sexta-feira, 9 de novembro de 2018

CUIDADO COM OS QUE TENTAM APLICAR UM PASSA-MOLEQUE NA JUSTIÇA BRASILEIRA: O QUE ESTÃO TRAMANDO É UM LINCHAMENTO!

Está sendo espalhado pelo país algo que tanto pode ser uma informação de bastidores quanto uma wishful thinking para influenciar a opinião pública e os ministros do Supremo Tribunal Federal. Quem não quiser ser manipulado, precisa avaliar a questão com muito cuidado.

Segundo o jornal O Globo, do parecer do relator Luiz Fux sobre o eventual direito de o atual ou o novo presidente da República ordenarem a extradição do escritor Cesare Battisti, constaria o reconhecimento da "prerrogativa de um presidente rever decisão de outro em casos como esse, de extradição de estrangeiros”.

Como o embate jurídico anterior envolvendo Battisti, entre 2007 e 2011, foi marcado por uma verdadeira avalanche de falsidades e tendenciosidades trombeteadas por veículos como O Globo, sem ouvir o outro lado nem dar espaço para o questionamento das mentiras mais cabeludas por eles publicados, seria ingenuidade acreditarmos de imediato que o ministro Lux teria tão displicentemente deixado vazar um trecho do seu relatório, para que pudesse ser usado dessa forma. 

E precipitado darmos a este trecho, se real, a dimensão desmesurada que O Globo lhe deu, a ponto de concluir que "é bem provável que o STF autorize Bolsonaro a extraditar Cesare Battisti". Não se trata de um colegiado de vaquinhas de presépio, então o posicionamento do relator vale... apenas um voto dentre 11!

Segundo a Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal  processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro. (Art. 102)
Carlos Lungarzo dissecou o tema neste artigo

O artigo 83 do Estatuto do Estrangeiro, por sua vez, estabelece que “nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do plenário do STF sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão”. Cabe ao STF julgar:
1. se está presente o requisito da dupla tipicidade; 
2. se o crime é de natureza política ou de opinião; e 
3. se houve a prescrição penal.
Quando o STF considera o pedido procedente, o presidente da República decide se entrega ou não o extraditando, pois é ele quem dá a última palavra.

Ocorre que todo este trajeto jurídico já foi percorrido e, no último dia de 2010, o presidente Lula negou a extradição. Depois, em 8 de junho de 2011, o STF ratificou a decisão de Lula por 6x3, com dois ministros ausentes.

Duas semanas após, o Conselho Nacional de Imigração, vinculado ao Ministério do Trabalho, decidiu, por 14 votos a 2, conceder a Battisti autorização para residir e trabalhar no Brasil, como imigrante legal, por tempo indeterminado (ou seja, ao contrário do que a grande imprensa afirma erroneamente, ele não é um asilado).

Mas onde, exatamente, a porca torce o rabo? É no fato de que o processo resultante do pedido de extradição apresentado pela Itália na década passada chegou ao fim com a decisão de Lula em 2010, confirmada pelo Supremo em 2011.  Transcorrido o  prazo de cinco anos para contestá-la, o processo foi extinto.

Portanto, a mágica que os defensores da extradição tentam fazer é obterem permissão para que Bolsonaro tome uma decisão diferente da de Lula... num processo que não existe mais!

Outro aspecto: se os trâmites no STF não recomeçassem da estaca zero até desembocarem num novo julgamento (única hipótese para a Itália obter o que quer dentro da lei e não abrindo um atalho à margem dela), Battisti seria privado do direito de alegar novamente que, no delito que lhe imputam, está presente a dupla tipicidade (ou seja, tem componentes políticos e comuns); e que o delito é de natureza política. Afinal, em 2009 as decisões desfavoráveis ao escritor foram tomadas por 5x4. Quem garante que, hoje, não se formaria outra maioria? 

Mas, quanto a estes dois tópicos, estamos no campo das hipóteses. Bem mais concreto e grave, contudo, é que já houve a prescrição penal. Aí a coisa, como se tenta fazer, virará linchamento puro e simples.

Tudo levava a crer que a sentença italiana já estava prescrita em 2009, mas o então relator Cezar Peluso, 100% alinhado com a posição européia, apresentou um cálculo criativo segundo o qual isto só ocorreria alguns anos à frente. 

Agora, contudo, baseando-nos no mesmíssimo cálculo que Peluso apresentou em pleno julgamento para convencer os outros ministros (e que acabou sendo por eles aceito, tanto que a prescrição foi então descartada), o prazo de validade da condenação italiana indiscutivelmente caducou em 1993! 

Não há contorcionismos possíveis ou imagináveis que possam esconder o fato chocante: a Itália tenta arrancar Battisti do nosso país aplicando um passa-moleque na Justiça brasileira!

E, se tanto Temer quanto Bolsonaro já deram mostras de que cederão incondicionalmente às pressões italianas, é papel intransferível do Supremo zelar pelo respeito a outra condição sine qua non para o Brasil entregar um estrangeiro: o de que ele não vá cumprir no seu país de origem pena superior à máxima admitida por nossa Justiça (30 anos).

Enquanto ignoro o que exatamente consta do relatório de Fux, recuso-me a crer que ele esteja passando por cima de todos os obstáculos legais intransponíveis existentes para que o Brasil se submeta a esse capricho italiano que horrorizaria Tchaikovsky. Prefiro sempre pensar o melhor das pessoas.

Mas não de grupos de comunicação como O Globo, pois é-me impossível esquecer que, durante toda a minha vida consciente, eu o tenho visto invariavelmente fazendo o jogo dos poderosos do momento e mandando às urtigas as boas práticas jornalísticas. (por Celso Lungaretti)

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