quinta-feira, 4 de junho de 2020

AS RUAS DESPERTARAM E O SEU ARDOR AQUECE A NOSSA ALMA. VAI, CORINTHIANS!

dalton rosado
A EXPLOSÃO SÓCIO-RACIAL NOS EUA, 
PARIS, E O SOMOS PELA DEMOCRACIA
Versos inspirados de Vitor Martins num hino dos '80
A força da consciência social posta em ação é imensamente maior do que a força das armas que venham a se lhe opor. 

A consciência social, quando adquirida, é indestrutível porque emanada de um saber consistente e duradouro, capaz de demolir quaisquer obstáculos que se lhe oponham, principalmente aqueles decorrentes da opressão sistêmica. 

A força das armas, por mais forte que pareça, é sempre passível de desintegração temporal graças à inconsistência moral dos seus argumentos, e sempre superável por uma força maior de igual natureza que se lhe venha a opor.

O levante social que estamos vendo nos Estados Unidos é algo sem precedentes na história daquela nação. 

Trata-se do levante de uma população que assistiu, estarrecida, as imagens do covarde assassinato de um homem negro indefeso por um policial supremacista racial. A cena chocante foi como uma faísca em matagal seco: provocou um incêndio em todo o país, trazendo à superfície a indignação consciente e predominantemente pacífica de um sonoro basta!

Isto ocorreu no país com maior renda per capita do mundo, demonstrando quão injusta é a distribuição da riqueza abstrata por lá existente, além de evidenciar a existência de outras formas de opressão inerentes ao comando segregacionista de um ordem político-econômica fundada em pressupostos moralmente equivocados e reprováveis. 

Que podemos dizer, então, dos países da periferia empobrecida dos EUA? 

Vejamos alguns dados sobre o Brasil, que outrora era chamado de quintal dos americanos e ainda o continua sendo, com a diferença de que hoje não é de bom tom chamar as coisas pelo nome:
— mantém à frente da Fundação Palmares, criada para promover a justa integração social-racial, o sr. Sérgio Camargo, um afrodescendente que qualifica seus irmãos de etnia de uma escória miserável (ele não ocupa tal cargo a despeito de ser um negro racista, mas justamente por sê-lo, numa inversão de valores que é característica do bolsonarismo);
 tem índices econômicos preocupantes, como a previsão de queda de 10% no PIB em 2020;
 registrou retração de 18,8% em sua produção industrial no 1º trimestre, prevendo-se queda maior ainda no segundo trimestre;
— ultrapassou, em pouco mais de dois meses, a marca de 30 mil pacientes mortos pela Covid-19, estando agora com mais de mil óbitos/dia, o que não o impede de demitir médicos e colocar no comando do Ministério da Saúde um militar sem afinidade nenhuma com tal incumbência;
 está entregue ao desgoverno de um presidente que, embora eleito pelo sistema democrático burguês, a cada momento o violenta no afã de garantir a impunidade de filhos e ministros transgressores, além de chantagear o STF e o Congresso Nacional com ameaças de ruptura institucional;  
 incensa, pela voz desse mesmo presidente, manifestações populares golpistas (cada vez menos numerosas) que infringem impunemente várias disposições legais;
 vê parte de sua população sentir-se aliviada com um mísero auxílio emergencial de R$ 600/mês, expondo cruelmente o quão empobrecida ela se encontra, com cerca de 17 milhões de desempregados
 está no limite de uma convulsão social. 

O capitalismo perdeu a capacidade de se manter minimamente viável; é isto que estão a demonstrar as manifestações de Nova York a Paris.

Ao buscar acesso às oportunidades de crescimento pessoal e coletivo, a juventude encontra as portas fechadas em razão do desemprego estrutural a da falência do Estado (o qual é incapaz de prover as demandas sociais e guarda os seus reduzidos recursos para a manutenção de força militar cada vez mais numerosa.

Em tal contexto, os jovens integrantes das populações segregadas são particularmente atingidos, daí estarem em pé de guerra contra a discriminação racial e outras causas de insatisfação inerentes a um contrato social saturado; este clama para que as atividades produtivas nos vários campos da vida social sejam adequadas ao imenso saber tecnológico adquirido pela humanidade.
   
O quadro geral é dos mais eloquentes: 
— nas cidades de norte a sul dos Estados Unidos ocorrem manifestações com palavras de ordem como "eu não consigo respirar" (a queixa desesperada mas ignorada de George Floyd enquanto era sufocado por um psicopata fardado) e "a vida dos negros importa";
 o mesmo ocorre nas ruas de Paris, tendo as frases idêntico conteúdo;
 no Brasil as torcidas organizados do futebol assumem a luta por uma verdadeira democracia, tomando o lugar de partidos, sindicatos e entidades estudantis que têm se mantido apáticos desde a virada do ano;
 em Hong Kong a população se levanta contra o autoritarismo governamental chinês;
 as populações da África, da América Central e da Ásia enfrentam a morte nas estradas e mares para chegarem às idealizadas ilhas de prosperidade do capitalismo (os países economicamente dominantes), sendo recebidas com cercas de arame, muros e policiais para prendê-los e confiná-los em acampamentos precários e prisões, etc.

De tudo isso podemos inferir que há algo de profundamente desequilibrado na atual forma (instituições políticas e militares) e conteúdo (modo de produção) das relações sociais mundiais (one world) existentes,  que são basicamente idênticas na base, com diferenciações cosméticas quanto aos conteúdos políticos (mais tolerante ou ditatorial, conforme o caso).

Políticos insensíveis à nova realidade, como Donald destrumpelhado e Boçalnaro, o ignaro, eleitos em função do anseio inconsciente de seus votantes por uma volta ao passado (que verdadeiramente não era bom, mas, ainda assim, melhor do que o presente), logo se desmascaram como mercadores de ilusões irrealizáveis.
Nesse sentido, contribuem, sem o desejarem, para a conscientização popular de que o caminho a ser trilhado não é a volta ao passado conhecido, mas o avanço para um futuro verdadeiramente melhor. 

Um futuro assentado em bases de sociabilidades humanistas que possam apropriar-se das conquistas sociais e científicas da humanidade e inseri-las no novo contexto gerado pela ruptura com o padrão escravista que nos tortura há milênios. 

Vejo com incontida emoção o levante popular contra o sistema decadente. 

Vejo como agradável surpresa os policiais a se ajoelharem perante manifestantes nos EUA, como que a dizerem “me perdoem pela minha farda opressora, por vocês sustentada, pois sou um de vocês e vítima da opressão sistêmica tanto quanto".

Vejo com a alma lavada os torcedores de futebol, sem nenhum engajamento político-partidário e sem bandeiras ultrapassadas, unindo-se espontaneamente e gritando em uníssono "Doutor, eu não me engano, o Bolsonaro é miliciano". 

Vejo com euforia a quebra do silêncio nas ruas pelos grupamentos que não se iludem com a ostentação patriótica oportunista (até porque nossa pátria é boa para alguns e péssima para a grande maioria!).

Sempre torci pelo Botafogo, mas de repente passei a gritar Vai, Corinthians!!!. (Dalton Rosado)

5 comentários:

Anônimo disse...

Dalton,
Em que pese a sua erudição, já está claro que o seu "emancipacionismo" é só mais um projeto de poder da velha, podre e carcomida política.
Na prática a teoria é outra.
E sua verve agora está a serviço de inflamar a massa para se contaminar com C-19 de maneira a destruir o governo e impor o seu "emancipado".
Triste isso.
Um a um caem os ideais.
***

celsolungaretti disse...

Caro leitor anônimo,

a identidade entre opiniões da direita e da esquerda tradicional estão agora a convergir numa demonstração de que ambos estão envelhecidos e fora de foco. O seu comentário, de tão acomodado com o establishment, não nos permite identificar a que grupamento ideológico você pertence, ou se é apenas mais um lava as mãos como Pilatos no credo:
a) se aos bolsominions que agora estão chamando de terroristas os manifestantes pró-democracia;
b) se petistas acovardados e temerosos de que a turba indignada passe por cima de partidos e sindicatos atrelados à estrutura de poder num faz-de-conta oposicionista que apenas corrobora o que aí está; ou
c) se é alguém acha que a prisão arbitrária na casa do vizinho não lhe diz respeito.

O que é velho e o que é novo na atual conjuntura?

Apoiar as manifestações sem precedentes na história dos Estados Unidos; o ressurgimento de manifestações antifascistas na Europa, França e Bahia; o apelo brasileiro (para o qual devemos contribuir demonstrado a necessidade de dar um adeus às ilusões democrático-burguesas) para uma democracia que pode vir a ser verdadeiramente democrática, ao invés de controlada por uma relação social fundada na exploração econômica do ser humano; e a repulsa nas ruas ao avanço do patriotismo burguês que discrimina parte dos brasileiros; e por aí vai?

Ou o alheamento a tais manifestações e aceitação da submissão à natureza do poder ao qual estamos submetidos, dando de ombros à solidariedade a quem sente na pele e no estômago a segregação sócio-racial?

Prefiro a primeira hipótese.

Sou velho na idade (acabei de completar 70 anos), mas sou jovem a mais tempo do que muita gente que somente reproduz o que é verdadeiramente velho, como diz a canção do meu amigo Belchior, desde os tempos de faculdade:

Já faz tempo
E eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências, as aparências
Não enganam, não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer
Que eu estou por fora
Ou então
Que eu estou enganando

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem

E hoje eu sei, eu sei
Que quem me deu a ideia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando o seus metais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais

Lamento que você não veja risco de contaminação nas manifestações fascistas, mas as veja em quem arrisca a vida em prol da vida;
lamento que seja preciso tantas mortes pela pandemia sanitária para que se crie uma consciência sobre a monstruosidade das relações de produção capitalistas;
e não precisa ser erudito (avaliação elitista sobre os meus escritos, com a qual não concordo) para ver o que está a olhos vistos e que pode ser percebido até por torcedores de futebol que sentem e compreendem melhor o que lhes aflige do que muitos burgueses formados nas academias que só a eles é permitida a entrada. (Dalton Rosado)

Anônimo disse...

Amigo,

O tonitruante silêncio, por parte deste blog e de seus articulistas, a respeito do Massacre de Tiananmen - A praça da Paz Celestial - pela ditadura comunista chinesa, diz tudo o que é preciso saber.

Guarde estes versos na memória e talvez algum dia saiba o que eles significaram para o povo e para o poeta que os escreveu.

No dia que tiver a mesma coragem que Belchior teve, alguma palavra sua terá valor.

Portanto, não se aposse do que não lhe pertence.

***

Sei que serei censurado, pois de cúmplices de ditaduras só se espera isso mesmo.

Sonhem.

***

celsolungaretti disse...

O Dalton certamente terá algumas palavras a dizer a respeito daquilo que deveria ser um comentário a respeito do post dele, mas não passa de um desabafo fora de hora e de lugar.

Você está fazendo uma tempestade em copo d'água porque o blog não publicou ontem algum texto sobre os 31 anos do Massacre da Praça Celestial.

Ora, eu sou jornalista desde 1973, com muitas passagens por veículos da chamada imprensa burguesa (e desde 2006 como blogueiro e articulista na internet).

Então, até por hábito sigo os procedimentos habituais da minha profissão quanto às efemérides de acontecimentos marcantes que devem ser lembradas:
— o primeiro aniversário;
— o transcurso das primeiras décadas, de séculos e de milênios;
— o transcurso dos primeiros quartos de século e das primeiras metades de século;
— o transcurso de metades de milênio.

Efemérides de "contas quebradas" servem apenas para preenchermos espaços (enchermos linguiça) quando não há nada mais importante para publicarmos ou colocarmos no ar. Evidentemente, este não era o caso ontem, quando algo de importância incomensuravelmente maior acontecia no Brasil: o início da mobilização popular contra o presidente desastroso e genocida que está destruindo nosso país.

Esta é a resposta que dou às críticas que você fez aos meus critérios como editor do blog. Sobre outros aspectos escreverá o Dalton. (Celso Lungaretti)

celsolungaretti disse...

Caro Leitor anônimo,

a sua citação do massacre de jovens chineses na Praça Celestial em Pequim é um exemplo do que são capazes as ditaduras políticas, sejam elas disfarçadas sob o manto da defesa da democracia (como pretende Boçalnaro, o ignaro), ou sob o uso indevido dos signos libertários históricos da luta pela emancipação como forma de se dar aparência humanista ao capitalismo mais desbragado e escravista como o que ocorre na China.

A tentativa de nos identificar com o regime chinês, contra o qual já escrevemos vários artigos com análises sobre o seu significado opressor e contraditório capitalista (eis um exemplo: https://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2018/12/a-aparente-prosperidade-chinesa-embute_13.html), que é nocivo inclusive para o próprio capitalismo, nos dá uma pista sobre o que você defende e sua identidade com as reiteradas críticas boçalnarianas à China.

Quanto à citação de letras, artigos, frases e tantas outras manifestações importantes de pessoas que deixam no seu itinerário de vida as marcas de um sentimento humanista, e quando afirmamos as suas autorias, não significa apropriação indébita, mas reverberação e concordância com aquilo que nos une. O saber libertário é um acúmulo de informações que devem ser memorizadas e repassadas.

Aceito o debate quando se refere à análise de conteúdo, mas procuro evitá-lo quando resvala para as agressões pessoais e analogias infundadas, principalmente quando feitas sob o manto do anonimato.

Assim, vamos ficar por aqui. (Dalton Rosado)

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