domingo, 6 de janeiro de 2019

EUFÓRICO POR TER OBTIDO SEU OURO DE TOLO, O CHANCELER VIAJOU NUMA MIXÓRDIA PRETENSIOSA – 1

dalton rosado
SENHOR MINISTRO, ASSOCIAR RENATO RUSSO E
RAUL SEIXAS AO OLAVO DE CARVALHO É BLASFÊMIA 
O ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, no seu discurso de posse, misturou Raul Seixas e Renato Russo com Olavo de Carvalho (uma blasfêmia!), entre citações de personagens reais da nossa história e alusões a seres literários ou mitológicos, numa verdadeira mixórdia cultural.

Outro intuito ele não teve senão o de reafirmar retrógrados princípios nacionalistas patrióticos, utilizando erudição tosca para travestir o velho de novo.  

O sinistro ministro defendeu teses como se o mundo pudesse voltar a ser como aquele do Barão de Mauá (sua referência histórica), que era ligado ao recém-formado capital industrial brasileiro de então e representante do empresariado monárquico que viu na escravização pelo trabalho abstrato a nova essência do capitalismo, em substituição ao escravismo direto dos negros trazidos da África, pelo qual havia um impedimento à maior produção de valor.

A escravização direta (o homem como máquina não assalariada) não correspondia ao recém-instalado interesse capitalista, tendo sido este o motivo da abolição de tal modo de produção, e não qualquer sentimento humanista, como o senhor sustenta em seu elogio ao comportamento abolicionista das elites de outrora, como forma de justificar a conservação das rédeas do poder pelas elites atuais.
Portinari e seus indígenas: preguiçosos demais?

Por sua vez, os indígenas eram considerados preguiçosos demais por não se submeterem integralmente ao regime de escravidão, saudosos da liberdade que outrora havia em suas terras. 

A escravização é sempre um gesto de aceitação da submissão imposta, ainda que sob a mais cruel coerção; neste sentido os indígenas brasileiros eram revolucionários dispostos a morrer (em nome da liberdade cujo conceito o senhor deturpa) e foram em grande parte dizimados. 

Assim, o senhor pavoneou-se, logo no início do seu discurso de posse, com as penas de uma suposta posse da verdade libertária, para tanto citando um versículo do apóstolo João sobre o conhecimento da essência libertária (cognose aliteia). Tentou, enfim, convencer-nos da validade de uma pretensa liberdade, que é o seu contrário, porque limitada pela dependência de consentimento.

Sua ideia de liberdade nos devolve a um passado feudal de triste memória: o de quando aqui chegaram os portugueses ávidos pelo saque das riquezas ameríndias, logo tentando escravizar os autóctones e, em seguida, negros trazidos da África e tratados como animais.

Além de exaltar nossa ancestralidade obscurantista como se devêssemos dela nos orgulhar, o senhor mistura dogmas feudais com liberalismo econômico iluminista para estabelecer a mais confusa ordem conceitual mercantilista, na qual pontua claramente uma visão elitista da sociedade brasileira.

Os homens cultos que até ontem integravam o escalão superior do Itamaraty, adeptos de uma visão igualmente elitista mas mais cuidadosa, menos fantasiosa e mais pragmática, torceram o nariz. 
Portinari e seus negros (o chanceler os ignora!)
É impressionante como, em sua digressão sobre as nossas formações histórica, social e cultural, o senhor (coerente com sua condição de representante do que há de mais retrógrado em pensamento social) esquece-se dos índios, negros e mulatos, tão bem retratados na pintura de Cândido Portinari.

A nossa etnia mais autêntica não é apenas a mais legítima força da constituição racial brasileira, mas, também, da produção das nossas riquezas abstratas e materiais, outrora usufruídas pelo baronato feudal e posteriormente por uma elite concentradora da riqueza abstrata (à qual, por suas pretensões atuais e citações históricas, o senhor demonstra pertencer ).

Não esqueçamos que Itamarati, com i, é uma palavra do idioma indígena tupi-guarani da região do Pará que remete à nossa formação étnica original, escravizada ou morta pelas elites. 

Em todo o seu discurso de posse transparece o desprezo pelos homens e mulheres que, com o seu suor e mãos calejadas, construíram o Brasil; talvez seja por isso tenha achado muito natural que tal elite estivesse representada em sua posse, na pessoa do ex-presidente Collor.

Enquanto isto, o único presidente operário dessa nação, agora viúvo de mulher também de origem operária (dona Marisa Letícia, vítima de profundo abalo que certamente contribuiu para a sua morte), está confinado ao cárcere, como o primeiro e único da nossa história a enfrentar uma condenação tão longa e sob condições tão humilhantes, sem nenhuma consideração por sua idade de 73 anos.
"nada aconteceu aos generais ditadores dos anos de chumbo"

Nada aconteceu, entretanto, aos generais ditadores dos anos de chumbo, sob os quais pendiam responsabilidades sobre torturas e assassinatos de presos políticos indefesos; nem a Sarney, Collor, FHC, Dilma Rousseff e, muito menos, ao ex-candidato à Presidência Aécio Neves. Afinal, são todos doutores e egressos de uma classe social que não costuma ser presa (tal salvo-conduto certamente será também estendido ao Presidente Temerário).     

Como já contei neste post, fui expulso do PT quando secretário de Finanças do Prefeitura de Fortaleza e candidato a prefeito na eleição que acabaria vencida por Ciro Gomes. E tudo aconteceu por não compactuar com os desvios que levaram o PT ao acabrunhamento atual de toda a esquerda; tenho, portanto, todos os motivos do mundo para jamais me alinhar ao ex-presidente Lula. 

Mas não sou cego para não enxergar o facciosismo de uma justiça que é seletiva em punir os que acreditaram ingenuamente que poderiam conciliar de modo confiável com nossa elite burguesa hipócrita e historicamente corrupta.

Sim, ministro, como disse Renato Russo noutro contexto e com outro objetivo, só o amor conhece a verdade, porque esta é emanada de um sentimento de doação que não comporta mentiras e manipulações. Mas isto não deve ser confundido com a verdade oriunda de um pensamento exotérico e maniqueísta como o do seu guru Olavo de Carvalho, a quem o senhor atribui a condição de responsável pela imensa transformação do povo brasileiro. Um absurdo. 
O astrólogo e seu protegido têm em comum a falsa erudição

Não seria exagero atribuir a um palpiteiro que mora fora do Brasil e vive a disparar sandices (como aquela de que Ernesto Geisel era comunista) tal importância e influência sobre transformações de fundo da realidade brasileira? Ou seria ele apenas um espertalhão levado a sério por uma meia-dúzia de fanáticos ávidos pela volta do velho travestido de novo?

Não, ministro, não houve nenhuma imensa transformação da realidade brasileira graças aos ensinamentos de Olavo de Carvalho, mas apenas uma consequência eleitoral e transitória do desespero de segmentos sociais díspares em seus interesses, em suas características e posições sociais diante da debacle capitalista, mas que se unificaram pela via da manipulação a partir de um discurso oportunista e salvacionista que agora caminha para o desastre.

O que existe é uma tentativa dos messiânicos (de falsos Messias mesmo) de forçarem a volta a um passado deplorável que a roda da história não permitirá que ressurja, ainda que dita roda dê alguns giros para trás. Estes apenas representam uma tração que a impulsionará para a frente com mais força e vitalidade. (por Dalton Rosado) 
Observação: o Dalton recomenda aos leitores, no espírito do artigo acima,
que ouçam esta música por ele composta, na interpretação do Gomes Brasil.
(continua neste post)

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