flávia boggio
O MERCADOR DE ILUSÕES AGE COMO UMA FREQUENTADORA DO SHOPPING IGUATEMI, CLIENTE DA LOJA SINHÁ
Durante uma conferência no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Paulo Guedes declarou que “o pior inimigo do meio ambiente é a pobreza”. Para o ministro da Economia, pessoas pobres são as maiores causadoras do desmatamento e da poluição, “porque precisam comer”.
Ele já tinha mostrado sua aversão às classes mais baixas, quando as responsabilizou pela própria situação financeira. Para ele, é culpa do pobre gastar todo o dinheiro para pôr comida na mesa. O certo seria aplicar no Tesouro Direto.
Paulo Guedes representa exatamente a fatia da sociedade que o defende. Aquela pequena parcela mais rica da população que usa a meritocracia como desculpa por achar normal ver crianças dormindo na rua. “Ah, se os pais tivessem investido o salário, não estariam nessa situação. Estariam abrindo uma startup.”
Ele age como a frequentadora do shopping Iguatemi, cliente da loja Sinhá, que faz cara feia quando divide elevador com funcionário. Que paga uma miséria para empregada trabalhar 12 horas por dia e ainda a acusa de ter roubado a comida da despensa.
Ele representa o eleitor cansado de corrupção, mas que compra imóvel com dinheiro passado por fora.
Que traz importado sem pagar imposto, mas acha que muambeiro é coisa de pobre. A blogueira que faz namastê em Fernando de Noronha, hospedada em pousada construída ilegalmente em área de preservação. Mas vota no Bolsonaro porque basta de injustiça.
Para Guedes, o maior inimigo do meio ambiente não é o rico, que anda de SUV a diesel e come um bife de Kobe importado do Japão, mas do pobre que anda quatro horas prensado num ônibus para pôr uma salsicha no prato.
Assim como os eleitores liberais, que votaram num defensor de tortura e preconceito em nome da economia, Guedes não faz cerimônia ao abrir mão de qualquer princípio moral em nome dos interesses financeiros.
No mesmo Fórum de Davos, o ministro faz de tudo para mostrar aos investidores que o Brasil tem uma democracia estável. Isso depois de ameaçar a população insatisfeita com um AI-5. A arrogância dele termina onde está o dinheiro.
Para Paulo Guedes, a maior causa da pobreza é o pobre. E ele não pretende extingui-los tornando-os mais ricos. (por Flávia Boggio)
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Toque do editor: a frase "Às favas com todos os escrúpulos!", citada no título, foi proferida por Jarbas Passarinho na reunião em que a ditadura militar decidiu a edição do AI-5.
2 comentários:
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Escrúpulos não fazem parte do repertório capitalista e os capitalistas afirmam a superioridade do seu sistema que, como nos ensina Dalton Rosado, possui uma lógica autotélica vazia de sentido virtuoso.
Contudo, em Davos, o ministro, embora subordinado a tal lógica, falou de administração pública, redução da dívida, dos privilégios, dos monopólios, de como vem atacando a crise fiscal do governo e de como se deve administrar uma nação capitalista com um mínimo de responsabilidade.
E, em certo momento, questionado sobre o que virá após a automação completa da produção de bens, falou uma coisa que eu também concordo.
Afirmou que nos restará prestarmos serviços uns aos outros.
Eu, acrescentaria, com generosidade e espírito de fraternidade, sem a mediação do dinheiro.
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Acredito que é desonestidade intelectual simplesmente pinçar um trecho do discurso e tentar reduzir o que o ministro disse àquelas palavras isoladas do contexto.
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Os caras como o ministro Guedes sabem que o barco está afundando e estão tentando salvar o sistema que, eles entendem isso melhor que nós, não será o mesmo após o grande crash que se descortina no horizonte financeiro global.
Algo de novo surgirá e não será nem uma das utopias passadas.
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Discordo, companheiro.
O Guedes pode saber melhor do que eu o que convém aos capitalistas aos quais ele serve com fidelidade canina, mas eu sei muito melhor do que ele o que convém à humanidade.
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