Termos de ficar reclusos em nossa residências fez com que lançássemos um olhar contemplativo sobre a nossa vida interior e nossa relação com a vida exterior, entre outras questões de sentido social profundo.
Este é o lado lúdico da quarentena.
Nesta semana mesmo desengavetei (ou trouxe à terra das nuvens eletrônicas) um breve conto infantil que houvera escrito há quatro anos para o meu primeiro neto, que adora passarinhos: O canário que latia.
Tal texto tratava da solidariedade entre um passarinho que havia caído do ninho, quebrado a asa esquerda e sido protegido por um cachorrinho contra a gula de um gato faminto. Com a convivência harmoniosa e solidária, o canarinho aprendera a latir para afugentar seus predadores.
Tratava-se, portanto, de um conto infantil sobre a solidariedade entre seres diferentes na forma e iguais em sentimentos, cujo sentido moral era afirmar a possibilidade de se fazer o impossível diante de uma iminente tragédia.
Divulgado nas redes eletrônicas da família, despertou um sentimento de alegria entre as crianças, que agora estão mais próximas dos seus pais e adorando essa interação forçada.
"a essência da grandeza do sentido humano da vida"
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Da mesma forma, estamos vendo as pessoas irem para as janelas dos seus prédios e cantarem a plenos pulmões as melodias que mostram a todos a essência da grandeza do sentido humano da vida na superfície desse nosso planetinha tão sacrificado por sentimentos avessos aos que felizmente ora afloram.
A mobilização de pessoas nos mais diferentes lugares e no mesmo momento, arrecadando gêneros alimentícios e roupas para as comunidades que até ontem não eram alvo desse olhar solidário, representa o resgate e despertar do sentido humano que habita nas mentes adormecidas por um móvel de relação social individualista e exclusivista.
O medo da morte nos faz valorizar a vida e o que ela tem de mais nobre: a solidariedade humana!
O ser humano somente sobreviveu às intempéries da sua evolução, à sanha de predadores e às muitas catástrofes sanitárias e climáticas graças ao sentido solidário de sua existência.
Afinal, um grupo articulado de hominídeos, com habilidade manual e tendente a racionalizar os seus instintos, conseguiu ser mais forte do que um leão faminto por carne; um tigre dentes-de-sabre; uma peste aniquiladora ou a uma tempestade avassaladora.
Heróis da luta pela vida sendo hostilizados pela mais abjeta escória
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Que dizer dos abnegados profissionais da saúde que, em defesa da vida, vão para a linha de frente de hospitais nos quais a contaminação virótica é exponencial, mesmo sabendo que os colegas que até ontem estavam ao seu lado hoje estão sepultados em covas coletivas, sem nem mesmo poderem ser velados por seus familiares? Eles são os exemplos concretos de que o ser humano é intrinsecamente bom.
Mas, principalmente, a crise sanitária nos faz perceber a irracionalidade da vida que levávamos antes dela.
A diminuição da poluição aérea nas grandes cidades em razão da redução do uso indiscriminado da combustão fóssil nos veículos que congestionam o trânsito, redução provocada pela paralisia das nossa relações sociais mercantis, mostra que outro modo de viver não somente é possível como necessário.
Da mesma forma, com a paralisia, caiu a emissão de gás carbônico na atmosfera pela produção industrial irracional e queimadas florestais; comprovado efeito estufa, que provoca o aquecimento global, deu um tempo na sua escalada genocida.
O homem que destrói o Brasil e nos faz motivo de chacota no mundo inteiro
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Lamentável nisto tudo é que tais procedimentos não derivem da conscientização dos seres humanos sobre os seus atos genocidas, mas consequência da ação de um vírus microscópico irracional que confronta a nossa própria racionalidade.
A crise sanitária está, também, a desnudar a hipocrisia da suposta preocupação com a vida, alegada por quantos desejam a volta ao staus quo da produção mercantil e de suas relações sociais.
É que, diante do constatado aumento das infecções e das mortes provocadas pela pandemia virótica, muitos governantes propõem o abandono precoce da quarentena, sem levarem em conta o morticínio que isto provocará, presos que estão ao modelo que os jungiu ao topo do poder no atual sistema político-governamental.
O coronavírus, sem o saber e sem qualquer traço de inclinação ideológica, demonstrou que o pensar governamental sobre qualquer alternativa de relação social está proibido, não havendo melhor demonstração disto do que o pesadelo atual, a confirmar a existência de uma corrente de ferro que nos aprisiona socialmente: o fetichismo da mercadoria.
É triste que o Walter Franco tenha morrido
e tantos canalhas continuem vivos e ativos
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Para o capital produzir mercadoria está acima da proteção da vida.
A grandeza dos muitos gestos de humanidade que temos presenciado contrasta com a simbologia genocida de quem faz a apologia das armas, chegando com isto até a sensibilizar uma população desesperada pela miséria social causada pelo capitalismo (moral e material): esses falsos messias ainda conseguem passar-se por salvadores da pátria aos olhos de muitos incautos.
Qual profetas da morte, eles tentam nos convencer de que a intensificação da causa do mal pode nos livrar do próprio mal.
Não passarão! (por Dalton Rosado)
"Todo dia o balde vai pro poço/ Um dia o fundo
vai se soltar/ Um dia o fundo vai se soltar"
"Todo dia o balde vai pro poço/ Um dia o fundo
vai se soltar/ Um dia o fundo vai se soltar"
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