Não procurem justificativas científicas para a flexibilização do distanciamento social neste exato instante, por que elas inexistem: Estamos num patamar estratosférico de contaminações e mortes diariamente causadas pela Covid-19, com tendência a aumentarem e não, sequer, de se manterem nos inaceitáveis níveis atuais.
Então, não aliviarei para ninguém: trata-se de uma decisão criminosa, cuja explicação real está no calendário eleitoral.
Se em março Jair Bolsonaro tomou conhecimento da gravidade da pandemia, sendo alertado de que ela tendia a provocar pelo menos 100 mil óbitos, é claro que os políticos profissionais em geral também ficaram então sabendo que marchávamos ao encontro de um furacão.
Obcecado com a reeleição, Bolsonaro logo deduziu que 100 mil caixões de defunto seriam peso demasiado para ele carregar na campanha sucessória; então, desertando antecipadamente da batalha para reduzir o estrago, optou por um negacionismo obtuso que, acreditou ele, serviria para jogar a culpa no colo dos governadores.
Mas, ninguém passa tanto tempo no baixo clero da Câmara Federal à toa. Se ele fosse brilhante e capaz de bolar estratégias geniais, sua trajetória não teria sido a de 28 anos de estagnação, sempre ladeado pelos piores e pelos mais medíocres.
Os governadores, capazes de pelo menos enxergarem o óbvio, foram por caminho diferente: fizeram o sanitariamente correto no primeiro semestre, apostando que Bolsonaro se afundaria até o pescoço na lama dos cemitérios antes do momento de os políticos se mobilizarem para a campanha eleitoral de 2020.
Sabiam muito bem que, fosse qual fosse o estágio sanitário, as pressões do empresariado tornariam os políticos de suas respectivas bases de sustentação incontroláveis: ou os governadores se prostrariam aos interesses econômicos ou a abertura se daria com bancadas rebeladas passando por cima deles.
Resumo da ópera: os mortos que poderiam ter sido salvos por uma administração competente da crise sanitária devem, até o fim de junho, ser creditados unicamente a Bolsonaro, enquanto os do 2º semestre vão na conta conjunta do presidente delirante com os governadores raposões.
Veio-me à lembrança uma situação parecida. Quando das diretas-já, Tancredo Neves, com seu carisma zero, foi mero coadjuvante, ofuscado pelas muitas estrelas daquele movimento. Mas, articulador de bastidores, certamente já estava conchavando parte dos fisiológicos do partido de sustentação da ditadura militar, o PDS.
Aí, como numa eleição direta ele jamais se elegeria presidente, a dissidência do PDS foi mantida no armário até a votação decisiva, para impedir a aprovação da Emenda Dante de Oliveira.
Feito o serviço sujo e tendo Paulo Maluf obtido em seguida a indicação do PDS como candidato situacionista, os amiguinhos do Tancredo saíram finalmente do armário, abandonando o navio que já fazia água; e, com o rótulo de PFL, concederam-lhe os votos necessários para dar um chapéu no Maluf na eleição indireta.
Parece que até Deus ficou enojado, pois Tancredo, após ter roubado dos brasileiros o direito de eleger o presidente de sua escolha após 21 anos de seca... não conseguiu sequer tomar posse!
Mas, o principal motivo de eu traçar este paralelo foi o que Tancredo declarou quando ficaram só ele e Maluf na jogada, após o segundo ter imposto sua vontade aos militares, que haviam escolhido Mário Andreazza como candidato mas foram contrariados pelos convencionais do PDS.
Disse Tancredo algo na linha de que Maluf havia se saído bem contra amadores, mas agora iria enfrentar um profissional.
A frase não teve nada de premonitória, como a imprensa avassalada interpretou: Tancredo sabia que, com a carta que tinha na manga (a traição daqueles filhotes da ditadura), a eleição estava no papo.
A distância entre os profissionais (os governadores) e o amador do baixo clero decidiu a parada atual: Bolsonaro foi destruído e logo será destituído, mas o placar dos brasileiros que não são políticos profissionais, está 7x1 para o coronavírus. (por Celso Lungaretti)
2 comentários:
Caro, CL
Nas vezes em que puxei uma prosa com trabalhadores remediados, de baixo grau de instrução, deixou-me frustrado o quanto que esse extrato social apoia o bozo incondicionalmente.
É claro que eles têm em comum a crença evangélica, já foram doutrinados pelos pastores.
Mas não deixa de ser um fenômeno intrigante essa "síndrome de estocolmo" da classe trabalhadora...
Desta vez, passo. Não me atrevo a tentar interpretar algo tão bizarro.
Mas, lembro que a proposição leninista de que o trabalhador já não conseguia desenvolver uma consciência de classe e esta tinha de ser trazida "de fora" pela vanguarda do proletariado já era uma reação a esse fenômeno.
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