demétrio magnoli
GOVERNO BOLSONARO É SÓ UMA ESCALA TÉCNICA NA ROTA DO PARTIDO DOS PROCURADORES
A crise institucional em curso transbordou como crise constitucional pelas decisões do STF de agir, simultaneamente, como parte, promotor e juiz no inquérito das fake news e de impor censura à divulgação de notícias. Curiosamente, o governo Bolsonaro tem relação apenas lateral com uma crise cujos protagonistas são o próprio STF e a corrente jacobina do Ministério Público.
Atuando em dobradinha, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes conduzem um inquérito abusivo já na origem aos descaminhos da truculência. Desconhecendo os limites da lei, acalentam a ilusão de que seus alvos se deixarão intimidar.
O fruto prático de seus atos arbitrários é a desmoralização do STF —ou seja, exatamente a finalidade buscada pelos promotores da campanha difamatória disseminada nas redes sociais. O recuo de Moraes, revogando o ato de censura, restabelece parcialmente a legalidade. Falta, ainda, devolver as prerrogativas de investigar e acusar a quem a detém, ou seja, ao Ministério Público.
O voo suicida do STF concentrou as atenções, desviando os olhares do fenômeno que motiva o inquérito. Não são meia dúzia de haters de redes sociais: há anos, como subproduto tóxico da Lava Jato, a corrente jacobina dos procuradores engajou-se num projeto de poder.
Lembram dele? Sumiu após o fracasso da Operação Joesley... |
Os sinais iniciais emergiram em maio de 2017, na operação Joesley Batista e no artigo de Rodrigo Janot que denunciava “o estado de putrefação de nosso sistema de representação política”.
O procurador-geral enunciava, então, nada menos que um objetivo estranho à missão judicial da Procuradoria: limpar a República, substituindo a elite política tradicional por uma outra, pura e casta. É essa meta que os pretendentes a Robespierres continuam a perseguir.
Janot foi protagonista circunstancial numa engrenagem que alastrou suas bases pelo Ministério Público, extravasou para setores da Polícia Federal e da Receita e se disseminou entre militares da reserva e políticos (tanto governistas como de oposição).
Hoje, o projeto de poder tem seu próprio candidato presidencial, que atende pelo nome de Sergio Moro, e seu veículo oficioso de mídia, que é o site [O Antagonista, do Diogo Mainardi] censurado pelo ato ilegal do STF. Bolsonaro flerta alegremente com a engrenagem, sem se dar conta de que seu governo é apenas uma escala técnica na rota imaginada pelo Partido dos Procuradores.
O turco Erdogan é outro populista que mira o poder absoluto |
Mundo afora, da Rússia à Turquia, o populismo vale-se do pretexto do combate à corrupção para quebrar as mediações institucionais que limitam o poder do governo.
O núcleo da Lava Jato ganhou popularidade ao atacar eficazmente a corrupção sistêmica que envenena a política brasileira. Dessa plataforma, nasceu o projeto do Partido dos Procuradores [também conhecidos como tenentes togados] que agora esculpe as investigações segundo as necessidades de seu objetivo político. É nessa lógica que se inscreve a ofensiva contra a Corte Suprema.
“Tenho vergonha do STF” —a frase lançada por um obscuro advogado contra Lewandowski funciona como palavra de ordem da campanha de mídia. O site O Antagonista publica fragmentos de notícias verídicas, mas descontextualizadas, oferecendo munição aos guerrilheiros das redes, que as convertem em petardos difamatórios contra os magistrados escolhidos como alvos.
Deltan Dallagnol é o cérebro do tenentismo togado, que pretende conduzir Sérgio Moro ao poder |
Pretende-se, no fim, eliminar as restrições legais à perseguição de inimigos políticos do Partido dos Procuradores. Nas Filipinas, o governo Duterte fez da guerra às drogas o alvitre para execuções extrajudiciais. No Brasil, faz-se da guerra à corrupção o pretexto para assassinatos de reputações.
O exército da difamação opera nas sombras, combinando vazamentos seletivos com torrentes de desinformação impulsionadas nos subterrâneos da internet. O STF tem a obrigação de expor os contornos da campanha criminosa por meio dos instrumentos legais, solicitando à Procuradoria inquéritos sobre fatos específicos.
A luz do dia sempre é o melhor antídoto contra os combatentes das trevas. (por Demétrio Magnoli)
4 comentários:
Não sei porque ver com tão maus olhos uma eventual presidência do Moro. Será que ele é pior do que tipos medonhos como Lula, Dilma e Bolsonaro? Mas minha impressão é de que ele irá para o Supremo, não para a presidência (Bolsonaro poderá indicar dois ministros). Esse foi o acordo para que ele assumisse o ministério, mais ou menos como fez o Alexandre de Moraes com o Temer.
No mais, goste-se ou não da Lava Jato, muito melhor ela do que se os esquemas bilionários de corrupção tivessem remanescido na obscuridade. E o inquérito do Toffoli é indefensável mesmo, inconstitucional ao extremo.
Celso,
Como na fábula clássica de Andersen, a Lava Jato é aquela criança que se ergueu em meio à multidão e apontou que o rei estava nu.
O estamento burocrático agoniza em praça pública, mas ainda possui suas cabeças de hidra no judiciário e na imprensa.
A estratégia dos patrimonialistas é posar de defensores da ordem, apontando um espírito jacobino naqueles que expõem seus vícios.
Daniel
Anônimo das 9h57,
não venha falar isto para quem teve duas dezenas de companheiros e amigos assassinados por uma ditadura e várias outras dezenas detonados nos porões (só estou enumerando os que conheci pessoalmente, se não os números seriam ainda maiores).
Afora ter sido quase morto e haver ficado lesionado para sempre, começando a carregar os traumas e as responsabilidades de um sobrevivente quando os jovens da minha idade estavam descobrindo a vida.
Então, saí dos porões com uma convicção inabalável: NADA justifica nem iguala uma ditadura. Nenhum ser humano merece ficar indefeso nas garras de um regime que possa fazer dele o que bem entender.
A essência do capitalismo é o roubo, portanto só acabaremos com "os esquemas bilionários de corrupção" dando-lhe um fim. Essas pirotecnias das lavas jato da vida nunca foram solução definitiva para o problema, apenas enganam durante algum tempo e depois volta a ser tudo como era antes.
Mas as ditaduras matam, torturam, mutilam, estupram, dão sumiço em cadáveres e todo um festival de horrores que, espero, nunca mais o povo brasileiro tenha de suportar.
Anônimo das 12h51,
as hidras mais nefastas são as do autoritarismo: a extrema-direita bolsonarista, os malucos que o Olavo de Carvalho incita a botarem fogo no circo e os procuradores metidos a justiceiros.
Com todos os defeitos, o Supremo e a imprensa burguesa hoje estão servindo de contrapeso ao peso dos fanáticos intolerantes e ignorantes.
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