domingo, 5 de janeiro de 2020

BOZO ANO 1: AS BASES DA RECUPERAÇÃO ECONÔMICA FORAM MESMO ASSENTADAS OU ESTAMOS SENDO ILUDIDOS? (parte 1)

dalton rosado
RESULTADOS DE 2019, O ANO QUE ENCARAMOS
Em outubro do ano retrasado escrevi o artigo 2019, o ano que vamos encarar (clique aqui p/ acessar), no qual fazia uma avaliação do que poderia advir do governo que estava começando. 

O otimismo era generalizado, tanto da mídia e de setores formadores da opinião pública, como até mesmo de grande parte dos trabalhadores, atingidos pelo desemprego estrutural e pelos baixos salários pagos aos sub-empregados, daí a expectativa ansiosa pela melhora prometida eleitoralmente.

Todos se deixaram levar pela cantilena milhões de vezes repetida de que o problema se restringia fundamentalmente à corrupção com o dinheiro público, a qual seria combatida de modo eficaz, desobstruindo o caminho para o Brasil decolar, graças aos desempenhos: 
— do pretenso paladino da luta contra a corrupção, Sérgio Moro, metamorfoseado num ministro com fantasia de super-homem; 
— do ministro Paulo Guedes, guindado à condição de economista-liberal-redentor da depressão econômica brasileira; 
— e dos demais membros da trupe, tutelados todos pelo novo salvador da pátria, o capitão Boçalnaro, o ignaro

Ódios disseminados à parte, eram das mais alvissareiras as perspectivas às vésperas da troca de guarda no Palácio do Planalto.

O meu prognóstico pessimista para 2019  não derivava de um sentimento mórbido derrotista tipo quanto pior, melhor, mas de análise concreta da conjuntura econômica nacional e mundial, cujos pressupostos anunciavam (e hoje ainda mais) o limite interno de uma forma de relação social que atingiu o seu ponto de expansão e entrou em declínio, necessitando de sua superação histórica.

Prognosticávamos que as dificuldades persistiriam, já que que nossos problemas não se cingem a uma questão de pessoas no governo, mas da necessária superação da própria forma de relação social e seu correspondente governo; da superação do próprio poder político-econômico instituído em si. 

Não deu outra. Estamos diante de uma conjuntura internacional de queda do crescimento econômico e os números da economia brasileira mais se parecem com aquela história do bode na sala, cuja retirada proporciona um certo alívio e faz aumentar a tolerância com os demais problemas. 

No campo político nacional e internacional o desastre do governo é ainda maior, pois terminamos o ano: 
— com a imagem internacional do Brasil desgastada pelas medidas anti-ambientalistas;
 comprando agressões gratuitas e incrivelmente misóginas como a disparatada afirmação de que a esposa do presidente francês, a simpática e respeitável Brigitte Macron, seria “feia e velha”;
 com a rejeição estadunidense à nossa entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, apesar de todo o servilismo incondicional brasileiro ao presidente destrumpelhado;
 com o fracasso da oferta de concessão internacional para exploração do petróleo do pré-sal brasileiro, que foi minimamente atenuado pelos chineses, embora estes tivessem recebido agressões despropositados;
 com a desconfiança do mundo árabe, por causa da intenção de transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém;
 com a aposta furada na reeleição de Maurício Macri na Argentina, nossa maior compradora de mercadorias manufaturadas que agregam valor, e a hostilidade anti-diplomática ao candidato eleito Alberto Fernández;
 com a rejeição defensores da legalidade constitucional às declarações e ameaças de promulgação de um novo AI-5, lançada por destacados membros da clã Bolsonaro e pelo Guedes, caso houvesse uma retaliação social às medidas de arrocho fiscal e de insatisfação com a questão da distribuição de renda e restrição dos direitos sociais, disfarçadas sob a acusação da eventual possibilidade de descontrole institucional;
 com a briga com o partido pelo qual Bolsonaro se elegeu (o PSL) pelo controle partidário e pelas polpudas verbas eleitorais, que rachou a maior bancada de deputados de apoio ao governo (quem diria, hein, deputada Joice Hasselmann...);
 com a recusa em dar apoio e incentivos à cultura em geral e colocando obtusos gerenciadores nos órgãos públicos voltados para a consolidação do melhor da nossa história e costumes, chegando-se, por um desses desavisados, à agressão a nossa diva do teatro Fernanda Montenegro, que, ao completar noventa anos, a maioria deles dedicados à arte dramática, com reconhecimento internacional, viu-se   destratada oficialmente;
 com afirmações esdrúxulas como taxar de energúmeno o nosso internacional Paulo Freire, o educador dos despossuídos e socialmente segregados, cujo método de alfabetização é copiado com sucesso mundo afora (menos no Brasil);
 com a tentativa frustrada de emplacar como embaixador do Brasil nos EUA o zero à esquerda (o deputado federal Eduardo Bolsonaro), numa explícita e descarada afirmação de nepotismo governamental, tendo, contudo, o tiro saído pela culatra.

E tantos outros exemplos negativos, saídos diariamente da própria fala presidencial destemperada ou dos muitos mecanismos de comunicação direta pela internet comandados a partir do Palácio do Planalto ou de sua entourage, cujas baixarias caberiam em várias páginas deste artigo.

No campo político o único ponto tido como positivo (e assim mesmo graças ao Congresso Nacional, sempre obediente às ordens do capital) foi a aprovação da reforma da Previdência Social, que retira direitos em nome de um futuro pretensamente promissor. É mole? 

Mas, devemos fazer uma análise pontual realista das negativas questões econômicas, essas tidas por todos como ponto da modesta sustentação e esperança de um governo cuja popularidade é a menor para um primeiro ano desde a redemocratização. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

Um comentário:

Anônimo disse...

***
É triste que, em uma terra prenhe de riquezas, ainda se fala de pobreza.
Mas esta constatação já o fez o poeta paraibano Augusto dos Anjos no soneto...

O Lamento das Coisas

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza....
Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente aí formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

Augusto dos Anjos em Eu e Outras Poesias.
***

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