quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

A APARENTE PROSPERIDADE CHINESA EMBUTE UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA – 2

(continuação deste post)
A China, com sua monstruosa dívida pública e privada (torno de 235% do PIB anual) que foi o móvel do seu vertiginoso processo de industrialização, vê-se agora às voltas com a necessidade de manutenção de seus altos índices de crescimento industrial como forma de tornar viável o cumprimento das obrigações financeiras contraídas com o sistema de crédito mundial.

O crescimento vertiginoso da dívida chinesa tem preocupado os credores internacionais, pois vêm sendo adotadas medidas protecionistas cujo alvo são os produtos daquele país. Na última década a dívida chinesa cresceu 465% e se divide entre a dívida bancária; a dívida corporativa; a dívida pública e a dívida das famílias.

A China é um país exportador de mercadorias one way. Então, ao lado dessa dívida pública e privada crescente (o FMI alerta para o alto índice de endividamento chinês e projeta que o mesmo crescerá até 290% nos próximos anos, por conta dos juros e de novas contratações financeiras), a China se obriga a comprar títulos da dívida pública estadunidense; é o maior credor mundial dos títulos do tesouro dos Estados Unidos, com cerca de US$ 1,1 trilhão e com reservas cambiais em dólares estadunidenses em torno de US$ 3,1 trilhões.  

A constatação óbvia é que as relações comerciais globalizadas torna vulnerável a totalidade dos atores nelas envolvidos, prenunciando um colapso que que deverá começar pelo sistema de crédito mundial e os envolverá a todos.

Foi atingido o limite interno da expansão capitalista e, como o capital necessita de reprodução contínua aumentada, marcha-se para a falência do sistema monetário mundial e do cada vez mais precário atendimento das necessidades de consumo dos indivíduos sociais transformados em cidadãos econômicos. 

Mesmo em países desenvolvidos como a França a insatisfação é generalizada, com os governos diante de uma encruzilhada: por um lado precisam manter saudáveis e saldáveis as contas públicas; e por outro lado, continuar atendendo as demandas sociais de incumbência estatal que justifiquem a cobrança de impostos. 

Para a consecução dos objetivos financeiros estatais adota-se o arrocho fiscal, que se choca com a crescente redução dos padrões salariais e previdenciários de uma população que hoje vive mais e tem trabalho de menos. Uma sinuca de bico.

Tudo isso em meio a um processo de devastação ecológica e emissão de gases do monóxido de carbono que provoca o efeito-estufa e o aquecimento global, colocando em xeque a sobrevivência da humanidade, por mais que o neguem os escravos oportunistas da lógica capitalista, desde os filósofos de almanaque e cientistas políticos mal informados (como o Olavo de Carvalho) até os políticos profissionais bravateiros como o destrumpelhado presidente dos EUA e seus boçalmente ignaros seguidores tupiniquins.

Os problemas causados pela contraditória, necessária e impossível reprodução da massa global de valor não param de aumentar. 

A China, com suas mercadorias de baixo custo de produção que dão empregos à massa miserabilizada de trabalhadores abstratos existente no país (ditatorial na política e liberal na economia, o que deve fazer Marx se revirar no túmulo), reduz a massa global de valor mundial e de extração de mais-valia. 
Isto ocorre porque, por mais que se estimule o consumo, o ser humano tem limites de aquisição material de mercadorias, além, principalmente, dos limites de aquisição financeira ditado pelos baixos salários e pelo desemprego estrutural.

A China, temerosa dos entraves para a exportação de suas mercadorias (seja pelo limite da capacidade consumo dos compradores internacionais, seja pelas crescentes medidas protecionistas da economia dos países compradores, passou a dar maior atenção para a pretensa grande potencialidade do seu mercado interno.

Desde a crise da bolha imobiliária estadunidense do subprime, que abalou em 2008 o sistema de crédito mundial, a China passou a estimular o consumo interno em obras de infraestrutura e, principalmente, na área de habitação, com financiamentos acessíveis para a compra de imóveis. Estabeleceu um programa de estímulo econômico para estes dois vetores da economia com orçamento total de 4 trilhões de yuans. 

Tal fuga para a frente se demonstrou temerária porque, com alta da inflação e a disponibilização de financiamentos habitacionais de risco, formou-se uma perigosa bolha imobiliária: agora se constata a incapacidade de aquisição dos imóveis construídos e a insolvabilidade dos empréstimos concedidos. 

Qualquer semelhança com o que aconteceu nos Estados Unidos não é mera coincidência, mas uma regra comum da imposição reificada da necessidade de reprodução do capital em seu limite existencial.  

Por sua vez, os EUA desfrutam uma prosperidade artificial constantemente ameaçada. Sua moeda, que serve como padrão internacional, já vem tendo a credibilidade questionada em razão dos números da economia do país, que não se sustentam como saudável diante de qualquer avaliação mais acurada. 

São quatro os principais fatores para a sustentação artificial da economia estadunidense, embora já sejam reduzidas as projeções de crescimento do PIB para os anos vindouros:
emissão dos títulos da dívida estadunidense (que está na casa de 105% do PIB) a juros baixos; 
emissão de moeda sem lastro (que não causa inflação interna em face de sua exportação internacional);
exportação de mercadorias tecnológicas (equipamentos, tecnologia da informação, princípios ativos de remédios, etc,) que agregam altos valores de trabalho excedente, gerador de lucros; e 
remessa de lucros tributáveis de suas empresas no exterior.
É graças à agressiva política mercantil dos produtos chineses (mesmo que produzidos por empresas estadunidenses estabelecidas na China) que os EUA se veem obrigados e negar o que outrora defendiam com unhas e dentes: o livre comércio. 
Paradoxalmente, um país dito comunista, que outrora se fechava inexpugnavelmente em suas muralhas, tornou-se o grande paladino atual do laissez faire, laissez aller, laissez passer. São as ironias da História.

Os Estados Unidos têm sérios problemas com sua balança comercial, cujo déficit foi de US$ 51,3 bilhões em 2017 e vem crescendo em 2018. Só com a China o déficit é da ordem de US$ 33,5 bilhões, daí a retaliação tarifária protecionista pretendida. Num único mês, agosto de 2018, a economia estadunidense amargou um déficit de US$ 31 bilhões. 

Há que se ressaltar, entretanto, que se forem computadas as exportações de empresas estadunidenses sediadas no exterior, que produzem bens e serviços para o mundo todo (inclusive para os próprios EUA), a coisa muda de figura substancialmente. O capital não é nacional, mas internacional.  

O problema é que uma empresa dos Estados Unidos que produz no exterior, o faz sob as relações fiscais e de trabalho do país hospedeiro; seus donos não consideram que o capital acumulado em tal produção de mercadorias seja do Estado estadunidense, e estão certos.  

Trata-se, efetivamente, de um capital das empresas, fazendo parte de uma acumulação internacional de valor fora dos Estados Unidos. Que, por sinal, vem decrescendo como consequência da redução de custos do trabalho abstrato, o que prenuncia uma debacle mundial. 

Nesta guerra de gigantes da produção de mercadorias o Brasil é um país nanico. Exportamos pouco (principalmente em manufaturados de alto valor agregado) e importamos pouco (em equipamentos de última geração).  

Ou seja, nada mudou desde meados do século passado, quando os meios de comunicação martelavam incessantemente  que éramos o país do futuro (o qual nunca chegava): continuamos fora da série A da economia mundial, malgrado nossa potencialidade material e populacional. 

Percebe-se claramente que há um conflito inconciliável entre a economia globalizada e a pretensão estadunidense de querer ditar regras de comportamentos para um mercado que é absolutista pela natureza de sua lógica funcional. Antevê-se, em futuro  próximo, um impasse de proporções gigantescas.     

Outra ironia da História: a China, ao fazer a revolução armada maoista de cunho marxista tradicional sem abandonar a produção de mercadorias e o trabalho abstrato, fez o inimigo provar do próprio veneno. Nem Mao Tsé-Tung, nem nenhum ideólogo marxista jamais imaginou que a China fosse colocar em xeque o capitalismo por uma via eminentemente capitalista.  

Entretanto, como a lógica capitalista é autodestrutiva, a China terminará por se destruir juntamente com seus competidores de mercado, até que se institua um novo modo de produção social, este sim verdadeiramente emancipado. 

Infelizmente, não pode ser descartada a alternativa terrível de que se instale a barbárie mundial, com a destruição de toda a humanidade. 

Outras hipóteses não há. (por Dalton Rosado 

3 comentários:

Unknown disse...

***
Admirável a simplicidade com que Dalton esmiuça este assunto extremamente complexo.
Parabéns e obrigado por essa inestimável contribuição.
A partir dela fica fácil entender o que espera a humanidade.
Textos como este só aumentam a minha admiração pelo articulisa.

Anônimo disse...

"São três os principais fatores para a sustentação artificial da economia estadunidense,...".

Mas seguem, abaixo do parágrafo, quatro fatores.

Grato,

Marco Aurélio

celsolungaretti disse...

Corrigido, Marco Aurélio. O autor estava distraído e o editor passou batido. Valeu. Abs.

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