sábado, 23 de maio de 2020

FOI O RETRATO ACABADO DA ABISSAL MEDIOCRIDADE DO MAFUÁ MILICIANO QUE FAZ AS VEZES DE GOVERNO NO BRASIL

carla jiménez, afonso benites e felipe betim, no El País
REUNIÃO EXPÕE AO MENOS DOIS CRIMES DE BOLSONARO
A íntegra da reunião do conselho de ministros de Jair Bolsonaro, revelada nesta sexta-feira (22) por ordem do decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, expôs como nunca o modus operandi do governo ultradireitista e desmontou a versão do presidente de que ele jamais havia cobrado mudanças na estrutura de segurança, Polícia Federal incluída, para proteger seus familiares. 

Nas imagens, Bolsonaro aparece não apenas ameaçando trocar “ministro” caso não fosse atendido na missão de preservar seus parentes de “sacanagens” —ele mira na direção do então ministro da Justiça, Sergio Moro, no exato momento—, como fala também da necessidade de proteger “amigos”. 

O Planalto vinha repetindo que o presidente, na reunião, se referia à segurança pessoal de seus familiares, que cabe ao Gabinete Segurança Institucional, e não a policiais federais. 

A menção aos amigos, porém, complica ainda mais a linha de defesa de Bolsonaro no inquérito que apura se ele tentou interferir na PF, uma vez que o GSI não teria como se envolver na proteção de quem não seja da sua família.

De acordo com juristas ouvidos pelo El País, o vídeo corrobora a tese de Moro de que houve intenção de intervir na corporação policial, e aponta para ao menos dois crimes: advocacia administrativa e prevaricação. 

O primeiro é um crime previsto no Código Penal, que é patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública. Já a prevaricação diz respeito a ações ou omissões de funcionário público para atender objetivo de terceiros.

“O vídeo traz uma fala bastante clara do presidente dizendo que não mediria esforços para interferir em estrutura governamental —no caso, a Polícia Federal— para proteger familiares e amigos. Isso corrobora a versão do ex-ministro Sérgio Moro”, diz Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito de São Paulo. 

“Não podemos esquecer que, de fato, o presidente promoveu mudança na Polícia Federal, indicando pessoa muito próxima da família e que depoimentos do inquérito confirmam também essa versão”, explica Machado. 
“O vídeo derruba a justificativa do Bolsonaro de que ele se referia à segurança do GSI, e não à PF. Ele fala expressamente em ‘foder amigos meus’, e amigo de presidente não tem segurança do GSI. Só pode ser a PF”, concorda Rafael Mafei, da USP.

Um jurista próximo à Procuradoria Geral da República, avalia que o vídeo é muito ruim do ponto de vista jurídico para o presidente Bolsonaro. “Ele demonstra muita preocupação. Ele quer o tempo todo puxar esse assunto. Ele avisa aos ministros o tempo todo que precisa deles. 

Aquela reunião foi para o Moro”, acredita. Ele destaca que o presidente falou que contava com “inteligência particular”, e que a PF não informava nada. “Não tinha nada a ver com segurança, ele criticou a PF. Mesmo não sendo assunto, ele falava, e mudava o assunto”, explica ele.

A pressão sobre Moro ficou destacada em vários momentos da reunião. Num deles, Bolsonaro disse que o ministro deveria se manifestar sobre a prisão de pessoas que furavam a quarentena para conter os contágios do novo coronavírus. “Tem que falar, pô! Vai ficar quieto até quando? Ou eu tenho que continuar me expondo? Tem que falar, botar pra fora, esculachar!”. 

Noutra ocasião, voltou ao tema da “interferência” e avisou seus ministros de que iria interferir em suas pastas se fosse preciso. Reclamou que a Polícia Federal não passava informações ao Planalto. “Eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção”. 

E prosseguiu: “Eu não posso ser surpreendido com notícias. Eu tenho a PF que não me dá informações. Eu tenho as... as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. Abin tem os seus problemas, tenho algumas informações”.

Depois, em entrevista à Jovem Pan após a divulgação do vídeo, o presidente voltou a reforçar a ideia de que exigia de Moro espécie de proteção via PF. “O tempo todo vivendo sob tensão, possibilidade de busca e apreensão na casa de filho meu, onde provas seriam plantadas. Levantei isso, graças a Deus tenho amigos policiais civis e policiais militares do Rio de Janeiro, que isso tava sendo armado pra cima de mim”, disse Bolsonaro. “Moro, eu não quero que me blinde, mas você tem a missão de não deixar eu ser chantageado”, lembrou.

O conteúdo do vídeo agora será analisado pela Procuradoria Geral da República —que também terá e mãos uma série de depoimentos e as novas acusações feitas pelo ex-aliado de Bolsonaro Paulo Marinho. “Certamente esse vídeo ajuda a compor o acervo probatório indiciário de crimes”, diz Eloísa Machado. A pressão agora recai sobre Augusto Aras, uma vez que ele pode acusar formalmente o presidente de crime. 

“Com certeza há substância para abrir um pedido de afastamento. Se vai abrir ou não é outra coisa. Mas isto é muito mais que o Fiat Elba que afastou o presidente Collor e muito mais que a pedalada fiscal da presidenta Dilma [Rousseff]”, diz o jurista Mafei, próximo à PGR. 

Machado, da FGV, concorda. “São crimes comuns, que também geram afastamento e perda do cargo, caso aconteça a condenação”, conclui.
Para o advogado Marco Aurélio de Carvalho, o procurador-geral Augusto Aras, tem a obrigação de apontar o crime de prevaricação do presidente diante do conteúdo do vídeo, ou ele mesmo pode ser acusado de prevaricação. 

“Essa tentativa de interferência se enquadra plenamente no artigo 85 da Constituição Federal e é suficiente para dar ensejo, entre outras, a pedido de cassação do presidente”, diz o advogado Cristiano Vilela, da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo.

A grande pergunta é como Aras, indicado por Bolsonaro em setembro de 2019 como alguém alinhado ao Planalto, reagirá. Se decidir pela denúncia contra Bolsonaro, ela ainda precisará dos votos dois terços dos deputados para virar uma ação penal e, assim, afastar o presidente do Planalto. 

Para tentar prever o quanto de pressão o procurador-geral e o Congresso terão na matéria, uma variável é quanto de desgaste as imagens, cheias de palavrões e vulgaridades, trarão para o apoio popular de Bolsonaro, já afetado pela crise do coronavírus... [por tratar-se de uma reportagem demasiadamente extensa para o padrão deste blog, reproduzimos apenas seus trechos que consideramos mais relevantes, porém o leitor pode acessar a íntegra clicando aqui]

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails