sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

O BOI GORDO QUE FOI PRO BREJO E O REI DO GADO CUJA FALÊNCIA AJUDEI A ADIAR

Leio no noticiário que um relacionamento amoroso compromete o andamento do processo de falência da Fazendas Reunidas Boi Gordo, em curso desde 2002, afetando 30 mil credores, lesados em cerca de R$ 5 bilhões.

Está sendo pedida a suspensão dos trâmites, por motivo incomum: um promotor de Justiça e a advogada do escritório que representa o síndico da massa falida têm estado in love nos últimos meses. 

Realmente, salta aos olhos que ambos se tornaram suspeitos de conluio, de nada adiantando alegarem que uma coisa é uma coisa e a outra coisa é outra coisa. A juíza, se respeitar os textos legais, terá mesmo de acatar tal expediente protelatório. 

Isto, claro, a menos que a igualmente escandalosa promiscuidade entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol nos casos da Lava Jato, mais do que provada pelo Intercept Brasil e até hoje sem as consequências jurídicas que se impunham, tenha inspirado jurisprudência, tipo se a Constituição inexiste para alguns casos, tudo é permitido... 
Ação promocional da Boi Gordo na esplanada dos Ministérios

Tenho a Boi Gordo atravessada na minha garganta. Era uma das principais clientes de uma agência de RP na qual trabalhei por longo tempo.

Como editor da revista da Boi Gordo (a Moeda Forte), autor de editoriais, artigos e mensagens assinados pelo proprietário do grupo e responsável pelos cases para concorrer a prêmios de marketing, conhecia-a como poucos... menos aquilo que escondia ciosamente, claro. Dos podres só vim a saber depois que a massa fecal foi para o ventilador.

No começo, o esquema funcionava às mil maravilhas: investidores aplicavam em bois magros e recebiam de volta tal valor, acrescido do ganho resultante da engorda e tendo descontada uma taxa de administração.

A Boi Gordo adquiriu grandes campeões e investiu pesado em melhoria genética, de forma que havia mesmo uma substancial diferença entre o valor do boi antes e depois da engorda. Mas, não o suficiente para manter o negócio em pé: o fechamento de novos contratos ainda era necessário para pagar a quem liquidava suas inversões. Continuava sendo uma pirâmide financeira.

A contratação de um merchandising da Boi Gordo na novela O rei do gado, da Globo, com direito a uma aparição do próprio dono da dita cuja acertando um negócio com o ator Antônio Fagundes (o qual, aliás, ficou tão deslumbrado que se tornou investidor na vida real e agora está entre os lesados) provocou um boom nesse mercado.
Uma concorrente, a Gallus, começou a atuar com muita agressividade, tentando ir além do terço que conquistara oferecendo maiores vantagens (a Boi Gordo conseguiu conservar dois terços). Mas, esticou demais o elástico e quebrou em 1998, provocando uma onda de descrédito com relação ao esquema de engorda.

Na maratona para evitar que nossa cliente fosse arrastada para o lixo juntamente com a Gallus, coube-me redigir todos os textos da defesa da Boi Gordo, a acionistas, a fornecedores, a autoridades, a jornalistas, aos leitores da revista, etc., seja como ghost writer do dono da empresa, seja em nome da agência de RP da qual eu era gerente. 

Foi uma trabalheira infernal, mas a salvação da Boi Gordo rendeu à agência uma profusão de prêmios de marketing, inclusive o principal das Relações Públicas internacionais, o Golden World Awards.

Meio ano depois a Boi Gordo, por uma divergência com a filha do meu patrão, encerrou o contrato com nossa agência, de forma que, quando ela finalmente despencou, não tivemos de mover uma palha em seu favor.

Mas, deu para saber o que realmente aconteceu. Percebendo que a pirâmide, mais dia, menos dia, atingiria o limite, o dono tentou criar uma colonizadora, oferecendo aos investidores lotes (ou uma casa de férias já instalada) num enorme paraíso ecológico, onde implantaria também aeroporto, hotel 5 estrelas, etc. O esquema era ambicioso demais e soçobrou.

Mas, prevendo que isto poderia acontecer, ele já tinha seu pulo do gato preparado e vem conseguindo manter-se fora das grades até hoje. 

Passou adiante as empresas encalacradas, andou criando gado nos EUA (não consegui apurar se ainda o faz), etc. 

Um boato que ouvi foi o de que, de todos os investidores prejudicados, ele só teria reembolsado os chefões do crime organizado que estariam utilizando o esquema para lavagem de dinheiro. Destes, nem nos States ele ficaria a salvo...

Quanto a mim, vi o meu melhor trabalho em comunicação empresarial virar pó, pois quem haveria de reconhecer o mérito de uma campanha que salvou de falência a Boi Gordo... apenas para ela passar mais algum tempo depenando investidores, antes da queda anunciada?!

Parece ser minha sina. O meu melhor trabalho nas batalhas de opinião da política, a participação no Cesare Livre, também virou pó quando a vitória de junho de 2011 se transformou na derrota de janeiro de 2019. E, como da outra vez, a reversão do quadro se deu quando eu já não estava mais diretamente envolvido com aqueles a quem defendi. 

A diferença é que, no primeiro caso, a minha reação foi um aliviado eles que se danem!

No segundo, senti um enorme pesar, que me tira o sono até hoje. (por Celso Lungaretti)

2 comentários:

Anônimo disse...

Caracas, CL

Isso é o cúmulo da versatilidade: ex-guerrilheiro, trabalhou na imprensa marrom (Notícias Populares), ex-colunista de rock e, também, ex-editor da revista Boi Gordo! Só faltava ser ex-colunista da Playboy...

celsolungaretti disse...

No "Notícias Populares" nunca trabalhei. Conheço bem a história do bebê diabo porque fiz um trabalho de faculdade sobre aquele jornal e o universo que ele representava. O Ramão Gomes Portão, um membro destacado da equipe, me contou detalhes desse episódio.

Quando saí da prisão, meus primeiros empregos foram em empresas de comunicação empresarial, porque a grande imprensa tinha bronca ideológica ou receio de me dar emprego. Cheguei a ser aprovado num teste da Folha de S. Paulo para seleção de novos repórteres e nunca me chamaram para vaga nenhuma.

Em 1978 eu cansei de fazer um tipo de trabalho que remunerava bem mas não tinha nada a ver com meus valores pessoais, então resolvi entrar na imprensa noticiosa de qualquer jeito. E fui abrindo caminho em revistas de música e de cinema.

No final de 1984 não dava mais para eu sobreviver com esses trabalhos incertos e conformei-me em partir para a grande imprensa; como a ditadura estava acabando, não encontrei mais as barreiras de antes.

Trabalhei n'O Estado de S. Paulo, no Jornal da Tarde, na Agência Estado, na rádio Bandeirantes, na Imprensa do Palácio dos Bandeirantes (convidado por um ex-diretor de redação meu na Agência Estado, que cavou um emprego lá e precisava de um redator da sua confiança).

O fato é que pulei de galho em galho porque jamais tive costas quentes, apoio familiar ou de partido, nada disso. Na maioria dos casos, nem se tratou de escolha, foi só o primeiro emprego que apareceu e, por falta de opção e de grana, tive de aceitar correndo.

Lá por 1994 ou 1995, o que apareceu no meu caminho foi essa agência de RP que tinha a conta da Boi Gordo, além de várias outras. Entrei para cuidar das publicações e para redigir os textos mais difíceis e complicados.

Mas, essa agência se recusou a associar-se com uma congênere dos EUA que a recomendava a clientes de lá, então todas essas contas internacionais foram retiradas, ela decaiu e não podia mais pagar um funcionário para garantir qualidade, já que para os clientes que sobraram e para os menos exigentes que ela passou a conquistar, bastava o trivial simples.

Então, voltei à rua da amargura no fim de 2003, já com 53 anos e numa fase muito ruim do mercado jornalístico. Aí passei uma fase crítica e só me salvei graças à anistia política, que arranquei com muita luta, porque quem não fazia parte da panelinha dominante estava sendo passado pra trás (o julgamento nunca era pautado). Tive de denunciar publicamente o desrespeito aos critérios de priorização do próprio programa para o meu ser afinal marcado.

A portaria ministerial acabou saindo no Diário Oficial em outubro de 2005, praticamente junto com o lançamento do meu livro. E daí em diante passei a atuar muito na internet como defensor dos ideais revolucionários, dos direitos humanos e da memória da luta armada. Com isto, mais o papel que desempenhei na luta pela liberdade do Battisti, fiquei definitivamente queimado na grande imprensa.

Além de me botarem nas suas listas negras, chegaram inclusive a proibir que meu nome fosse citado no noticiário (caso da Folha de S. Paulo enquanto o Otávio Frias Filho estava vivo).

Foi uma vida sacrificada, cheia de altos e baixos. Mas, tenho orgulho de nunca haver me beneficiado da esquerda para minha sobrevivência. Escolhi partidos exclusivamente por ter alguma esperança de que fizessem as coisas certas, não tirei proveito nenhum enquanto neles militava e saí assim que eles me desiludiram.

E, não pertencendo a sigla nenhuma na maioria do tempo, isto nunca me impediu de continuar travando minhas lutas e até de alcançar algumas vitórias. Sempre preferi ser lobo solitário do que resignar-me a seguir posições que considero inaceitáveis. E elas são o que a nossa esquerda mais tem...

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