quinta-feira, 11 de julho de 2019

UM DEPOIMENTO: POR QUE CONTINUO REVOLUCIONÁRIO, MEIO SÉCULO DEPOIS?

Eu fiz a minha opção revolucionária no final de 1967, quando convidado para um aprendizado de marxismo durante as férias.  

Algo parecido com o mostrado no filme A Chinesa, do Godard, só que os aprendizes éramos apenas quatro. 

A colega que me convidou hoje é muito crítica crítica com relação à esquerda em geral e ao PT em particular. O Eremias morreu heroicamente aos 18 anos. Dos outros dois, irmão e irmã, nunca mais ouvi falar.

Nunca saí do caminho que escolhi após uns poucos meses de trabalho de massa na minha escola; aprofundei-me cada vez mais nele. 

Talvez por não haver tomado tal decisão por mera indignação com a ditadura, que, mais dia, menos dia, acabaria. Eu era contra o capitalismo e a sociedade por ele erigida. Não via sentido em dedicar a minha vida a ganhar dinheiro e obter o que o dinheiro compra. Desde os 15 anos procurava algo diferente, um propósito maior. 

Um dos pontos de chegada da minha trajetória viria a ser a constatação de que a humanidade passara milênios tangida à competição zoológica por não haver condições materiais para todos os seres humanos disporem do necessário para uma existência digna, daí a exacerbação da disputa por pedaços maiores do bolo e a consequente prevalência dos mais fortes, hábeis ou esforçados sobre os mais fracos, consumando-se então a distribuição desigual do que fazia falta para todos. 

Mas a barreira da necessidade foi transposta no século passado e hoje temos conhecimentos e recursos mais do que suficientes para provermos o essencial para cada um dos habitantes do planeta. Bastaria reorganizarmos a sociedade de forma racional e igualitária, ultrapassando todas as falsas divisões estabelecidas naqueles sombrios tempos de competição e penúria, e que são artificialmente perpetuadas pela (cada vez mais ínfima) minoria que concentra o poder econômico, em detrimento da grande maioria  dos por ela explorados.

E o outro: ao passar pelos porões do regime militar, compreendi que nada, absolutamente nada, justificava submeterem-se seres humanos a tais horrores. A partir daí, descartei por completo qualquer ditadura (inclusive a do proletariado, mesmo que supostamente transitória, porque é mais fácil construirmos ditaduras do que sairmos delas depois); e passei a colocar a liberdade, o respeito aos direitos civis e aos direitos humanos), no mesmo plano de importância da justiça social. 

Minha consciência até hoje é a que formei na segunda metade dos anos 60 e primeira dos '70. E morrerei fiel a meus valores, mantendo a esperança de que, quando estiver sob ameaça de extinção, a humanidade encontre forças para tomar seu destino nas mãos e construir o reino da liberdade, para além da necessidade profetizado por Marx. Pouco importa se estarei ou não aqui para ver. (Celso Lungaretti)

2 comentários:

Henrique Nascimento disse...

Quando você coloca "prevalência dos mais fortes, hábeis ou esforçados", interpreto como apenas os "esforçados" conseguem riqueza material nesse mundo tão desigual. "Esforçados" (e muito mais do que isso) também são aqueles que vivem na labuta diária de 12 horas ganhando o mínimo para sobreviver (aquilo que o Dalton chama de "coitadezas do capital"). Sei logicamente que essa não foi sua intenção. Coloco esse contraponto pois há uma crença generalizada na sociedade de que apenas aqueles que estudam e se "esforçam" podem ter condições de obter riqueza material, como se ter boa educação não fosse um privilégio. As pessoas adoram usar como exemplo aquele menino pobre, negro, filho de pedreiro que nasceu na periferia que conquistou "tudo na vida" como um exemplo a ser seguido. Ou seja, usam a exceção da exceção como uma regra.

celsolungaretti disse...

Henrique, eu estava me referindo àqueles que pegam uma fatia um pouco maior do bolo, não aos que pegam uma fatia um pouco maior da raspa que ficou grudada no fundo da forma

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