sábado, 28 de março de 2020

MÁRIO SÉRGIO CONTI CONCLUI: "A LOUCURA DE BOLSONARO É DEMASIADO EVIDENTE, ELE DEVE GOVERNAR OU SER DERRUBADO"

GOVERNO BOLSONARO É INEFICAZ E SE TRANSFORMOU
 NUM INIMIGO
Bolsonaro é um bobo alegre e perigoso. Não liga para a lógica e a coerência. Despreza os fatos, o real, a verdade. Não tem compromisso com os brasileiros. Como foi eleito, se acha no direito de arrotar absurdos. Mas não se é presidente impunemente.

Em 15 de janeiro de 1793, um advogado de 25 anos, autor de um poema épico-libertino que açoitava a corte de Versalhes, associou o exercício do poder não apenas à responsabilidade —mas ao dolo, à culpa e à condenação. Chamava-se Louis Antoine Léon de Saint-Just.

Na notável peça oratória com a qual acusou Luis 16 de ser inimigo do povo, ele tonitruou:
"Não se pode reinar inocentemente: a loucura é demasiado evidente".
O jovem de traços finos não deu chance ao meio-termo: 
"Esse homem deve reinar ou morrer"
Foram 361 os deputados da Convenção que concordaram com Saint-Just. A cabeça do rei rolou uma semana depois.

Como os tempos são outros, a invectiva do arcanjo da Revolução deve ser suavizada: a loucura de Bolsonaro é demasiado evidente, esse homem deve governar ou ser derrubado. Não se pode permitir que sabote o combate à pandemia, que aumente a dor e a desordem.

Não se trata só da sua estupidez. Seu governo ineficaz transformou-se num inimigo. 

Veja-se o ministro da Saúde. Ao invés de dizer se o confinamento é necessário ou não, fez média. Mas empostou a voz, deu-se ares de sumidade e fugiu das perguntas de repórteres. Revelou-se um politiqueiro pomposo e servil.

No aspecto prático, foi pior. Os equipamentos que prometeu não chegaram aos hospitais: alegou que não recebera os endereços. Não apresenta números que possam orientar o combate à propagação do vírus. É prolixo e opaco.

No Ministério da Economia, o tagarela de todas as tevês emudeceu. Ele nem sequer alinhavou meia dúzia de medidas imprescindíveis. Não tem ideia de como fará chegar algum dinheiro aos desafortunados. Numa situação de emergência, seus dogmas ideológicos o paralisam.

Mandetta e Guedes são os bumbos da charanga regida por um ignorante que crê piamente em remédios não testados. Que acha melhor que uns velhinhos morram a ele mesmo se aplicar e trabalhar. Que opõe questões sanitárias à economia sem saber o que são uma e outra.

O resultado é o que se vê. Ausência de testes para detectar o vírus. Falta de UTIs e ventiladores pulmonares. Governadores a favor do confinamento e outros contra. Comerciantes sem saber se abrem ou fecham suas lojas. Panelaços contra o presidente e carreatas a seu favor.

Há mais. Um ministro senil que rompe a quarentena. Pastores argentários que promovem cultos de massa nos quais extorquem o dízimo.

Traficantes e milícias decretando toque de recolher em favelas. Saques aqui e ali. Boatos, baderna, vale-tudo.
A anarquia aumentará à medida que a Covid-19 congestione hospitais. O pico da pandemia tende a pegar o país pela proa, abatendo-o sabe-se lá por quanto tempo. É preciso fazer algo —dizem todos. Mas o quê?

Saint-Just, que, além de resoluto era realista, talvez tenha algo a nos dizer. “Não há grandes homens, só há grandes conflitos”, escreveu.

E ainda: “A força das coisas nos conduziu talvez a resultados nos quais não havíamos pensado”. E arrematou: “Ousem!”.

Não há o que esperar de Bolsonaro e sua tropa de néscios, da horda de odiosos que ele atiça. Mas é preciso lhes opor os argumentos da ciência e da solidariedade. 

Contra a força das coisas, a força da razão virtuosa. Política não é chicana, é rigidez contra o mal. Ainda que hoje a política esteja reduzida à retórica. 

Ao contrário de Saint-Just, vivemos dias de anomia. Ele dizia não haver barulho mais belo do que o de um povo que discute e delibera o seu destino. E nós aqui, encerrados em bolhas virtuais, falando a língua das panelas. Ousar como?

Estamos em boa medida na dependência daqueles que detêm poder factual e prático. Ou seja, da elite —seja ela econômica, parlamentar, científica, institucional, midiática ou jurídica.

Dado o prontuário histórico dos mandachuvas do Brasil, dá vontade de chorar. Tanto que pululam os que querem lucrar com a crise; os demagogos impenitentes; os atravessadores desabusados; os pilantras sem pejo. Mas a força das coisas não é unívoca nem unilateral.
Robespierre e Saint-Just em Danton — o processo da Revolução

Há gente séria e empenhada despontando. Cientistas que pesquisam e buscam saídas. Médicas e enfermeiras que vivem dias macabros. Políticos tradicionais que se insurgem contra os palermas do Planalto. 

Que eles ousem tirar o problema Bolsonaro do caminho. (por Mario Sergio Conti)
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Toque do editor Respeito muito o Mário Sérgio Conti, primeiramente por seus textos quase sempre magníficos, tanto na forma como no conteúdo; e mais ainda pela valiosa contribuição intelectual que deu à luta pela libertação de Cesare Battisti em 2007/2011.

Então, como o deste sábado tem tudo a ver no que diz respeito ao nosso pesadelo atual, estou publicando-o apesar de avaliar o personagem histórico Saint-Just, pelo qual ele deixa transparecer incontida admiração, como um dos grandes responsáveis pela instauração do Terror que descaracterizou a Grande Revolução Francesa e abriu caminho para o bonapartismo.

Saint-Just, que mais merecia ser chamado de arcanjo da guilhotina, foi o braço-direito de Robespierre na montagem dos julgamentos sumários e consequente extermínio de revolucionários, inclusive do mais popular dentre todos junto ao povo (Georges Danton). 

Ambos abriram uma porta que jamais deveria ter sido aberta: a das execuções de revolucionários por parte de revolucionários com posicionamentos diferentes. 


Stalin foi pelo mesmo caminho e obteve o mesmíssimo resultado: tornou a república soviética tão odiosa que, após sua morte, cairia de podre, propiciando o restabelecimento do capitalismo.

Outro jornalista brilhante, Paulo Francis, também tecia loas a Saint-Just. Tem gosto pra tudo. Mas eu jamais gostaria de provar o gosto do sangue de companheiros. Tornei-me revolucionário para combater os inimigos, não para reprimir os amigos. (por Celso Lungaretti) 

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