(continuação deste post)
A proposição governamental de reforma da Previdência corresponde ao reconhecimento expresso da restrição de direitos adquiridos, numa flagrante contrariedade ao preceito constitucional que considera o direito adquirido como cláusula pétrea.
Mas, o que é uma cláusula pétrea constitucional diante do absolutismo das regras econômicas que impõem o ajustamento das receitas às despesas?
Querem convencer o povo de que a aceitação de restrição de direitos previdenciários vá corresponder a um benefício social, pois geraria o desenvolvimento econômico e, com ele, a recuperação dos direitos restringidos.
Pura balela, envolta numa embalagem bonita que afirma a necessidade de se manter o equilíbrio financeiro como forma de salvação do próprio desequilíbrio financeiro sistêmico. E tudo faz parecer que tal atitude é muito razoável e necessária, porque somente se raciocina dentro da lógica da forma-valor, como se tal relação social fosse tão natural e indispensável como o ato de se beber água.
Assim, agem em defesa do mesmo princípio mercantilista que comete assassinatos:
— nos fuzilamentos de inocentes, seja pelo crime organizado ou por agentes estatais moralmente desorganizados;
— nos soterramentos de pessoas quando se rompem as barragens;
— na falta de atendimentos médicos simples (e, mais ainda, nos casos complexos) nos hospitais lotados e desaparelhados;
— nos desabamentos de casas toscas ou prédios construídas(os) clandestinamente em áreas de risco, por carecerem os trabalhadores empregados, subempregados e desempregados de meios para adquirirem unidades habitacionais seguras e dotadas da infraestrutura urbana indispensável;
— nas 60 mil mortes anuais de vítimas da guerra bárbara urbana, em sua maioria jovens e negros, etc., etc., etc.
O ministro Paulo Guedes vê derreter a sua autoridade econômica quando colocada em confronto com a realidade social financeira que não comporta sacrifícios sociais inauditos. Entra em conflito com o interesse político de poder do capitão presidente Boçalnaro, o ignaro, o que faz aumentar a incredulidade do mercado na vitória do pensamento econômico liberal em fim de festa.
O Fundo Monetário Internacional prevê uma redução do crescimento projetado do PIB mundial para 2019, de pouco alentadores 3,3%; e o faz desde já, mesmo sabendo que as previsões dos economistas quanto ao aumento do PIB costumam ficar aquém da realidade.
Quanto ao PIB brasileiro, a previsão do FMI é de que feche 2019 com um aumento em torno de 2,0%, mas o mercado já trabalha com o percentual de 1,8%.
Brasil em 40º lugar, dentre 42 países. Dá pra piorar ainda mais? |
Quanto ao PIB brasileiro, a previsão do FMI é de que feche 2019 com um aumento em torno de 2,0%, mas o mercado já trabalha com o percentual de 1,8%.
É neste cenário de depressão econômica, quando se reduz o PIB chinês e a dessubstancialização do valor das mercadorias ali produzidas causa um colossal frisson nos credores de sua dívida pública e privada colossal, que o governo brasileiro anuncia suas medidas conceitualmente contraditórias, comprovando a falta de conexão entre o presidente ignaro, seus filhos parlamentares e seus ministros divididos em quatro segmentos ideológicos:
— militar;
— anticomunismo profissional (o charlatão Olavo de Carvalho e seus seguidores);
— fundamentalismo religioso; e
— o liberalismo ultrapassado dos Chicago boys.
Enquanto isto, após os primeiros 100 dias de desgoverno, vemos crescer as taxas de desemprego e a recessão do setor industrial que produz valor válido, capaz de sinalizar para a emissão de moeda sem pressão inflacionária (que, no mês de março, atingiu o preocupante patamar de 0,75% ao mês).
Neste período inicial, a desconexão conceitual do governo descobre que ganhar eleições com conceitos vagos e genéricos divulgados maciçamente pela internet para uma população desesperada e crédula, é uma coisa; governar, de modo a trazer benefícios consistentes e duradouros para essa mesma população, é outros quinhentos.
E foi o próprio governo quem optou por uma política panfletária inconsequente, responsável pelos sucessivos tiros no pé que fizeram despencar sua popularidade de forma mais acentuada ainda que a de Fernando Collor quando confiscou a poupança dos brasileiros. Eis alguns desses palpites infelizes:
— anúncio da mudança da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, iniciativa inaceitável para o mundo árabe que nos compra gêneros alimentícios em larga escala (daí o recuo subsequente);
— a escola sem partido proposta pelo Ministério da Educação sem ministro;
— a obrigatoriedade de os alunos cantarem o Hino Nacional nas escolas;
— a base militar estadunidense na Amazônia (depois desmentida);
— a invasão militar da Venezuela (depois desmentida);
— a afirmação que o nazismo hitlerista seria de esquerda apenas por ter usado indevidamente o nome (contraditório) de Partido Nacional Socialista, esquecendo os 27 milhões de russos mortos em combate contra os alemães na 2ª Guerra Mundial (gafe que revela crassa ignorância histórica);
— a ordem do dia exaltando o golpe miliar de 1964 para generais militares que pertencem a uma geração bem diferente da do tenentismo de outrora, tanto que ora fazem ressalvas aos desdobramentos havidos no período de 21 anos durante os quais vigorou o regime de exceção;
— crítica ao liberalismo de mercado defendido pela China (uma contradição com o discurso do ministro Paulo Guedes, o desconsiderado) como forma de agradar ao presidente intrumpestivo;
— sugestão de volta ao tempo do Onça, quando meninas vestiam rosa e meninos, azul;
— descobrimento do envolvimento anterior de filhos parlamentares do presidente com os criminosos das milícias, a quem inclusive prestaram homenagens oficiais;
— defesa dos laranjas encalacrados (como o amigo Queiroz, que dividia recursos de assessores parlamentares sem explicação plausível e sem prisões preventivas como as que são tão comuns atualmente; e
— tantas outras bizarrices que, se as citássemos todas, produziríamos um artigo sem fim....
— tantas outras bizarrices que, se as citássemos todas, produziríamos um artigo sem fim....
Preguei o voto nulo nas últimas eleições como forma de contestação de um sistema que está carcomido pela obsolescência os seus pressupostos, os quais agora se evidenciam inegavelmente como anacrônicos.
A esquerda estatista, que adora as migalhas do poder estatal burguês ou dito socialista, sempre alega ser necessário fazermos oposição aos políticos de direita, daí sua aceitação da via eleitoral, sem se aperceber (ou se apercebendo, mas não tenho a coragem de romper com seus próprios pressupostos) que tal postura apenas legitima o poder institucional mantenedor do capital e mantém ativo o eterno pêndulo da ineficácia que gira perpetuamente e sempre volta para o mesmo lugar.
Nossos falsos amigos aferram-se ao processo eleitoral e à lógica do capital, querendo infrutiferamente humanizá-lo (isto no caso dos ingenuamente bem intencionados).
Fui criticado por contribuir involuntariamente com minha posição para a eleição do Boçalnaro, o ignaro. Mas, pergunto: se o Jamil Haddad fosse eleito num quadro como esse (que nem a própria direita consegue administrar), seria de fazê-lo, ainda que com nossa ajuda? Isto seria benéfico para o povo?
Devemos demonstrar toda a inviabilidade do capital no seu estágio de limite interno absoluto de expansão e propormos alternativas sustentáveis e verdadeiramente emancipacionistas.
Tudo deve começar com a negação da forma-valor (dinheiro e mercadorias) e estruturação de organização popular horizontalizada, longe, portanto, da ideia de poder vertical e militar. (por Dalton Rosado)
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