sexta-feira, 24 de abril de 2020

O PAPEL DE SERVIS ADMINISTRADORES DO CAOS CAPITALISTA CONDIZ CONOSCO? – 1

dalton rosado
A ESQUERDA E O PODER VERTICAL
Assim como não há meia gravidez, inexiste anticapitalismo pela metade. Tal afirmação pode parecer sectária mas, no atual estágio da ingovernabilidade capitalista, não podemos contemporizar com o poder político estatal vertical mundialmente existente. 

Até mesmo os serviçais políticos do capital não conseguem mais administrar a contento a função política de sua sustentação, pois o Estado faliu e somente pode existir como ponta de lança da opressão.

Os partidos de esquerda estão viciados nas migalhas de poder que a ordem capitalista lhes concede: cargos nos podres poderes Executivo e Legislativo (e alguns no Judiciário, quando a indicação política se mostra decisiva para alguns altos cargos na magistratura). 

Comportam-se, então, como servir administradores do caos capitalista, uma vez que somente conseguem enxergar as próximas eleições, sem considerarem o desgaste inevitável do período pós-eleitoral caso sejam eleitos (ficando sempre em minoria no parlamento e demais aparelhos de Estado).

Assim procedendo, ao invés de passar para o povo a referência correta do que se deve propor, a esquerda tem dado azo aos descréditos seculares como administradores das categorias e da ordem capitalista, as quais vêm se perpetuando no tempo.
A crítica corrosiva de Glauber Rocha a uma esquerda acomodada ao capitalismo continua atual até hoje 
A esquerda fez isso até mesmo nos países onde ocorreram as revoluções marxistas-leninistas que, contudo, não negaram as categorias capitalistas, seja por oportunismo do exercício do poder vertical ou por medo da ingovernabilidade decorrente de uma demorada e turbulenta transição do modelo mercantil social para o modelo (a ser implantado) imune às categorias capitalistas. 

Os que se dizem marxistas tradicionais têm medo da crítica do valor marxiana; negam Marx muito mais vezes do que Pedro negou Cristo.

O poder governamental marxista-leninista, conservando as categorias capitalistas vivas, já se manifestava como socialmente inviável no longo prazo, mesmo sob o dístico falacioso da Estado proletário. Deu no que deu, em todos os lugares. 
"o que estávamos mesmo fazendo ali?"

Quando assumi em 1986 o cargo de secretário de Finanças da prefeitura de Fortaleza pelo PT (que depois nos expulsou, à prefeita Maria Luíza e a mim, por não compactuarmos com o jugo da conciliação de classes e do financiamento do processo eleitoral em moldes que desembocavam na corrupção), para cumprir um mandato-tampão de três anos e me deparei com a situação falimentar desse aparelho de Estado burguês, indaguei-me: o que estávamos mesmo fazendo ali? 

Permaneci no cargo até o final porque ainda acreditava (equivocadamente) que o nosso desempenho sem corrupção e tentando ajudar os movimentos populares a partir do governo municipal poderia dar bons resultados. Só mais tarde me dei conta do equívoco. Hoje teria renunciado.

É que tínhamos um déficit de mensal de 20% entre receita e despesas ordinárias, o que nos obrigava ao ajuste orçamentário sob pena de nos tornarmos insolventes até com a folha de pagamento dos servidores. 

Tínhamos defendido, durante a campanha eleitoral que nos levou à primeira vitória numa capital pelo PT, bandeiras como a fixação de um piso salarial das categorias profissionais (professores, médicos e demais profissionais da área da saúde, engenheiros, assistentes sociais, procuradores jurídicos, etc.), e víamo-nos impedidos, objetivamente, como administradores públicos, de pagar até mesmo os rebaixados salários de tais categorias. 
Escassez de recursos inviabilizava ideais

A mesma contradição acontecia em muitas outras áreas da administração pública municipal. 

Diante da inflação galopante após o fracasso do Plano Cruzado, éramos obrigados a aumentar quase diariamente o valor das passagens da empresa de ônibus municipal, como forma de compatibilizá-lo com a elevação de custos de transporte. 

Como não queríamos elevar tal preço, em solidariedade aos trabalhadores que viam ser corroídos os seus salários mensalmente, éramos obrigados a cobrir o déficit entre receita e despesa da empresa pública em questão, sem dispormos de recursos orçamentários para tanto. 

São apenas dois exemplos municipais que servem para ilustrar bem a contradição que representa ser governo de um aparelho de estado burguês e ter um norte anticapitalista autêntico. 

Quando a coisa se transfere para o plano federal, os problemas se multiplicam, principalmente nos períodos cada vez mais constantes de crises cíclicas e maiores. 

 Fico a imaginar como estariam as coisas caso o Fernando Haddad houvesse sido eleito presidente em 2018 e tivesse de administrar, dentro de uma referência de receitas públicas e despesas, o quadro caótico decorrente da debacle capitalista — que já era grave antes do coronavírus e agora se intensificou de modo avassalador.  (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

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