terça-feira, 13 de novembro de 2018

O ABACAXI É DELES, MAS SOMOS NÓS QUE PAGAREMOS O PATO – 2

(continuação deste post)
O PAPEL DE INOCENTE ÚTIL DA FUNÇÃO
POLÍTICO-LEGISLATIVA DA ESQUERDA 
Limites do parlamento: este discurso culminaria no AI-5 (1)
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Com menor responsabilidade governamental, o parlamento seduz os políticos por ser uma caixa de ressonância das teses nele debatidas.

Mas, é também onde fica mais evidenciada a falsa dicotomia dos discursos políticos da dita direita e da dita esquerda. 

Falsa porque o embate político se dá dentro de um determinado conceito de decoro parlamentar, ideológico e alienado, dentro do qual não se pode negar a constituição burguesa e todos os cânones jurídico-institucionais que limitam a expressão da vontade emancipacionista e antissistema. 

Um parlamentar que negue o parlamento enquanto instituição legitimamente constituída estará negando a si mesmo, porque faz parte da instituição como membro eleito em pretensa igualdade de condições com seus pares.

Se o parlamentar nega a instituição da qual faz parte, deveria dela se ausentar por decisão própria, pois sua permanência estaria sendo contraditória com a função exercida; e, mesmo não levando a coerência às últimas consequências, bastaria fazer discursos denunciadores do conteúdo e significado existencial negativo daquela instância legiferante e pretensamente fiscalizadora para ficar sujeito à cassação do mandato por quebra do decoro parlamentar. 

Como dizia um antigo provérbio lusitano: ajoelhou, tem que rezar!
Sarcástica atualização do provérbio (2)

A participação parlamentar de membros da esquerda apenas legitima a farsa democrática eletiva, bem como empresta legitimidade a todos os parlamentares de direita eleitos pelo voto manipulado pelo poder econômico nos grotões profundos do país (e até mesmo em alguns centros mais desenvolvidos). Em todos momentos e lugares nos quais o Estado burguês republicano se instalou, os vassalos do sistema sempre deram a tônica dos parlamentos. 

Neles, jamais a esquerda obteve ou obterá hegemonia, pois o voto para as cadeiras do Legislativo são sempre mais facilmente manipuláveis pelo poder político e econômico predominante na sociedade do capital. O processo eleitoral parlamentar é, olhado com clareza, um jogo de regras anti-isonômicas por excelência, representando uma farsa de igualdade representativa. 

São estas a natureza e essência do poder republicano burguês. E uma conclusão se impõe: só a negação do poder burguês pode desimpedir o caminho para a afirmação da emancipação popular! 

Fico a imaginar o que nos esperaria no mandato presidencial de um Fernando Haddad, acaso quisesse confrontar a ordem capitalista decadente ao invés de a ela subsumir-se (última hipótese anunciada mesmo durante a campanha).

O que aconteceria acaso Haddad dissesse um não ao pagamento dos escorchantes juros da dívida pública brasileira, os quais estão na casa de R$ 400 bilhões anuais, impondo sacrifícios terríveis ao nosso povo (cada brasileirinho morador de favela paga, a cada ano, R$ 2 mil de juros por ano ao mercado financeiro internacional e nacional...)? Qual seria o nível das retaliações do capital ferido?

E qual a intensidade da ebulição popular se decidisse ajustar o déficit da previdência social (o qual, segundo as previsões, crescerá R$ 200 bilhões durante o exercício de 2019) cortando os parcos direitos financeiros de uma população que está envelhecida ou inválida para o trabalho, dependendo das pensões previdenciárias para comer, pagar aluguel, comprar remédios, etc., às vezes como única fonte de renda familiar?

O que aconteceria acaso quisesse se contrapor ao desnível gritante entre as remunerações dos membros do judiciário brasileiro e a média de salários dos brasileiros? 

Certamente sofreria a retaliação daqueles que, como semideuses, têm a prerrogativa de condenar a todos dentro da injusta lei burguesa republicana com prerrogativas imunidade de formação de juízo de valor nos seus julgamentos, vitaliciedade, inamovibilidade, sendo, portanto, inatingíveis quanto ao grau de culpa dos descaminhos sociais hoje existentes (e que, quando flagrados em corrupção comprovada, aposentam-se com os mesmos salários gritantemente desiguais).  

O que aconteceria acaso não conseguisse superar o problema do desemprego estrutural crônico (que hoje atinge quase 13 milhões de brasileiros, além de outros tantos subempregados) mesmo defendendo o desenvolvimento capitalista, ou seja, buscando a solução para o mal na intensificação do mal? Como ficaria a sua popularidade perante uma população desesperada e uma mídia tendenciosa a condená-lo sem apelação?

Como ficaria o sentimento governamental acaso tivesse diariamente a mídia a mostrar (neste caso sem atenuantes e com muita satisfação) a morte e a desassistência médica nas portas dos hospitais, resultantes da incapacidade financeira do Sistema Único de Saúde?

Que desculpa seria suficiente para os atingidos pelo vertiginoso crescimento da criminalidade, causado por problemas sociais insolúveis, sob as vistas de um Estado que perdeu a capacidade financeira de processar e prender criminosos? 

[Vale lembrar que cujo custo de manutenção de um presidiário é proibitivo e o índice de criminalidade aumenta cada vez mais, pois estamos diante de uma barbárie nunca vista anteriormente em qualquer momento da vida nacional.] 

Como ficariam os que militam na defesa dos direitos humanos patrocinada pelo Estado diante das distorções causadas pela guerra fratricida da violência urbana? Até quando continuariam colocando o dedo na rachadura do dique, na vã esperança de evitarem a inundação?

Como atender aos governantes estaduais e prefeitos que, eleitos, encontram seus estados e municípios falidos, partindo então em romaria para Brasília, pires nas mãos, a clamarem por ajudas que não virão (seja porque a União tem um déficit orçamentário anual exorbitante, seja porque não se quer abrir mão de um modelo tributário centrado no Governo Federal, que é diferente de tudo que se pratica mundo afora)? 

O empenho em administrar o inadministrável e que, empiricamente, é antagônico a uma postura anticapitalista, só pode advir de um interesse fisiológico deplorável e, sobretudo, contrarrevolucionário e traidor de toda a doxa emancipacionista.

Que eles, os Bolçalnaros ignaros, esforcem-se para a salvação da ordem institucional capitalista decadente ao custo da opressão popular é algo que está dentro dos nefastos desígnios teleológicos do capital e dos seus serviçais. 

Já a tarefa que nos cabe é bem outra: a de denunciarmos o que está na base dos nossos infortúnios, nem sequer cogitando o disparate de administramos nós a falência do Estado capitalista.   

Mesmo sabendo que somos nós os destinados a pagar o pato (lembram-se dele?), vamos deixar que sejam eles a descascarem o abacaxi inerente ao que eles são e defendem. 

Ao mesmo tempo, devemos denunciar a causa primária das mazelas sociais e apontar saídas emancipatórias; estas últimas passam, em primeiríssima mão, pela adoção de um novo modo de produção social, objetivo, natural, desalienado, compreendendo, entre outras medidas, a horizontalização de mecanismos de participação e controles sociais.

A palavra de ordem correta não é fora o Presidente Temerário! ou Fora Boçalnaro, o ignaro!, ambos farinha do mesmo saco, mas sim fora o poder! (por Dalton Rosado)
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1 Trata-se do ingênuo discurso do deputado Márcio Moreira Alves na Câmara Federal, em 2 de setembro de 1968. 
O que mais pegou foi este trecho: "...a presença dos seus filhos nesse desfile [o do Dia da Pátria] é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile... Esse boicote pode passar também (...) às moças que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais..."
                                                             .
A recusa do Congresso Nacional em abrir processo para a cassação do mandato de Moreira Alves por quebra do decoro parlamentar daria pretexto à assinatura do Ato Institucional nº 5, que desembestou o terrorismo de Estado no Brasil.
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2 A moça da foto vê filmes: seu cartaz reproduz uma fala da prostituta Kate Helder, interpretada por Faye Dunaway, em Massacre dos pistoleiros (d. Frank Perry, 1971). Amante do jogador-pistoleiro Doc Holliday, ela assim reage às beatas que vêm recriminar sua imoralidade e tentar convencê-la a frequentar a igreja.

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