sábado, 23 de maio de 2020

AGORA TEMOS UMA GRAVAÇÃO ESCANCARANDO QUÃO PODRES SE TORNARAM OS PODRES PODERES

dalton rosado
O ESPÍRITO DO COISA
A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril já se tornou um documento histórico e comprobatório do que é a democracia burguesa e sua institucionalidade: um poder despótico (como todo poder vertical). 

Mas dele podemos inferir uma infinidade de conceitos que nos mostram como é que a banda toca. 

Não que ignorássemos o grau de degradação da república burguesa, mas agora temos uma gravação escancarando quão podres se tornaram os podres poderes.

Passemos, pois, à análise de alguns pontos relevantes.
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SOBRE ECONOMIA – chamou-me especialmente a atenção, na fala do superministro sinistro Paulo Guedes (ou será o contrário?) alguns conceitos que ele jamais vocalizaria se soubesse que se tornariam de conhecimento público.

P. ex., quando ele afirma que “os Estados Unidos podem resolver seus problemas emitindo US$ 3 trilhões sem que isso afete a economia estadunidense, mas nós não podemos fazer tal emissão em reais”.

Ele tem razão, mas nunca faria tal confissão aos cidadãos que o sustentam com seus impostos, pois isto desagradaria o presidente Destrumpelhado e toda a estrutura de poder dos EUA, país que lhe serve de modelo e ao qual o governo do Boçalnaro, o ignaro é caninamente submisso. Em sua posição, Guedes não pode passar recibo de que, na ordem capitalista mundial, vigoram dois pesos e duas medidas. 
Tenho dito aqui, reiteradamente, que a questão monetária internacional é o ponto-chave do moderno imperialismo internacional, mas não esperava ter minhas análises confirmadas justamente por quem desejaria que isso jamais viesse à tona  ou seja, pelo Guedes, aluno obediente da escola liberal de Chicago, da qual ele, na reunião, se vangloriou de ser aluno disciplinado e leitor minucioso dos seus clássicos.

Guedes deixou subentendido que o Brasil não suportará a sustentação em reais caso tenha de prestar por prazo mais longo a ajuda financeira aos desvalidos do capitalismo (os míseros R$ 600 por cabeça!), na hipótese de tardar a volta à normalidade (se é que se pode chamar de normalidade um contingente de 12 milhões de desempregados, em condições de trabalharem para o sustento de suas famílias mas impedidos de o fazer!) .

Dá para imaginar que ele repita diariamente no ouvido do Boçalnaro este conselho desumano: Acabe com o isolamento social a qualquer custo! 

Como o dito presidente não entende bulhufas de economia, deixa a condução das medidas econômicas a cargo do Guedes, a quem já se referiu como o único ministro ao qual tem restrições zero a fazer. Assim, é a economia quem dita as diretrizes desumanas do governo. 
"Tem de vender essa porra [o Banco do Brasil] logo!"

Todos sabem que sou contra a existência do dinheiro como forma de mediação social válida, justamente porque o dito cujo é a expressão materializada do valor, instrumento de toda a moderna escravização social.

Assim, não serei eu defender a existência do Banco do Brasil. Mas, tanto os capitalistas quanto os sociais-democratas da esquerda deveriam atentar para a afirmação do Guedes sobre a necessidade de venda do Banco do Brasil.

Por motivos bem diversos dos meus, ele quer a extinção do BB como forma de fazer caixa salvador para o Tesouro nacional, ao mesmo tempo em que entrega para o sistema de crédito bancário mundial, ameaçado de quebra, uma gorda fatia do mercado financeiro brasileiro.

Guedes leva em conta que a Petrobrás e o pre-sal estão em baixa, devido à grande oferta mundial de petróleo e sua substituição pelas energias limpas, bem como por força da recessão econômica mundial. Então, tendo a abertura para a exploração do petróleo por empresas multinacionais do setor fracassado, que tal vender o BB?  

Se dependesse do Guedes, a República Federativa do Brasil passaria a se chamar se chamar United States of Brazil, rótulo com que ficaria mais fácil vender-nos lá fora (bases militares na Amazônia de troco).
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SOBRE POLÍTICA – ninguém duvida do caráter ditatorial do Boçalnaro, nem mesmo os mais ingênuos dos brasileiros.
Médici, o mais sanguinário dos ditadores militares, é outro ídolo de Bolsonaro


Aliás, temos de admitir que ele sempre fez questão de deixar isto claro, nos seus quase 30 anos de parasitismo político, sem nunca haver mantido atuação legislativa digna do mais ínfimo destaque (ainda que tente fazer-se passar por um outsider). 

Suas falas e atos já nos davam uma boa noção de sua nocividade. Afinal, é um personagem que:
— não perde oportunidade de reverenciar o golpe militar de 64, tentando fazer crer que uma ditadura sanguinária foi democrática;
— afirmou que o regime militar deveria ter matado pelo menos uns 30 mil de seus opositores; 
— sempre elogiou o torturador Brilhante Ustra e ainda hoje o tem como ídolo; e
— foi afastado do Exército por ter tramado a explosão de bombas em quartéis e reservatórios de água, violando o juramento militar de disciplina hierárquica.

Mas, o vídeo flagrou o ato falho por ele cometido ao deixar explícitas em demasia suas intenções tirânicas,  ao mesmo tempo em que fez uma confusão conceitual sobre o que seja a ordem constitucional burguesa. 

Ele reiterou a ideia de que o povo precisa estar armado para defender a democracia contra abusos institucionais.
Pelas costas Bolsonaro chama o Dória de "bosta"
Quem estaria cometendo tais abusos, segundo se pode inferir do contexto da fala presidencial, seriam:
— os governadores e prefeitos Brasil afora, por estarem defendendo o isolamento social que tanto o atemoriza. Especificou três: os governadores João Dória (SP) e Wilson Witzel (RJ) e o prefeito Artur Virgílio (Manaus);
— o Congresso Nacional que, à época da reunião, estava sendo por ele apontado como inimigo público nº 1 do seu projeto absolutista, embora agora, tangido pela paúra do impeachment, tenha iniciado uma farta distribuição de cargo$ ao centrão (de quem era aliado durante seus mandatos legislativos, mas depois passou a desprezar como parte da velha política que ele prometia varrer do cenário brasileiro);
— os ministros do Supremo Tribunal Federal e a instituição em si, por defenderem a Constituição burguesa que ele tanto quer rasgar e por estarem tais ministros reiteradamente demonstrando soberania nos julgamentos processuais, sem medo de que um cabo e um soldado apareçam pela manhã com uma ordem de fechamento daquela casa jurisdicional superior.  

A quartelada de 1964 foi perpetrada, segundo a narrativa golpista, contra a ameaça comunista e pelo restauro da democracia pretensamente decomposta. O discurso era de que no ano seguinte haveria eleições livres e diretas para presidente da República. 

Muitos acreditaram na balela, inclusive o governador golpista Carlos Lacerda, que imaginava ser ungido à Presidência da República com o apoio militar, e até democratas praticantes como Juscelino Kubitschek que votou no marechal Castelo Branco na eleição congressual fajuta que o fez presidente civil deste nosso macunaímico país, no qual, segundo Boçalnaro, é fácil de se entronizarem ditaduras.
Pastora? Damares Alves pregou a prisão de governadores...

Democraticamente passamos 21 anos com presidentes da República sendo escolhidos por uma meia-dúzia de generais, com o endosso de parlamentares em eleições de cartas marcadas, nas quais se virava a mesa de tudo que é jeito para jamais a oposição obter maioria; e com governadores (alguns deles coronéis) e prefeitos das capitais sendo por eles escolhidos a dedo. 

Rasgou-se a Constituição vigente e elaborou-se uma outra, na tentativa de dar aparência de legalidade ao arbítrio. 

Esta é a democracia defendida pelo Boçalnaro. E ele quer que o povo esteja armado pera defendê-la. 

Aliás, na última manifestação intimidatória domingueira em Brasília, foi erguida uma faixa (certamente encomendada ou sugerida pelo gabinete do ódio enquistado no Palácio do Planalto) que continha esta frase risivelmente contraditória: “por um governo militar democrático”. 

Este é o conceito boçalnariano de democracia. 
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SOBRE ALGUMAS QUESTÕES PONTUAIS – os analistas já se debruçaram sobre questões trazidas à baila pelos ministros, que apenas corroboram o espírito do governo do coisa, então apenas destacarei que não causou nenhuma admiração: 
Weintraub quer "os vagabundos do STF" na cadeia
que o titular da (des)Educação Abraham Weintraub haja vociferado contra os congressistas (que agora, apenas um mês depois, viraram aliados) e contra os ministros do STF, afirmando que deveriam ser presos; 
que o meio ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles tenha afirmado que eles deveriam aproveitar as atenções gerais ora voltadas para a crise sanitária para passar regulamentações anti-ecológicas sem dar na vista;
que o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio (aquele das rachadinhas das verbas das candidatas do PSL) queira restaurar a jogatina de cassino no país, na contramão dos escrúpulos religiosos (de fachada) da ministra Damares Alves;
que a mesma Damares, titular da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, haja soado como uma perfeita machista ao falar sobre o movimento feminista;
que os constantes palavrões presidenciais tenham revelado a sua incontinência verbal chula;
que suas palavras hajam evidenciado o quanto há de falsidade nos princípios religiosos presidenciais; 
que a falta de decoro presidencial permeasse praticamente todas as suas intervenções;
que a decência e o cerimonial da representação institucional não hajam comparecido à reunião, decerto por nenhum dos presentes os terem convidado. 

Caso essa fajuta democracia armada do povo boçalnariano viesse a vigorar, eu e muitos outros articulistas que não tememos fazer análises com espírito crítico, seríamos calados e estaríamos incluídos entre as milhares de mortes que concorreriam com os óbitos causados pelo coronavirus genocida que esse governo quer espalhar para tentar salvar a economia, agora ainda mais combalida. 

Não é preciso dizer mais nada sobre o que representa esse espírito do coisa. 
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(por Dalton Rosado) 

Um comentário:

Anônimo disse...

O que o articulista esqueceu de dizer é que foi catártico.
O povo que sabe muito bem que políticos "são todos farinha do mesmo saco" sentiu-se representado.
Houve uma catarse e a assembléia de loucos disse o que o povo sempre achou dos seus representantes.
Só numa época como a nosso é que as elites políticas são desnudadas tão abertamente.

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