quarta-feira, 8 de agosto de 2018

10 ANOS DO BLOG 'NÁUFRAGO DA UTOPIA': O SENTIDO DA REVOLUÇÃO, HOJE.

O primeiro assalto aos céus: a Comuna de Paris.
Nesta celebração dos dez anos do blog, gostaria de traçar algumas considerações sobre o sentido da revolução e dos revolucionários nos dias atuais. 

A primeira grande revolução operária foi a Comuna de Paris, em 1871. Desde então, a classe trabalhadora nunca parou de se erguer em lutas pelo mundo. 

No século 20 foram grandes pontos de inflexão na luta revolucionária os anos de 1917 e 1968, com seus exemplos inspirando episódios semelhantes em países do mundo inteiro, nos anos imediatamente posteriores. 

O século 21 já começou sob o signo da revolução com o movimento Occupy Wall Street, o qual desencadeou quase uma década de lutas que pipocaram pelos vários continentes. 

Contudo, é preciso reconhecermos o fracasso destes movimentos revolucionários. Além do capitalismo não ter sido superado, ainda se viu um profundo rebaixamento dos horizontes de ação da luta operária. Graças, sobretudo, à tragédia na qual terminou a revolução de 1917, com a ascensão do stalinismo e sua exportação para o mundo como o modelo de comunismo a ser seguido. 

Embora tenha se originado da revolução de 1917, o stalinismo não foi uma etapa adiante do processo revolucionário, antes se constituindo numa ruptura com este, ruptura dada a partir do fracasso da revolução na Europa.

Sendo a Rússia uma nação isolada, devastada por duas guerras, sem tradição democrática e com uma economia ainda pré-industrial, o stalinismo significou para ela muito mais uma forma ditatorial de modernização social do que um suposto processo de passagem ao socialismo. 
Trabalho forçado sob Stalin: "forma ditatorial de modernização"

Prova disto é o fato de ter entrado em colapso justamente quando tinha cumprido seu objetivo histórico (industrializar e urbanizar a Rússia) e se tornara obsoleto.

Mas, tendo se apropriado do marxismo, autoproclamava-se a pátria do socialismo. Tinha, de fato, prestado bons serviços nas causas anticoloniais e dado assistência a movimentos revolucionários na periferia do capitalismo, fazendo-o, contudo, mais por motivos geopolíticos do que por ideal socialista. 

Na média ponderada, deixou uma herança muito mais ruim que boa, inspirando a construção de regimes ditatoriais, burocráticos, além de disseminar uma visão negativa do comunismo, como se este fosse uma ditadura de estado máximo e democracia mínima. Não estava, portanto, errado Noam Chomsky ao dizer que a URSS agia conjuntamente com os EUA no sentido de destruir a imagem do socialismo entre a classe trabalhadora. 

Em resposta ao stalinismo, cresceu na Europa ocidental a posição social-democrata, com a burguesia aceitando oferecer uma série de benefícios aos trabalhadores a fim de frear o avanço de movimentos revolucionários. Com isto era fortalecida uma esquerda aburguesada, adepta do liberalismo econômico e respeitadora do regime capitalista. 

Tal esquerda neutralizava as organizações stalinistas e esvaziava o discurso revolucionário, ao mostrar ser possível elevar a qualidade de vida da população sem romper com o capitalismo nem instituir um regime ditatorial. 
"A ideia nacionalista não serve à classe trabalhadora"
No entanto, a social-democracia só era possível no centro capitalista europeu devido à enorme concentração de riqueza nestes países, concentração conseguida não apenas por quase dois séculos de colonialismo, mas também graças à expansão das multinacionais rumo aos países periféricos no período pós-guerra. 

Enquanto na Europa central havia democracia e benefícios sociais aos trabalhadores, na periferia (sobretudo na América Latina) reinavam a pobreza e os regimes autocráticos. 

Da social-democracia europeia, no entanto, veio mais um tipo de ilusão, a de seria possível controlar o capital e melhorar a condição de vida dos trabalhadores dentro do marco do regime burguês. 

Stalinismo e social-democracia tornaram-se as ilusões profundas da esquerda mundial. Em ambos, reina a visão do centralismo do partido, da burocracia e da ação institucional.

No período pós-URSS e pós-social-democracia, a esquerda passou a orbitar em função da luta eleitoral e da administração do Estado burguês, diferenciando-se cada vez menos da direita tradicional. 

A perspectiva revolucionária perdeu-se no horizonte histórico, trocada pelo acomodamento ao regime burguês. 

A hora, no entanto, não poderia ser pior. A situação histórica da humanidade aponta para um risco real de colapso ecológico. O crescimento da pobreza e da violência urbana leva a vida cotidiana ao caos. No meio disso, meia dúzia de bilionários concentram grande parte da riqueza mundial. A revolução, portanto, é urgente, mas sua urgência não encontra eco na esquerda mundial. 
"Há risco real de colapso ecológico"
O que fazer, então? O primeiro ponto, acredito, é efetuarmos o balanço rigoroso da história revolucionária até aqui. Compreender a natureza dos erros que levaram aos recorrentes fracassos. Fazer um acerto histórico com o stalinismo, superando-o, é fundamental. As ilusões social-democratas devem ser combatidas a partir de uma severa crítica, mostrando o quanto tal forma societária era dependente do capital importado dos países periféricos. 

Num país periférico como o Brasil, é preciso superarmos de uma vez a ilusão nacionalista. Por ser exportador de capitais, há uma tendência quase secular na esquerda brasileira de pensar numa possível ruptura com o capitalismo central a partir de uma aliança com a nossa burguesia. 

Tal ideia, no entanto, sofre de profundo erro analítico, pois não entende a natureza contemporânea do capital e nem o DNA da burguesia brasileira. 

O capitalismo é um sistema, hoje ainda mais que no passado, global. Não se trata de pensar cada país atuando no capitalismo como se fossem peças de lego encaixadas. O planeta Terra é um único mercado unificado, pelo qual o capital circula livremente, podendo, sim, enfrentar uma lentidão em seu fluxo neste ou naquele lugar, mas nada impeditivo de sua circulação. 
"A teoria converte-se em força material quando penetra nas massas" (Marx)
Nesta lógica, há uma divisão internacional do mercado, sendo determinado quais lugares funcionarão como instâncias industriais, quais como fornecedoras de matéria-prima, quais como centro de consumo, quais como locais de valorização do capital, etc. 

Os Estados nacionais desempenham a função de suporte jurídico e financeiro para a circulação do capital. 

A nação, já historicamente superada pelo capitalismo, ordena e ilha a mão de obra, impedindo sua livre circulação e internacionalização. Noutras palavras, enquanto a burguesia encontra-se unificada em escala internacional – dividindo-se em setores de participação do mercado global –, a classe trabalhadora é fragmentada dentro de cada país. Sua livre circulação possibilitaria não apenas a criação de laços de classe em nível mundial, mas também a elevação do custo do trabalho nos países periféricos. 

Não é outra a razão de existirem leis ferrenhas de imigração nos países centrais. Pois é preciso que os trabalhadores da periferia permanecem em seus países de origem forçando para baixo o preço da mão de obra. 

Não é outro o motivo de a União Europeia ter uma unidade monetária e econômica, mas não uma unidade política. Uma unidade política permitiria a união da classe trabalhadora em nível continental, coisa perigosa. Por isso, politicamente a classe permanece presa a seu país de origem, embora possa ir vender sua força de trabalho em qualquer lugar do bloco. 

Portanto, a ideia nacionalista é caduca e não serve à classe trabalhadora ou à revolução. O sentido da luta revolucionária deveria ser o de pressionar a burguesia à internacionalização não apenas econômica, mas também política, garantindo assim a unificação da luta operária a nível global. 

Seria isto, então, o importante a ser feito no médio prazo: praticar a crítica, não apenas do passado da luta revolucionária, mas também do presente. Para o processo de crítica resultar, no entanto, é fundamental fazer as perguntas; acredito que coloca-las seja nossa tarefa fundamental neste momento. 

Apenas a elucidação crítica de nossa situação poderá levar, por uma ascensão geométrica, à criação de um robusto movimento revolucionário entre as massas. Pois, como disse Marx: 
"É certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, que o poder material tem de ser derrubado pelo poder material, mas a teoria converte-se em força material quando penetra nas massas".
Assim, façamos a crítica, para que esta se torne força material

E o blog Náufrago da Utopia é um dos poucos que a ela confere importância fundamental, inclusive colocando-se, na sua declaração de princípios, como defensor da justiça social, dos direitos humanos e do exercício do pensamento crítico, sem definir uma ordem de prioridade entre tais bandeiras. (por David Emanuel de Souza Coelho)

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