIZAR-SE UMA RENDA BÁSICA PARA CADA CIDADÃO? ALELUIA! MAS, NÃO É ASSIM QUE A BANDA TOCA NO CAPITALISMO

dalton rosado
A PREOCUPAÇÃO MUNDIAL COM A SUBSISTÊNCIA HUMANA
Antes mesmo da pandemia, a FAO, agência da ONU para a alimentação e agricultura, já alertava para o aumento do fome mundo afora. 

Com a recessão mundial anunciada para 2020 o prenúncio era de agravamento da situação; e, a partir do advento da crise sanitária que vem paralisando as relações de produção e consumo de mercadorias, a coisa ganhou contornos de dramaticidade global.

É na esteira desse quadro conjuntural que tanto a direita com a esquerda institucional se veem impelidas a socorrer, pelas mãos do Estado e dentro dos critérios mercantis de mediação social, as populações atônitas com as dificuldades de suas próprias subsistências.

Tais contingentes esperam do Estado, que sempre os oprimiu, a salvação da morte; por sua vez, os detentores do poder político desse Estado, independentemente de sua postura ideológica, sentem que tudo caminha para uma convulsão social caótica caso nada seja feito. 

Como a mediação social atual é feita pelo valor, representado pela mercadoria dinheiro, capaz de comprar minimamente as mercadorias objetos e serviços, a solução emergencial tem sido a distribuição, pelo Estado, de dinheiro sem lastro mercantil.

O mundo todo tem ido nessa direção, desde os EUA (que distribuíram US$ 1,2 mil para cada cidadão estadunidense sem levarem em conta seu nível de renda), até o governo brasileiro (com os R$ 600 para pessoas com baixa renda).  
Eduardo Suplicy é grande defensor do projeto de renda básica

Tal procedimento visa dar um mínimo de condições de sobrevivência às populações empobrecidas pelo desemprego estrutural de sempre, pelo fechamento de postos de trabalho decorrente da Covid-19 e pelo subemprego que agora se agrava, e, ao mesmo tempo manter algum fluxo da produção mercantil. 

Mas, tal auxílio emergencial e indução artificial esbarram numa equação insolúvel caso a pandemia se prolongue demasiadamente, uma vez que a emissão de dinheiro sem lastro pode ser tão catastrófica para o equilíbrio fiscal e monetário controlado pelo Estado quanto a própria ebulição social em fermentação originada pelo conjunto da obra capitalista.

Se a permanente distribuição de dinheiro sem lastro fosse mecanismo factível sem efeitos colaterais desastrosos para a própria lógica do capital e estabilidade política-estatal, servindo, portanto, como fonte de indução da regularidade da produção e consumo de mercadorias, as populações exploradas estariam satisfeitas e o capitalismo estaria salvo.

Mas, não é assim que a banda toca. Quando a moeda não tem correspondência com a produção mercantil e o Estado, via Banco Central, emite moeda sem esse lastro mercantil, é a própria moeda que entra em descrédito crescente pelo processo inflacionário (mais moeda do que mercadorias) até finalmente deixar de servir como expressão do valor das mercadorias e propriedades mensuradas por tal critério.

Quanto tal ocorre, quem mais sofre com a inflação são os trabalhadores assalariados, os explorados e sacrificados de sempre. 
Se fosse tão simples distribuir renda, o capitalismo se eternizaria
O capital é acúmulo de horas de trabalho abstrato mensuradas em valor médio e subtraídas indebitamente dos produtores de valor (os trabalhadores); se ele não representa as ditas cujas, perde substância e deixa de servir como critério de valor (riqueza abstrata) e correspondente mensuração.
   
Está, agora, o capital chegando ao ponto de inflexão de queda inexorável devido ao atingimento do seu limite interno de expansão por fatores endógenos (as suas contradições internas) e fatores exógenos (pandemia, crise ecológica, etc.). 

Daí ser simpática, mas ingênua, a intenção da esquerda reformista de institucionalizar uma renda básica para cada cidadão. Se fosse possível viabilizá-la, ainda assim o resultado seria na linha da célebre frase do príncipe Falconeri n'O Leopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: mudar alguma coisa para que tudo continue sob a mesma lógica social-democrata de convivência pretensamente humanizada, mantido o modo de relação social estabelecido pelo capital.

Por seu turno, é oportunista a aceitação pela direita dessa mesma renda básica em dinheiro para cada cidadão, de modo que que todos continuem comprando as mercadorias e que o capital possa continuar acumulando-se até o infinito.

Ambas as intenções estão equivocadas por que querem, por motivos diferenciados, institucionalizar uma solução dentro dos parâmetros, impossíveis de serem equacionados, de uma lógica de relação social que perdeu a sua funcionalidade escravista como consequência da obsolescência do trabalho abstrato em maior proporção e que é a causa primária da debacle capitalista. 
Ele ameaça sair se o descontrole voltar   

[Há, ademais, fatores adicionais com a questão ecológica, epidêmica, evolução sócio-comportamental, etc.]

Isso posto, a pergunta que não quer calar é: qual a saída para esse impasse que a roda da História colocou para a presente geração???

Somente poderemos suprir as atuais necessidades de consumo mundial se usarmos a imensa capacidade produtiva social atual sob um modo de produção voltado para a distribuição equilibrada e ecologicamente sustentável de bens de consumo e serviços (sem mensuração de valor), que garanta um acesso básico da população a esses mesmos bens e serviços.

Ressalte-se que, em cada produto e serviço, não existe um grama sequer de dinheiro, mercadoria que se incorpora aos objetos e serviços de modo oportunista e escravista.

Desse modo caminharemos, gradativamente, para nos acostumarmos com tal modo de produção e verificarmos que, com até menores esforços coletivos, poderemos obter a comodidade e satisfação do consumo de todos, sem as preocupações próprias do Estado com o déficit fiscal e controle monetário, bem como com a ganancia cumulativa e predatória do capital.

Estamos diante de uma oportunidade histórica de redenção da humanidade aos grilhões do escravismo indireto do capital, e tudo em nome do bem da humanidade. 

Tal possibilidade passa, inevitavelmente, por duas premissas básicas:
— o abandono paulatino dos critérios de socialização pela forma-valor (dinheiro e mercadorias), com o respectivo critério de posse e acesso de uso dos bens indispensáveis à vida, entronizando-se então cânones jurídicos voltados para a verdadeira realização do ideal de justiça;
— uma organização social horizontalizada, na qual a comunidade possa gerir os próprios destinos e definir o modus operandi de uma relação social verdadeiramente humanizada, na qual possamos identificar em nosso semelhante um artífice da solidariedade e não um adversário na competição autofágica e fratricida patrocinada pelo capital.

Aos emancipacionistas cabe a tarefa de elaboração de uma teoria e de uma prática convergente com estes ideais que se impõem de modo pragmático e ditado pela dialética do movimento histórico das relações sociais. 

Desempregados e subempregados, não clamem pelos empregos e melhoras salariais que jamais virão; recusem o papel de artífices da própria escravidão indireta, inerente ao trabalho produtor de valor e à acumulação opressora do capital.

Desempregados e subempregados de todo o mundo, uni-vos!!! (por Dalton Rosado).  

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Dalton!

O exame das soluções oferecidas pela mediação social com dinheiro, que você descreve tão bem, leva sempre ao paradoxo.
A contradição é a base deste sistema e sua maior fraqueza.
O limite de um modo de produção e, portanto, de convivência social regida por ele é sua derrocada.
Apesar da abulia da maioria, a injustiça e a desigualdade do processo desperta alguns.
O mito da caverna! O grande mito da caverna!
Os que se apercebem e lutam para livrarem-se das correntes encontram também limitações, posto que a solução para o impasse exigiria um tipo diferente de mente, de ser, de persona.
Seria necessário que os viventes se libertassem do jugo do ego para que, fraternalmente, pudéssemos superar as dificuldades passageiras e seguirmos firmes em direção ao glorioso destino de toda a humanidade.
Ocorre que não há como apressar o rio! Já dizia Barry Willians ao seu amigo Fred.
E eu poderia falar a respeito desse empecilho à união chamado ego, sua origem e sua utilidade e como ele é axiomático para todos os pensamentos que comungamos. Contudo, relembro Sidarta que dizia "como falar de uma terra onde a carruagem das palavras não encontra caminhos"?
Fiquemos então com uma solução egóica ainda, mas já é um avanço.
A mediação social pela criptomoeda e seus protocolos blockchain os quais, pelo menos, impõe honestidade e clareza em todos os negócios humanos.
Excelentes textos!

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