quarta-feira, 18 de março de 2020

PENÚRIA, COVID-19 E BOLSONARO: OS TRÊS JUNTOS VÃO ALÉM DO QUE OS BRASILEIROS CONSEGUEM SUPORTAR AO MESMO TEMPO

A pandemia de Covid-19 está dramatizando a necessidade de o Brasil ter um presidente da República minimamente à altura do cargo, ao invés desse Bolsonaro que está aí.

A opção desastrosa que, tangidos pela manipulação mais descarada de um pleito presidencial na História de nosso país, 39% dos eleitores fizeram em 2018, agora cobra seu preço. E ele é altíssimo.

Ladino que se deu bem na política com sua malandragem das ruas e graças à conivência corporativa ou criminosa dos que o deveriam ter enquadrado lá atrás (inclusive o Exército, que preferiu expeli-lo do que puni-lo), Bolsonaro sempre se ressentiu do papel secundário a que era relegado por força de sua crassa ignorância dos valores da civilização. 

Prosperou mas nunca foi respeitado, por ser tosco demais até para os rasos padrões da política brasileira. Beijava a mão do Paulo Maluf como hoje beija a do Donald Trump, recebendo de volta afagos inócuos e  algumas sobras do banquete dos verdadeiramente poderosos. 

Um dos representantes no legislativo que foi, durante três décadas, da arraia miúda das corporações policiais e militares do Rio de Janeiro, mantendo relações as mais suspeitas com as milícias geradas pela mesma ambiência, Bolsonaro adotou automaticamente os valores anticomunistas e antipetistas dessa gente, ecoando sua insatisfação com as medidas restritivas aos abusos policiais e com a apuração dos crimes cometidos pelos torturadores da ditadura militar.

E, percebendo que o rancor dos descontentes com a modernidade e com os rumos da civilização era o trampolim ideal para suas ambições, assumiu o papel de vilão emblemático para, louvando o torturador Brilhante Ustra, dizendo grosserias sobre as mulheres e os gays ou defendendo armas para todos, aparecer com grande frequência na mídia. Falem mal, mas falem de mim.

A decisão dos donos do PIB, de fazerem de um cidadão tão despreparado e inadequado o presidente da República, se deveu à mera falta de opção melhor, depois dos fracassos tucanos em quatro eleições presidenciais sucessivas. 

E, quando o desempenho medíocre do Bolsonaro nos debates eleitorais ameaçava detonar os planos  dos ditos cujos (Guilherme Boulos abalou Bolsonaro no primeiro deles e Marina Silva o deixou grogue, sem reação, no segundo), uma facada providencial lhe permitiu passar o resto da campanha fugindo da raia para não expor em rede nacional sua incapacidade para a discussão franca. Sorte? Ela só existe para quem acredita nela...

Então, o abuso desmesurado de poder econômico, a avalanche de mentiras disparadas pelo WhatsApp e os erros crassos do PT (intensamente explorados pela propaganda adversária) elegeram um presidente caricato, sem experiência administrativa nenhuma, muito menos estatura moral e intelectual para desempenhar qualquer outro papel que não seja o de bobo da corte palaciana.
E já lá se vão quase 15 meses de: 
— intimidações das milícias virtuais e das hordas bovinizadas do bolsonarismo ao Congresso Nacional e ao STF, com o apoio implícito ou explícito do presidente da República;
— grotescos disparates na Educação, na Cultura e nas Relações Exteriores;
— devastação ambiental em benefício dos setores mais atrasados e predadores do empresariado rural;
— medidas draconianas na economia que nem de longe trouxeram o retorno (retomada dos investimentos produtivos) prometido pelo mercador de ilusões Paulo Guedes);
— vexames e atentados à moral e bons costumes protagonizados a cada instante por Bolsonaro; 
— impunidade dos chefões milicianos do RJ e morte pra lá de suspeita daquele que sabia demais;
— estímulos à baderna policial no Ceará e incentivo generalizado às matanças desnecessárias por parte de quem deveria manter a ordem, etc.

A pandemia de Covid-19 tem tudo para ser a gota d'água que fará transbordar o copo, num momento em que o desgoverno atual já atravessava sua pior crise, face ao anúncio de mais um crescimento irrisório do PIB (1,1% em 2019), confirmando o que este humilde escriba vinha dizendo há mais de um ano: Paulo Guedes não passa de outro Joaquim Levy, ambos economistas do segundo escalão que aceitaram um desafio muito acima de suas capacidades (exatamente porque os mais aptos e respeitados, percebendo que se tratava de uma roubada, não quiseram se desmoralizar).  

Mas, sendo zero à esquerda em tudo que se refere à economia, à administração e à definição de políticas públicas, Bolsonaro acreditou que Guedes faria o PIB decolar, liberando-o para ocupar-se com aquilo que realmente o empolga: politicalha e palhaçadas.

[Estas últimas lhe dão a oportunidade de vingar-se simbolicamente dos expoentes da ciência, do pensamento e das artes, três círculos dos quais esteve excluído durante sua vida inteira...]

Agora, vendo que o Posto Ipiranga não passou de um pastel de vento, ele simplesmente não sabe o que fazer e para onde ir, até porque sua propensão real nunca foi pelo neoliberalismo, mas sim pelo aumento da presença do Estado na economia e na sociedade, criando um suporte mais sólido para o autoritarismo.  

E, face à crise sanitária, suas preocupações maiores são a de não deixar que as medidas adotadas mundialmente contra a pandemia prejudiquem por aqui as atividades econômicas (os lucros dos empresários vêm em primeiro lugar), nem que as restrições às aglomerações atrapalhem as chantagens contra o Congresso e o STF que ele quererá orquestrar nos próximos dois ou três meses (as tentativas de subjugar os outros Poderes vêm em primeiro lugar).

Até o ministro da Saúde que tem sido uma ilha de racionalidade num oceano de iniquidades, Luiz  Henrique Mandetta, está sendo pressionado a prostrar-se à insanidade presidencial, passando a agir não como médico, mas como mais um pau-mandado do solapamento das instituições levado a cabo por Bolsonaro.

Quando o presidente da República começa a atentar desta forma contra a própria vida dos brasileiros, não há mais como contemporizar. Alguma solução tem de ser rapidamente adotada, para que a conjugação da crise econômica com a emergência sanitária, nos meses difíceis que teremos pela frente, não leve ao descontrole absoluto.

Miguel Reale Jr. (vide aquipropõe que se imponha a Bolsonaro a realização de um exame de sanidade mental, pois presidente que se comporta como espalha-vírus arruaceiro pode muito bem estar incapacitado para governar.

Ricardo Kotscho (vide aqui) tenta convencer o insensato a renunciar, o que implicaria um mínimo de autocrítica em quem até agora demonstrou não ter nenhuma.

Os pedidos de impeachment já começam a chegar à Câmara Federal, e certamente vão aumentar em escala geométrica, tanto quanto a contaminação com o coronavírus. 

Se eu fosse um cínico, terminaria este artigo com um velho ditado: quem pariu Mateus, que o embale.

Mas, não é da minha índole mandar às favas os pobres e os idosos, como acontecerá se pesarem mais os diagnósticos do dr. Olavo de Carvalho que os diagnósticos do dr. Luiz Henrique Mandetta.

Então, conclamo os brasileiros a cerrarem fileiras em torno da civilização, contra a barbárie. 

Pois, mais do que nunca, é disto que se trata agora. (por Celso Lungaretti)

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Celso, que solução concreta vc teria a nos oferecer?
Assinado: povo brasileiro

celsolungaretti disse...

O impeachment demora demais.

A renúncia ele só pediria se tivesse a mínima noção de quão desastroso o seu governo está sendo.

Mas, a sugestão do Miguel Reale Jr. é boa. Realmente acredito que ele não tenha condições mentais para o exercício do cargo. Isto confirmado, o vice assumiria em pouco tempo.

Anônimo disse...

***
Grande Celso.

O momento é de mudança de paradigmas. Wall Street está arpoado e os caras do FED não conseguiram injetar 1,5 trilhão de dólares de liquidez no mercado a semana passada porque já há legislação impedindo que eles brinquem a vontade.
Isso no EUA, que é onde acontecem coisas realmente importantes para o mundo ocidental.
As futricas tupiniquins são risíveis. Tira JB, coloca Mourão, e o circo ficará menos engraçado.
Mas, quando se é um martelo, todos os problemas são pregos.
Revolucionários raiz só pensam em termos de revolução e essa é a beleza que existe em sua personalidade.
Esse afã destrutivo, mesmo que se imagine seletivo, é também a utilidade dos demolidores. Abrem espaço para que algo novo seja construído.
Admiro muito seu blog e seus textos impecáveis.
*

celsolungaretti disse...

Companheiro,

destrutivo é o capitalismo, que impede a organização da sociedade em bases racionais e justas, de forma que o potencial científico e tecnológico de nossa época seja utilizado para oferecer a todos os seres humanos os bens e recursos necessários para terem uma vida realmente gratificante e plena.

Pouco teria de ser destruído. P. ex., quanta coisa decente e útil se poderia fazer nos prédios nos quais hoje se pratica impunemente o crime da agiotagem, vulgo atividades bancárias?! E por aí vai.

A forma de superarmos esse modelo social baseado na ganância e na busca do privilégio, para construirmos outro em que as pessoas colaborem solidariamente para o bem comum, dependerá da resistência que a velha ordem opuser. Se cair de podre, ótimo.

Destruidores são os outros, que, com sua faina predatória, estão nos encaminhando para catástrofes que podem até extinguir a espécie humana.

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