sexta-feira, 17 de abril de 2020

BÁRBAROS NO PORTÃO

Enquanto os bárbaros ameaçam arrombar o portão, as autoridades da cidade sitiada discutem o sexo dos anjos. 

A lamentável confusão que culminou na troca do ministro da Saúde na fase mais crítica da luta contra a epidemia do novo coronavírus faz evocar essa imagem.

O presidente da República, convertido por sua ignorância e pusilanimidade no maior estorvo à coordenação dos esforços sanitários, é o único responsável por ter produzido mais um ruído em torno do nada. 

Figura minúscula da política, insiste em desperdiçar energias de um país em emergência.

Em razão dessa conduta abstrusa de Jair Bolsonaro, uma camisa de força institucional foi sendo tecida em torno da Presidência. Governadores e prefeitos, gestores diretos da saúde pública, tiveram de tomar decisões onerosas para seus cidadãos protegendo-se de uma saraivada de críticas desonestas e desinformadas do chefe de Estado.

A ameaça constante de que decretos do Planalto viessem a se sobrepor às ordens de restrição de atividades das autoridades locais exigiu do Supremo Tribunal Federal a declaração, unânime entre os ministros, da ilegitimidade de atos unilaterais do Executivo federal.

Os presidentes e as maiorias da Câmara e do Senado armaram-se para rebater e rechaçar as barbaridades que pudessem surgir da famigerada caneta de Jair Bolsonaro.

O próprio Ministério da Saúde teve de aprender a operar num ambiente hostil, em que o presidente da República contrariava, com gestos e falas, as normativas da pasta, que não diferem em nada das que prevalecem em todo o planeta.

A muito custo, reitere-se, foi erguida essa barreira de contenção ao poder de destruição do chefe do governo, em meio à batalha sem precedentes contra a pandemia. Por isso, não será uma troca de ministro que colocará tudo a perder.

A opção pelo oncologista Nelson Teich tem a vantagem de eliminar nomes exóticos e obscurantistas que eram cogitados. Mas o desconhecimento, pelo novo ministro, do que seja a complexa máquina da saúde pública no Brasil vai cobrar um preço de aprendizagem em que o país não precisaria incorrer.

Defender, como Teich, a massificação dos testes é correto, porém insuficiente. A questão é como fazer um país que testa pouquíssimo passar a processar milhões dessas avaliações em poucos meses.

E como seu ministério vai ajudar agora, emergencialmente, os hospitais cujas UTIs estão se exaurindo?

Essa não é uma questão teórica. Brasileiros vão morrer desassistidos na fila da saúde pública se ela não for respondida com ações tempestivas e muito bem planejadas.

Os desafios do novo ministro são concretos e prementes. Tudo o que ele não tem é mais tempo a perder. (editorial desta 6ª feira, 17, da Folha de S. Paulo)
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Toque do editor — E não é que eu vivi o suficiente para ver o dia em que posso aprovar de cabo a rabo um editorial da Folha de S. Paulo?! 

E a azeitona na empada é que não fui eu a movimentar-me em direção àquele que na década passada eu qualificava de jornal da ditabranda, mas foi o dito cujo que se deslocou até onde eu já estava.

[Se nada existe para excluir, haveria, sim, o que incluir: é o que está no último parágrafo destas considerações.  Mas, para a grande imprensa, ainda não chegou a hora do Basta! e do Fora!. Não tenho dúvidas de que logo chegará...]

Então, nem vou redigir eu mesmo um post sobre a troca de ministro da Saúde, pois o essencial já está aí: depois que o Supremo proibiu Bolsonaro de sabotar o combate à pandemia com seus rompantes de obscurantista alucinado, tanto dá Mandetta quanto Teich.
O principal é que o STF converteu a caneta Bic do presidente miliciano numa peça decorativa; e que, por mais que ele se esforce para fingir comedimento, é enorme a chance de novamente descontrolar-se e rodar a baiana, esgotando de vez a paciência dos que até agora se limitaram a enquadrá-lo e os fazendo perceber que de nada adianta contemporizarem com um transgressor serial da Constituição. 

A sucessão interminável de crimes de responsabilidade do Bolsonaro mais do que justifica sua remoção do cargo. E, enquanto não for tomada esta providência obrigatória, ele continuará reincidindo, como naquela fábula em que, ao atravessar o rio nas costas do sapo, o escorpião o pica, condenando-se a morrer afogado porque foi incapaz de controlar sua natureza. (por Celso Lungaretti)  

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