terça-feira, 28 de abril de 2020

O BOLSONARISMO-RAIZ ENGENDRADO NOS GABINETES DO ÓDIO NÃO TERÁ FUTURO NO BRASIL. JUAN ARIAS EXPLICA POR QUE

É difícil ser profeta nesses tempos conturbados, mas, pelo que conheço de Brasil, o bolsonarismo-raiz, o que se nutre nas cloacas do gabinete do ódio do clã familiar Bolsonaro, não terá futuro nesse país. 

Logo ficará reduzido a uma excentricidade política que ainda poderá fazer barulho, mas que não será um movimento de peso. Acabará sendo marginal quando aparecer uma proposta democrática alternativa capaz de tirar o país do pesadelo autoritário e grotesco no qual está chafurdando.

Em que me baseio? No fato de que o chamado bolsonarismo nasce do radicalismo da política vista como guerra, como confronto permanente, como morte mais do que vida.

É bom lembrar que o pai da psicanálise, Sigmund Freud, descobriu, inspirado na filosofia grega, que o mundo se move entre duas grandes pulsões: 
— a de eros, que seria o amor pela vida, à procriação, à sexualidade, ao prazer e ao amor;
— e de tanatos, que lembra o deus da morte. É o impulso da destruição, da violência e do sadismo.

Segundo Freud, o mundo continua de pé porque o impulso da vida é superior ao da morte. Do contrário, já não existiria. Nós teríamos nos autodestruído.

Acontece o mesmo na política. Há momentos em que o impulso de morte e destruição, o totalitarismo, parece triunfar, mas por fim vencem os valores da vida e da liberdade como aconteceu na Europa após a tragédia da 2ª Guerra Mundial.

Há países que sempre foram mais inclinados a viver sob o tanatos destrutivo e outros preferem crescer sob a força da vida e da liberdade que são as chaves da felicidade.

E o Brasil? Esse é um país que, apesar de um passado de bárbara escravidão que deixou marcas na pobreza e no abandono milhões de pessoas largadas à sua própria sorte, não pertence aos propensos a fomentar fantasmas de morte. 

Se o Brasil tem pecados em certos momentos de sua história, é mais por passividade e servilismo ao poder do que pela guerra. É um país com vocação, em suas diferentes e ricas culturas, ao desfrute da vida. Um país que não é geneticamente guerreiro.

De modo que o bolsonarismo, tal como se apresenta hoje sob a bandeira da violência e da morte, da política vista como um ringue de bairro, não pode criar raízes profundas nesse país.

Eu me atreveria a dizer que o bolsonarismo extremo, o da gritaria, que às vezes pode assustar, não é mais do que uma dessas seitas fanáticas que nascem e morrem sem deixar rastro. Essa política se nutre somente de negatividade. Cria inimigos imaginários e por fim se mostra de uma infantilidade espantosa.

Essas seitas são destrutivas, procuram brigas e se alimentam de símbolos de morte. Basta ver o caixão que levam nas manifestações como símbolo de sua morte anunciada.

Querem sempre guerra e luta porque a paz os assusta. E quando não existem inimigos os criam. Destroem tudo o que evoca o gosto pela vida, a alegria e a liberdade. Por isso não suportaram e assassinaram a jovem negra e favelada, a ativista Marielle Franco.

Essas seitas religiosas e políticas precisam de um mito para suprir sua nulidade como manada. Sofrem de complexo de castração. Professam uma sexualidade doentia adornada com símbolos que beiram a pornografia.

Cultivam os símbolos da morte e da destruição porque viver lhes dá medo. Sua vocação é a satânica de dividir. Agem nos meandros da obscuridade que é o reino da mentira.

Quando não encontram inimigos os inventam. Precisam manter vivo o diapasão do ódio. Por isso nadam com maestria nas águas escuras das fake news.

Negam a compaixão. A bile e o amargor são os primeiros ingredientes de suas cozinhas.

Essas seitas da morte acabam por fim como canibais devorando uns aos outros. A maior curiosidade mórbida, os melhores orgasmos políticos do bolsonarismo-raiz, vêm da paixão pelas armas e por todo o ritual gestual e simbólico da guerra.

O deus da seita é o dos trovões e dos medos, o vingador, o deus que se compraz com a destruição dos inimigos. Eles que se dizem seguidores da Bíblia nunca entenderão a emoção de Jesus de Nazaré ressuscitando seu amigo Lázaro e ao ver um leproso curado.

Ao final, toda essa agressividade e fome de guerra e conflitos do bolsonarismo-raiz revelam sua incapacidade à felicidade. Eles se afogam em seus próprios instintos de destruição.

Os diferentes sexualmente lhes dão pânico porque ameaçam sua falsa virilidade. A ternura lhes dá medo porque condena sua índole machista.

Eles se sentem melhor às portas de um cemitério do que diante do berço de um recém-nascido. Seus impulsos de morte sempre superam os de vida.
Esses seguidores de morte e luta se assustam diante dos mansos porque definitivamente os desarmados lhes dão medo. Mostram coragem somente diante dos frágeis porque os verdadeiros fortes, que são os que não temem a morte, desnudam sua falsa hombridade.

Não, uma seita com essa força destrutiva e niilista nunca será a vocação de um Brasil que, apesar de todos os seus defeitos, não renuncia à alegria de viver em paz. Só poderão impô-la com a força dos tanques de guerra.

Os dois populares ministros (o da Saúde, Mandetta; e o da Justiça, Moro), ambos recentemente expulsos do Governo, representam juntos, de acordo com as últimas pesquisas, 75% do consenso popular. O que evidencia que o gabinete do ódio está se esgotando. Quem lhes resta? O Brasil não está mais com eles.
Muito otimista? Talvez, mas o pessimismo já deixou nossas gargantas secas demais. 
.
(por Juan Arias, octogenário jornalista espanhol que desde 1999 é correspondente do El País no Brasil, 
tendo fixado residência em nosso país)

4 comentários:

Anônimo disse...

Juan Arias está muito otimista.
Hoje na Carta Capital, página no Facebook, o filósofo Vladimir Safatle tem outra análise da catastrófica situação política.

Título da entrevista: " Bolsonaro se vê á frente de uma revolução em marcha e não vai parar".
Ele criou uma direita popular que começou com 30% de seguidores e vai acabar com 30% de "camisas negras".
A pandemia fez o fascista recuar da marcha programada para 15 de março. Voltará á carga. Seus seguidores formam uma minoria articulada enquanto a maioria é desarticulada.
As forças armadas fecharão com ele se ele demonstrar força.
São terríveis, assustadoras, as previsões expostas na entrevista.
Luiz Carlos Barbosa

celsolungaretti disse...

Eu deixei de trazer para o blog os artigos do Safatle exatamente por causa dessa sinistrose toda. Considero-a exageradíssima. O Governo Bozo acabou na sexta-feira, quando a bandeira do combate à corrupção passou a ser-lhe desfavorável.

O que resta de bandeira capaz de sensibilizar contingentes maiores? A economia caminha para a pior depressão em décadas, a epidemia vai matar centenas de milhares de brasileiros e o lavajatismo foi trocado pelo auxílio dos corruptos na blindagem aos príncipes herdeiros.

Sobraram só os zumbis evangélicos, as milícias e os malucos. Não são suficientes para sustentarem governo nenhum.

Nunca esqueça que os cidadãos politicamente rudimentares levam muito mais tempo do que nós para digerirem mudanças como a de sexta. Mas, quando se derem conta do que significa, realmente, trocar Moro por Roberto Jefferson, os 30% cairão pela metade (já analista de instituto de opinião falando que o bolsonarismo ficará só com uma fatia de 12%).

Vamos pensar no que virá depois. O Bozo hoje não passa de um cadáver político à espera que o enterrem. E vai feder cada vez mais.

celsolungaretti disse...

Infelizmente, deletei por engano um comentário do Cássio no sentido de que a fragilidade da situação atual do Bozo se evidencia na necessidade que ele teve de recorrer ao Centrão para barrar o impeachment; e que, se o Bolsonaro tivesse condições ou disposição de dar o golpe, já teria dado.

Peço desculpas ao Cássio pelo erro técnico. Às vezes não estou conseguindo dormir de madrugada e venho para o teclado, mas permaneço meio sonado. La vecchiaia è una brutta bestia, diziam os italianos de outrora.

celsolungaretti disse...

(esta resposta ao comentário deletado do Cássio já estava escrita antes da pequena lambança que cometi, então mantenho a redação original)

Cássio,

ele não deu o golpe há um ano, quando estava no auge do prestígio, porque não passa de um amador orientado por amadores como o Olavo de Carvalho.

Safatle & cia. nunca comparam a qualidade de sua "liderança" à de Hitler ou Mussolini. Estes enfrentaram obstáculos bem maiores em sua escalada ao poder total e os foram superando um a um.

Já o Bozo foi tropeçando nas próprias pernas no caminho todo, até chegar ao fim de feira atual, quando está fazendo movimentos desesperados que vão piorar mais ainda sua situação.

Não exonerou o Mandetta e o Moro por estratégia, apenas por incapacidade de discernir os seus próprios interesses. E o fez na hora errada.

O Mandetta fica com a imagem de quem estava mantendo o controle da situação e o Bolsonaro e seu boneco de ventríloquo levam a culpa do pandemônio que já começou e vai fazer do mês de maio um pesadelo para os brasileiros.

O Moro pulou fora de um barco que estava afundando e deixa o Bozo nos braços do Roberto Jefferson e comprando uma briga enorme com a Polícia Federal, que resistirá à intervenção por motivo fútil que sofreu.

As consequências virão adiante. Como impeachment ou interdição demoram demais, acredito que os realmente poderosos acabarão forçando-o a renunciar. Provavelmente em maio ou junho.

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