segunda-feira, 2 de setembro de 2019

VEJAM O QUE RESTOU DE UMA GRANDE MARACUTAIA CONTRA A QUAL NOS POSICIONAMOS EM 2007 – 1

Por Celso Lungaretti
Durante o segundo mandato de Lula, eu não enxergava qualquer possibilidade de uma Presidência da República sob o capitalismo servir verdadeiramente aos explorados, pois o Poder que decide, numa democracia burguesa, é o econômico. 

Então, apesar da repulsa que sentia pelo reformismo e o assistencialismo praticados pelo governo federal, eu considerava ocioso criticar as administrações petistas, já que meu foco não era o de melhorar o gerenciamento do capitalismo, mas sim o de fazer avançarem as lutas pela sua superação. 

Não transigia, contudo, no tocante à defesa dos valores mais caros aos revolucionários. Quando tais valores eram atingidos por aquele governo de esquerda que tão pouca afinidade mostrava ter com eles (vinha desprezando-os desde os expurgos que o PT efetuou em suas fileiras na década de 1980), aí sim eu ia à luta. E com toda contundência de que era capaz. 

Foi o que aconteceu durante a greve de fome de D. Luiz Flávio Cappio contra o projeto da transposição das águas do rio São Francisco, porque, sendo as mesmas um recurso que revolucionários sempre utilizaram em situações extremas, eu temia que ficassem definitivamente desmoralizadas. 
Protagonistas de greves de fome fracassadas

Já bastavam os vexames do Lula e do Garotinho para dar-lhes má fama! 

Isto porque em 1980, no vigor de seus 34 anos, Lula desistira após os míseros 6 dias durante os quais recusou alimentação no Dops/SP.

E o robusto Anthony Garotinho em 2006, aos 46 anos, aguentara 11 dias. Ou seja, exatamente um sexto da duração daquela em que morreu o mártir Bobby Sands, do IRA.

Já uma greve de fome vitoriosa que teve lugar no Brasil, a dos quatro de Salvador em 1986 (vide aqui), tanto a imprensa burguesa quanto a esquerda domesticada optaram por ignorar olimpicamente, pois tal êxito não lhes convinha...   

Naquela de 2007, o bispo acabaria entregando os pontos no 23º dia, mas era um sexagenário e sua vontade só fraquejou ao sofrer um desmaio e ser hospitalizado. Aproveitando que ele estava fragilizado, médicos e sacerdotes fizeram sua cabeça.

Antes desse desfecho pífio, eu escrevi o libelo abaixo, postando-o no meu blog principal de então (Celso Lungaretti – O Rebate). E estou trazendo-o para cá porque uma reportagem desta 2ª feira (2) sobre a realidade atual do projeto de transposição lança novas luzes sobre a questão, conforme os leitores verão adiante. 
.
LULA VAI MIRAR-SE EM CRISTO OU PILATOS?
Qualquer semelhança entre as frases abaixo NÃO é mera coincidência:
"Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso." (Mateus 27:24)  
"Eu tenho de escolher entre ele, que está fazendo uma greve de fome premeditada, e 12 milhões de nordestinos (...) que precisam da água para sobreviver. E não tenha dúvida que eu ficarei com os pobres." (presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lavando as mãos diante do novo protesto de D. Luiz Flávio Cappio contra o projeto da transposição das águas do rio São Francisco, iniciado no último dia 27)
Resta sempre a esperança de que Lula ponha a mão na consciência e faça a opção correta: não a de repetir Pilatos, que, mesmo não vendo culpa nenhuma em Cristo, foi responsável por seu açoitamento e crucificação; mas sim a de repetir Cristo, que expulsou os vendilhões do templo para evitar que continuasse servindo de covil a ladrões.

O bravo bispo de Barra (BA), que já ficara 11 dias sem alimentar-se em 2005, sustenta que “essa água não é para 12 milhões de pessoas, é para pequenos grupos do capital”, acusando o Governo Federal de difundir “propaganda falsa” e Lula, de desrespeitar o acordo que pôs fim à greve de fome anterior: 
D. Flávio Cappio sendo levado para o hospital

— Nós só suspendemos o jejum lá em Cabrobó porque houve um compromisso para que fossem paralisadas as obras e houvesse negociações. Nós confiamos na palavra do governo. O diálogo teve início, mas logo se acabou. Nós acreditávamos que fosse devido ao ano eleitoral. Quando Lula foi reeleito, nós o procuramos, pedindo a reabertura do diálogo. A resposta do presidente foi o início das obras de transposição, usando o Exército. O governo manteve-se surdo. As coisas ficaram piores. Este é o motivo pelo qual retomei o jejum.

Segundo os opositores, a transposição vai ter impacto extremamente negativo sobre o rio São Francisco (que já está fragilizado e necessitando de urgente revitalização) ao levar suas águas para os grandes açudes do Nordeste, com a principal finalidade de favorecer empreendimentos privados. 

Alegam que, pela metade do custo, poderia ser implementados projetos como o da Agência Nacional de Águas, para beneficiar os 32 milhões de habitantes de mais de mil municípios; e as obras da Articulação do Semi-árido Brasileiro, voltadas para outros 10 milhões. 

Então, tanto em termos ambientais quanto econômicos, seria uma péssima destinação dos recursos públicos. "O governo se tornou a voz de um pequeno grupo da elite e, infelizmente, o presidente Lula se tornou refém do capital internacional", afirma D. Cappio, que desta vez se diz disposto a levar seu protesto até a morte, se não for retirado o Exército e arquivado o projeto. “O rio e o povo merecem.”
Não deveriam envolver Antônio Conselheiro com mamatas!
Ele também rebateu as críticas dos que o acusam de suicida, como o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, para quem “essa postura fundamentalista do bispo vai contra ensinamentos da igreja, como saber que é pecado atentar contra a vida”:

— Eu recomendaria que conhecessem um pouquinho mais a pessoa de Jesus Cristo e a sua doutrina. Que lessem o Evangelho de João 10:10, onde Jesus diz que ele é o bom pastor, que veio pra doar a vida às suas ovelhas. A história da Igreja é uma história de mártires, de homens e mulheres que deram a vida por amor à sua fé, por amor a seus irmãos. 

Finalmente, vale lembrar que personagens históricos da grandeza do Mahatma Gandhi também consideraram válida uma “greve de fome premeditada”, como recurso extremo para tentarem fazer com que a justiça prevalecesse, quando todos os outros caminhos estavam bloqueados. (por Celso Lungaretti, em 05/12/2007)
(continua neste post)

Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails